Entrevista com Nichelle Nichols, parte II

Na primeira parte da entrevista com a atriz Nichelle Nichols, ela respondeu às perguntas sobre o novo filme, Star Trek, e a nova Uhura, interpretada por Zoe Saldana. Agora, nessa segunda edição, Nichelle comenta mais sobre o seu trabalho na série original, a influência de Martin Luther King em sua carreira, o beijo interracial e outras histórias familiares e divertidas sobre o tempo em que esteve na franquia.

Você comentou sobre o desempenho de Zoe Saldana como Uhura construindo através do que você fez com o personagem. Como o personagem seguirá em frente, o que você gostaria de ver nele?

“Eu gostaria de ver o que J.J. Abrams fará com ela. Eu acho que com o que fez Zoe, fazendo a mudança, passando esta menina, jovem sedutora e divertida a ser muito séria, eu gostaria de ver onde isso vai dar. Ela estará fazendo mais escolhas nos próximos anos e eu tenho plena fé e confiança na Zoe e em J.J. Eu adoraria ver onde vão levá-la, e eu adoraria voltar em uma seqüência qualquer encontrar-me com Uhura como sua mãe ou avó ou qualquer outra coisa, se J.J. quiser me usar. Eu adoraria ser uma parte dela.”

A história do beijo interracial entre Uhura e o capitão Kirk é familiar para muita gente, mas um leitor quis saber se você percebeu a tempo a importância que poderia ser?

“Não. Para dizer a verdade, estávamos muito felizes de ter um script que era único e que estava dando um passo grande a frente, mas não estávamos pensando sobre isso (em um contexto histórico). Acho que (os produtores) foram sensíveis a isso. Eles salvaram a nossa cena a ser fotografada quando não havia ninguém por perto, no final do último dia, uma hora antes do fim da gravação.”

Nós sabemos que você ainda está muito próxima a George Takei, Walter Koenig e Leonard Nimoy entre os membros sobreviventes do elenco original, mas vários leitores perguntaram sobre o estado atual de seu relacionamento com William Shatner. Então …?

“Ele é muito cordial quando nos vemos.”

Outra história famosa agora é como Martin Luther King convenceu-a a permanecer em Jornada. Você poderia compartilhar essa história de novo, para pessoas que não ouviram isso? E, também, se você tivesse realmente deixado a série original, o que estaria planejando fazer?

“Quando eu disse a Gene (Gene Roddenberry), que eu ia embora, no que dependesse de mim estava consciente de que era um fato consumado. Eu estava considerando todos os tipos de coisas. Lembro-me, que eu cresci no teatro musical. Eu pertencia ao teatro, não a televisão ou filmes. Essas foram coisas que eu fiz quando ainda não tinha feito isso (Jornada) e onde eu queria ir, mas estava no meu caminho. Eu não tinha idéia do poder de estar em uma tela e as pessoas vê-lo semanalmente. Mas eu estava pronta para ir embora. Esta pequena parte (da série) foi muito agradável, e eu adorei as pessoas e amei trabalhar lá, e estava ficando com experiência em um novo meio, que eu não pensava duas vezes (em sair). Gene disse: “Você não pode, Nichelle. Você não vê o que eu estou tentando fazer aqui?”. Eu só olhei para ele, porque eu estava decidida. Ele disse, “OK”, e eu lhe entreguei a minha demissão. Ele pegou e olhou para o papel com olhos tristes. Ele foi atrás de sua mesa e eu estava de pé na frente dela. “Eu nunca vou esquecê-la” – ele disse. “Eu não vou aceitar isso ainda”. Ele colocou em sua gaveta da mesa e disse: “Pegue o fim de semana e pense sobre isso, Nichelle. Se você ainda quiser fazer isso, na segunda de manhã eu vou deixar você ir com a minha bênção”. Eu disse,”Obrigado, Gene”. E pensei:”Caramba, foi barra-pesada, mas eu havia decidido.”

“Naquele fim de semana, fui ao que me lembro a um evento de caridade na NAACP, embora pudesse ter sido outra coisa. Fosse o que fosse, eu estava em Beverly Hills. Estava sentada, quando outros notáveis vieram para se juntar a nós neste evento. Um dos organizadores do evento veio até mim e disse: “Senhora Nichols, eu detesto incomodá-la, uma vez que está sentada para jantar, mas há aqui alguém que quer muito te conhecer. E pediu para dizer que é seu maior fã”, Eu disse,” Oh, certamente”. Levantei-me e me virei e quem vem andando em minha direção cerca de 3 a 5 metros, sorrindo com o raro sorriso dele, é o Dr. Martin Luther King. Lembro-me dizendo a mim mesma: “Quem for fã, quem for Trekkie, vai ter que esperar porque eu tenho que encontrar com o Dr. Martin Luther King”. E ele caminha até mim e diz: “Sim, Nichols , eu sou seu maior fã “. Você sabe, eu costumo falar, mas tudo o que minha boca podia fazer era abrir e fechar, abrir e fechar;. Fiquei muito atordoada.”

“Dr. King começa a me contar sobre como Jornada é o único programa que ele e sua mulher, Coretta, permitem que seus filhos pequenos assistam. E ele continua a mostrar sobre o que significa meu papel nele e como eu criei esse personagem com dignidade e conhecimento. Finalmente, eu disse: “Muito obrigado, Dr. King. Eu realmente vou sentir falta dos meus colegas”. King olhou para mim e foi-se o sorriso do rosto e disse:” O que você está falando?”. Eu disse a ele. Ele respondeu: “Você não pode”, e assim ajudou-me este homem praticamente a repetir textualmente o que disse Gene: “Você não vê o que este homem está fazendo, quem escreveu isso? Esse é o futuro. Ele criou-nos como devemos ser vistos. Trezentos anos a partir de agora estaremos aqui. Estaremos marchando, e este é o primeiro passo. Quando nós vemos você, nós vemos a nós mesmos e vemos a nós muito inteligentes e bonitos e orgulhosos”. Ele continua e eu estou olhando para ele e meus joelhos estão tremendo. Eu disse, “eu … eu …” E ele prosseguiu: “Você liga a televisão e as notícias aparecem e você nos vê marchando e pacíficos, você vê a desobediência civil pacífica, e você vê os cães e vê as mangueiras de incêndio , e todos nós sabemos que eles não podem nos destruir, porque nós estamos lá no século 23”.

“Isso é tudo que aconteceu. Voltei na segunda de manhã e disse Gene que tinha acontecido. Ele se sentou atrás dessa mesa e uma lágrima desceu o rosto, e ele olhou para mim. Eu disse, “Gene, se você quer que eu fique, eu ficarei. Não há nada que eu possa fazer além de ficar”. Ele me olhou e respondeu:”Deus abençoe o Dr. Martin Luther King. Alguém realmente sabe do que estou tentando fazer”.Abriu a gaveta, tirou a minha demissão e me entregou. Ele rasgou em pedaços. Ele me entregou os pedaços e disse: “Bem-vinda de volta.”

OK, agora perguntas um pouco divertidas. Você tinha um uniforme vermelho em Jornada. Alguma vez você pensou que estava no bloco dos eliminados?

“(risos). Não! Nunca! Mas há uma história engraçada. A primeira vez que me viu numa roupa não vermelha, foi no uniforme verde vômito. O escritório da frente não tinha visto isso e não tinham idéia de que eu estava na série. Quando viram as notícias, comentaram: “Que diabos? Quem é ela?”. Gene disse: “Ela é a oficial de comunicações”. Eles replicaram: “O que aconteceu com (Lloyd Haynes) …? “Gene disse:” Ele teve um papel de liderança na série  Room 222, e Nichelle é absolutamente perfeita para isso. Ela não é boa?”. Eles disseram:” Sim, ela é boa, mas … mas … mas … mas, não podemos … “. Gene imediatamente respondeu:” Eu disse que ia fazer uma mudança na ponte. Vocês sabiam disso”. Eles disseram: ” Tudo o que você disse foi que você estava adicionando um pouco de cor. Nós pensávamos que você estava falando sobre os trajes!”. Gene replicou: “Sabe, você está certo. Eu não gosto dela nesse traje”, e ele alterou o vestuário. A próxima coisa que eu sabia é que estava em um traje vermelho para toda a série. Eles não fizeram aparecer a idéia dos camisas vermelhas morrendo em planetas por algum tempo.”

Nota do editor: Antes de Nichelle entrar para Jornada, o ator Lloyd Haynes havia sido escolhido para fazer o papel de um oficial negro no setor de comunicações. Haynes fez o tenente Alden no episódio piloto “Where No Man Has Gone Before”, mas depois deixou a franquia pra ingressar em outra série, Room 222, como protagonista principal.

O que você estava usando durante a cena “nua” em Star Trek V?

“Eu estava usando … eu. E, claro, eu tinha um fio-dental.”

Se você tivesse que sentar para almoçar com Kirk e Spock – um dos personagens, e não um dos atores – quem você escolheria?

“Spock. Como já falamos aqui, criei meu personagem, relacionada com Spock. Pensei em Spock como mentor de Uhura, porque ele era mais velho e mais experiente.”

Você usou o fone de ouvido na série. Era pesado? Você ainda tem um? E você, hoje, usa bluetooth?

“Eles nunca foram pesados porque foram feitos de material muito, muito leve. Eles levaram um molde da minha orelha, então quando ele foi feito, ele foi feito para mim e se moldar ao meu ouvido. Sim, eu tenho o meu fone de ouvido original, além de outro que foi dada a mim também. E, não, eu não tenho bluetooth, porque há um pensamento de que tenha um efeito na sua audição e na sua saúde. Eu tenho um celular de abrir, e você sabe que eles tomaram de Jornada, também.

Muitas pessoas, com a morte de Majel Barrett-Roddenberry, consideram que você seja a primeira-dama de Jornada. Como é que você se sente com isso?

“Majel ainda é a primeira-dama de Jornada. Eu decidi que eu sou a primeira-dama do espaço, porque eu tenho feito muito com a NASA ao longo dos anos e eu estou envolvida novamente com eles agora, e porque eu estou começando uma fundação, a Fundação Nichelle Nichols. Eu estou apenas começando, apenas constituindo-a. Você pode dizer às pessoas para visitarem o meu site, mas é para ajudar os jovens a entender a necessidade e o valor do que o presidente está impulsionando a ciência, do STEM, que é um acrônimo de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática. Estamos avançando, e eu estou trabalhando com a NASA, inclusive com um dos meus recrutas, sobre isso. Minha fundação vai apoiar isso e também as artes dramáticas e musicais. Você não pensou que eu estaria abandonando, não é?”

Finalmente, como se sente ao saber que inspirou tanta gente – pessoas como o Dr. Mae Jemison e Whoopi Goldberg, que são algumas de suas fãs mais famosas -, mas também tantas outras, pessoas que você nunca conheceu?

“As pessoas me dizem: “Você inspirou as mulheres de cor” e eu diria: “Sim, preto, branco, amarelo, marrom, vermelho e, provavelmente, alguns com verde e orelhas pontudas”. As pessoas continuam dizendo que o brilhantismo de Gene foi no elenco de pessoas de toda a Terra, e um alienígena. Isso fez com que todos se sentissem como se pertencessem a eles. Eu não era uma oficial de comunicações negra. Eu era uma oficial de comunicações que passou a ser da África, que passou a ter pele morena. Assim, conheci mulheres de todas as cores que me disseram como Uhura inspirou-as a alcançar as estrelas. Eu conheci mulheres que já deram nome a suas filhas de “Uhura”, e mesmo depois de “Nichelle”. Mas a coisa mais incrível é que eu conheci um homem branco que veio me dizer: “Você mudou a minha vida”. Ele dizia: “Eu vim de uma família racista, até que eu te vi nesse cenário em Jornada”. E eu disse: “Sim, esse é o modo de vida que é suposto ser”. Gene ao escolher o elenco fez por nos ajudar a mudar a sociedade, mudar a forma como as pessoas pensavam, mudou o mundo. É incrível. Ele queria (que Jornada) fosse um reflexo do mundo, e foi isso que aconteceu.”