Voyager: Valeu a pena?

Jornada nas Estrelas – Voyager. Uma produção que agora está em suas horas finais. Foram sete anos que valeram a pena? É uma questão provocativa –cada pessoa que teve a oportunidade de assistir a toda a série tirou sua própria conclusão. E eu aposto (modéstia à parte) que você está esperando a minha resposta.

Pode essa série se tornar um clássico nos anais dos seriados vindos do espaço sideral (ou seja, de Hollywood, ou mais precisamente, da Paramount Pictures)? Meu primeiro instinto, após me lembrar dos pilares colocados pelo grande Michael Piller (com o perdão do trocadilho) na primeira temporada (do conflito Maquis à interessante questão da Primeira Diretriz no quadrante Delta, abandonados completamente quando Braga assumiu a série, a partir de “Future’s End”), do ótimo episódio-piloto e de bons episódios como “Prime Factors”, “Scorpion”, “Timeless”, “Relativity”, “Message in a Bottle”, “Drone”, “Latent Image”, “Worst Case Scenario” e… (dê mais uns minutos para eu ver se me lembro de mais algum) “Year of Hell” (ufa!), seria dizer sim. “Sim”, eu diria, “Voyager não foi drama de primeira classe, mas foi um baita entretenimento.”

Infelizmente, uma análise mais profunda mostra que nem foi esse o caso. Talvez o maior problema tenha sido o fato de Voyager ter se tornado um seriado tímido e reacionário. Desde o momento de sua criação, parecia que a série era o antídoto para Deep Space Nine.

DS9 era o que o estúdio acreditava ser a versão dark e opressora que visava recapturar a audiência de massa que A Nova Geração tinha ao deixar o ar. E, claro, o fato de Deep Space Nine ser o seriado de Jornada mais original e inovador desde a Série Clássica e talvez uma das mais adultas e dramáticas séries dos anos 90, com ou sem o nome de Jornada nos créditos, não fez diferença aos cofres da Paramount.

O que importa é que a serie não foi considerada um sucesso de público (e de vendas de merchandise, lógico). Voyager, por outro lado, seria o retorno à época das naves estelares e de exploração (do espaço sideral e do bolso dos trekkies). O lançamento de uma nova rede de TV. Um capitão do sexo feminino na carne de uma atriz já nominada ao Oscar (pelo menos até Geneviève Bujold abandonar o papel de Nicole Janeway e ser substituída pela charmosa, mas não tão talentosa, Kate Mulgrew).

No entanto, uma coisa engraçada aconteceu –os telespectadores norte-americanos (e pior, os próprios trekkies, lunáticos ou não) não estavam curtindo a série como suas precursoras. Os personagens eram bidimensionais, bobinhos, e a nave era praticamente um repeteco da Enterprise-D (só o design exterior havia mudado). E as semelhanças continuavam, como num jogo de adivinhação: B’Elanna era dessa vez a meio-alienígena com sua dualidade racial, às vezes tortuosa, (Spock, Troi, Worf), o jovem e brilhante Harry Kim (Chekov, Wesley, Jake), Seven of Nine em busca de sua humanidade (Spock, Data, Odo) e daí por diante. Não era completamente inovador (aliás, estava longe de ser inovador), mas foi a fundação de uma série que prometia ser ao menos interessante.

Infelizmente, os escritores esqueceram de servir seus personagens e desenvolvê-los (com respeito à cronologia, diga-se de passagem, coisa que Braga e Menosky jogaram pela janela junto com o livro “Star Trek Cronology”, um trabalho meticuloso, mas ignorado, dos pobres Michael e Denise Okuda).

Em vez disso, tomamos doses e mais doses de anomalias espaciais e tecnobaboseira que faziam menos sentido que a série “Bruxa de Blair”, e fenômenos alienígenas grotescos que, em vez de servir como catalisadores para as histórias, eram as próprias histórias –o começo, meio e fim dos episódios. E você se pergunta por que algo tão prosaico como o mal-produzido “Andromeda” e o derivativo “Roswell” (que tem mostrado vida ultimamente), ou ainda os divertidos e ótimos “Xena” e “Buffy“, têm chutado Voyager no saco com o passar do tempo.

A resposta é: pelo menos ali algo acontece com os personagens, pelo menos ali nada permanece o mesmo, os personagens (pra não falar da saga que os envolve) evoluem. Já em Voyager …temos pseudo-drama com consequências… estáticas. A menos, é claro, que Troi e Barclay apareçam para agitar as coisas.

E convenhamos: não ajudou nada a introdução da excelente e belíssima atriz Jeri Ryan como Seven of Nine, já que sua personagem logo se viu presa nas mesmas anomalias dos roteiros ruins que prendiam seus companheiros de tripulação já há quatro anos. Não que isso importe a Ryan. Diferente de Kate Mulgrew ou Robert Beltran, Ryan tem a beleza e o talento suficiente para arrasar com Hollywood se conseguir se desfazer do personagem Borg que a marcou e parar de fazer filmes ruins como “Dracula 2000” e “Men Cry Bullets“. E largue Brannon Braga e namore alguém que tem futuro em Los Angeles, principalmente.

E enquanto os nerds e pseudo-intelectuais de plantão elegem a cada vez mais canastrônica Gillian Anderson e a bolimia de Calista Flockhart como duas das melhores atrizes na TV americana da atualidade, eles deveriam estar prestando atenção é em Jeri Ryan e Lucy Lawless (Xena) –duas atrizes que vão da comédia para o drama e depois ao ridículo sem perder o fôlego (e nem o rebolado). Basta dizer que elas transformaram duas personagens estereotipadas em pura diversão e conseguem tirar leite (e drama) de pedras. É difícil dizer o que Jeri ou Lucy não fariam em um papel sério e de verdade, numa série como “Homicide” ou “The West Wing“. Pena que “Cleopatra 2525” tenha sido cancelado, porque eu adoraria ver onde a carreira de Victoria Pratt iria. Mas essa já é outra história…

Enquanto isso o que sobra de interessante nessas duas atrizes continua faltando em Voyager –talento. E para piorar, Voyager não tem qualidade épica nenhuma e parte disso é porque certos roteiros (além do descaso cronológico) são difíceis de engolir. Janeway tentando subjugar a coletividade com um plano que parece ter saído do cérebro de Homer Simpson em “Unimatrix Zero, Parts I & II” é um tapa na cara da inteligência de (certos) telespectadores. Sim, claro –vamos nos tornar “drones” e perder mais tempo com os Borgs e acabar com eles de uma vez por todas (o que aliás nem adiantou, porque lá vem eles de novo em “Q2”).

Não existe credibilidade, e para um show como Jornada (que já tem um pé na pura fantasia), a falta de credibilidade é morte súbita. Rick Berman sempre disse que credibilidade em Jornada é maquiagem realista, cenários caros e nada de Andorianos (ou seja, nada de antena). Mas ele está errado.

O que ele não percebe é que são os roteiros, as histórias, personagens tridimensionais. Atores que gostem de seu trabalho. Os personagens têm que ter credibilidade e agir com credibilidade (e com o coração), e se eles fizerem isso, os fãs acreditarão no resto. Michael Piller sabia disso em A Nova Geração, Ira Behr sabia disso em Deep Space Nine.

Até o saudoso Gene Coon e a talentosa D.C. Fontana sabiam disso nos áureos tempos de Série Clássica, quando Jornada era apenas um subproduto dos estúdios Desilu. Mas Braga e Berman ao que parece se esqueceram desse detalhe e como resultado a sexta e a sétima temporada de Voyager têm sido as piores coisas que já assisti desde o terceiro ano da série original. Até os desenhos animados têm mais caracterização e roteiros mais interessantes que “Fair Haven”, “Fury”, “Drive”, “The Haunting of Deck Twelve”, “Critical Care” ou “Flesh and Blood”… é só falar.

Os caras que fizeram tudo isso com o nosso “queridinho” franchise são os mesmos indivíduos que vivem se contradizendo na imprensa sobre a criação de uma nova série de Jornada que, dizem eles, estréia ainda esse ano (o que eu sinceramente duvido –marque janeiro de 2002 no seu calendário trekkie). Não importa discutir se a série será ambientada no século 22 ou no 29. Importa é se a série vai ter profundidade, caracterização. O design da nave e a maquiagem são irrelevantes. Os roteiros e o amor ao trabalho, isso sim é relevante –e Braga e Berman perderam isso, infelizmente.

Berman deixou de ser um produtor para ter uma mentalidade de executivo vendedor-de-carros-usados e Braga deixou de ser um roterista criativo para embarcar em sua própria ego-trip nas estrelas.

Por isso, meu amigo trekkie ou leitor eventual, quando Voyager acabar com um suspiro, e não um estouro, em maio próximo, comemore o começo da carreira verdadeira de Jeri Ryan, o fim de sete anos de desperdício de tempo e dinheiro (bom, pelo menos do meu, que tive de importar todos esses 150 e tantos episódios) e reze para que John Logan tenha pelo menos um pouco de voz ativa em Jornada X. Lembre-se o que aconteceu quando Michael Piller decidiu que Picard deveria enfrentar os Romulanos numa saga dark chamada “Jornada nas Estrelas – Insurreição” e espere que a Paramount, Rick e Sheri tenham aprendido a lição.

Senão Deep Space Nine será realmente digna dos profetas: “What You Leave Behind“.

Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis em 2001.