Berman lembrando 18 anos de Jornada, Parte II

 Na primeira parte da entrevista ao Star Trek.com, o ex-produtor de Jornada, Rick Berman, contou como chegou a bordo para a série A Nova Geração, seu contato com o criador da franquia, Gene Roddenberry e os trabalhos posteriores na série. Agora, na segunda parte dessa entrevista, Berman comenta mais um pouco sobre Deep Space Nine, Voyager e Enterprise.  

O que vem à mente agora, quando você pensa sobre Deep Space Nine?

“Eu li muito (na mídia) sobre um conflito entre eu e Ira Behr e sua equipe de roteiristas da série. Eu li muito sobre Ira querer me ludibriar, coisa do tipo Ira enganar-me fazendo coisas que eu não queria fazer. Acho que é um pouco doloroso, porque isso em grande parte não é verdade. Ira tinha uma visão muito específica de como ele queria levar a série. Isso foi depois que Michael tinha ido embora. E havia certas coisas que eu concordava. Na verdade, a grande maioria do que ele e sua equipe fizeram eu concordei. Mas havia certas coisas que eu não concordava e, por ter sido um dos dois criadores da série e um produtor executivo, eu senti que tinha o direito de dizer o que sentia a Ira. Infelizmente, saiu ao longo dos anos como se Ira me enganasse ou eu ficaria acreditando que ele ia fazer X e, em seguida, fazia Y. Eu nunca fui assim tão estúpido.”

“Houve coisas que me lembro – a morte de Dax – que não concordava com ele sobre isso. Eu senti que, depois dos anos que esta personagem tinha estado envolvida com a série era errado que ela tivesse uma morte rápida e sem sentido. Eu queria algo um pouco mais heróico. Quando Nog (Aron Eisenberg) teria de ter as duas pernas amputadas, achei isso um pouco violento. Houve muita discordância e acabamos tendo o compromisso bizarro de tê-lo perdendo uma perna e depois recebendo uma prótese da perna em vez de perder as duas pernas, que, em retrospecto, foi muito engraçado. A idéia da Guerra contra o Dominion, a idéia de que Ira queria um arco que ia durar uma temporada ou talvez mais, ele e eu tínhamos muito desacordo sobre isso. E isso era tudo baseado puramente no fato de que Gene foi muito específico para mim, o qual não queria que Jornada fosse um show sobre guerras intergaláticas, guerras interespécies. Ele não queria que fosse sobre os seres humanos em guerra contra outras espécies.”

“Eu senti que todo o arco desta guerra era algo que poderia ser feito em meia-dúzia de episódios. Ira sentia de forma diferente e ele empurrou-a, e foi mais tempo do que eu esperava que ele iria fazer, mas não era como uma situação de: – “Uau, Ira está em seu nono episódio e Rick achava que só ia fazer quatro”. Quer dizer, eu li cada história. Eu li todos os scripts. Discutia cada história e roteiro com Ira e com quem fossem os autores. Eu estava ciente disso. Eu não estava necessariamente feliz que passasse tanto tempo como passou (a guerra). Mas esses são os tipos de discordâncias que as pessoas envolvidas com um programa de televisão tem.”

“Acho que a coisa que mais me orgulho a cerca de Deep Space Nine é o elenco. Eu acho que Rene Auberjonois, (Alexander) Siddig, Armin Shimerman, Nana Visitor, Colm Meaney, Avery Brooks … esses foram alguns dos melhores atores que já tivemos em Jornada. Era um elenco superlativo. Eles trabalharam. Isso se encaixou. As relações dos personagens – como Quark e Odo, O’Brien e Bashir, Sisko e Jake – foram maravilhosas e bastante originais e se destacaram como alguns das melhores de todas as séries de Jornada. Isso era algo que eu achava que era ótimo. E pensei que a direção geral da série acabou sendo o que nos propusemos para que ela fosse. Graças a Ira e uma equipe incrível de escritores, foi diferente. Ainda era Jornada, mas era radicalmente diferente do que foi A Nova Geração.”

Vamos mudar para Voyager e entrar no desenvolvimento mais importante. Jennifer Lien encerrando e Jeri Ryan entrando. Algumas pessoas pensaram que foi puro gênio, enquanto outras consideraram que trazer um personagem muito sexy foi muito fácil. Olhando para trás, foi a coisa certa?

“Acho que sim. O estúdio sentiu fortemente com a perda de um ou mais personagens quando a audiência começou a escorregar um pouco. A atriz que, infelizmente, foi demitida foi Jennifer (Lien). A idéia de trazer um ser humano Borg que havia sido levado pelos Borg desde criança, deu-nos uma quantidade enorme de trabalho. Jeri entrou e estava muito sexy e também era uma atriz muito boa. Então decidimos, “Que se dane”. Havia denúncias de que os índices de audiência estavam caindo. Tivemos uma atriz maravilhosa entrando, e fomos com o Bob Blackman, nossa figurinista, e dissemos: – “Veja o que você pode fazer para torná-la fabulosa”. E ela parecia fabulosa. Eu não acho que levamos uma grande vantagem dela ser sexy, além do fato de que ela tinha uma vestimenta deslumbrante. Sete de Nove tornou-se uma personagem muito tridimensional e texturizada, desempenhado por uma atriz maravilhosa.”

Em geral, o quanto satisfeito você ficou com Voyager?

“Foi difícil. Tivemos o fim de A Nova GeraçãoDeep Space Nine estava em seu terceiro ano, e imediatamente quisemos que outra série tomasse o lugar de A Nova Geração. Pedimos-lhes (aos executivos do estúdio) para esperarem alguns anos. Eles disseram: – “Nós temos todas essas faixas de horário. Nós não queremos perdê-las”. Eles queriam muito fortemente uma nova série. O fato de A Nova Geração, uma série baseada numa nave, ter saído do ar e que tinha um programa baseado na estação espacial no ar, fez com que a coisa óbvia a fazer seria criar uma nova nave, o que fizemos com o Voyager.. Nós viemos com uma premissa que, penso eu, era fresca ou que, certamente, era diferente. Nós não queríamos apenas ter uma outra nave, dar-lhe o nome de Voyager em oposição à Enterprise, e preenchê-la com um bom equilíbrio entre humanos e alienígenas. Esta foi uma série que eu pedi para Jeri Taylor participar com Michael e eu na criação. A idéia de que está sendo empurrada para uma parte distante da galáxia e fora do contato com a Frota Estelar, afastada das instruções e regras, em um sentido, e tendo que se juntar com os Maquis, foi que nós levamos para o episódio-piloto, toda a idéia de voltar a qualquer custo – ponto de interrogação, que não deve ser a qualquer custo – Eu acho que, nos permitiu fazer algumas coisas novas, que eram importantes. Estávamos todos conscientes de que essas coisas poderiam ficar obsoletas. Muitos dos escritores eram os mesmos escritores e muitos dos escritores eram novos escritores, mas nós não queríamos fazer uma A Nova Geração novamente.”

“Naquele momento, quando estávamos criando Voyager, também estávamos escrevendo e produzindo Star Trek VII: Generations e, em seguida, dois anos mais tarde, Star Trek VIII: Primeiro Contato. Então, nós estávamos fazendo filmes com a tripulação de A Nova Geração, com Deep Space Nine estávamos nos últimos três ou quatro anos, e, de repente, fomos convidados a fazer uma outra série, que foi Voyager. Houve até mesmo perto do final de Voyager quando eles queriam criar uma série antes de Voyager sair do ar. E eu me recusei. Eu disse que era muito cedo, que iria começar depois de Voyager sair do ar. Acho que eles queriam um ou dois anos se sobreposição. Além disso, em algum lugar, havia um projeto IMAX que desenvolvemos e que o estúdio acabou por não ser capaz de fazer um acordo com o pessoal do IMAX. Foi no começo do IMAX. Foi antes que os filmes estivéssem saindo em IMAX como hoje. Mas foi um ótimo roteiro e, certamente, algo que teria sido interessante de fazer. E, ao mesmo tempo, eu estava envolvido com toda a Las Vegas Experience. Então tivemos um tempo muito, muito ocupado e era imperativo para todos nós tentarmos manter as coisas obsoletas e repetitivas, mas ficou mais difícil.”

Qual foi a sua mentalidade, então, de levar Enterprise?

“Eu estava relutante. Eu fui citado muitas vezes dizendo que se você fizesse muitas viagens para a origem, poderia matar a galinha dos ovos de ouro, mas os poderosos (do estúdio) – os poderosos que eram na época – deixaram muito claro para mim, dizendo que se eu não fizesse isso, eles pediriam a outra pessoa para fazer. E já que eu nunca tinha desenvolvido nada com Brannon (Braga), com quem eu tinha trabalhado em conjunto muito bem, pensei que seria divertido montar uma série com ele, e que se tornou Enterprise.”

O conceito prequel parecia muito promissor, mas os fãs nunca abraçaram Enterprise do jeito que tinha acontecido nas outras séries. Supondo que você concorde com essa afirmação, porque não manteve contato com Star Trek Enterprise no mesmo grau que teve com a série anterior?

“Eu acho que tudo o que você disse é verdade. Acho que Enterprise foi abraçada, mas certamente numa audiência menor. Não foi abraçada por um monte de gente. Há uma série de suposições diferentes que se poderia fazer sobre o porquê. Eu sempre achei que o surgimento do termo “fadiga da franquia” estava correto, que não havia dúvida disso. Havia simplesmente muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Até então, Deep Space Nine tinha terminado, Voyager ainda estava no ar, um terceiro filme de A Nova Geração estava saindo, e não foi definitivamente um sentimento de que talvez estivéssemos empurrando: – “Oh, meu Deus, aí vem outra série de Jornada”. Foi a quarta série de Jornada em uma década. A idéia de prequel eu acho que foi uma boa idéia. Após Voyager, nós certamente não iríamos dizer: – “OK, agora é tempo para uma nova série. Voyager está saindo do ar em maio e em setembro você vai ter uma nova tripulação de uma nova nave, no mesmo século”. A idéia de voltar atrás e aprender um pouco sobre o que se passou com as primeiras pessoas que estavam saindo para o espaço … pareceu-nos ser uma ótima idéia. Scott Bakula tinha um bom relacionamento com (o produtor) Kerry McCluggage, que estava trabalhando no estúdio naquele momento, e ele foi o primeiro grande nome que parecia estar interessado em fazer uma série para nós. Ele foi um ator no qual eu gostei de suas séries anteriores. Então pensamos que tínhamos algo juntos que, novamente, era fresco e original e com alguns atores novos maravilhosos (em torno de Bakula). A série certamente teve um grande começo. Ela recebeu críticas muito boas e teve uma grande audiência para o primeiro semestre em uma dúzia de episódios e então começou a escorregar. Eu poderia levar a culpa por isso. Eu poderia colocar a culpa nos roteiros. Eu poderia colocar a culpa no cansaço da franquia. Eu não sei porque não funcionou.”

Não é para bater em Enterprise, mas temos de perguntar sobre o final. “These Are the Voyages …” foi claramente a mais controversa final de Jornada. Alguns fãs reclamaram que foi apenas uma hora de duração, mas as queixas mais árduas foram que fluiram quatro anos de Enterprise em um episódio de A Nova Geração. Você ficou surpreso com a reação hostil?

“Totalmente. Eu nunca teria feito isso se eu soubesse como as pessoas iriam reagir. Fomos informados não com muito tempo que esta seria a nossa última temporada. Nós sabíamos que este ia ser o último episódio de Jornada talvez por algum tempo – e aqui estamos nós, quase seis anos depois. Assim foi o último episódio do tempo da série. Foi uma escolha muito difícil, de como terminar com ela. O estúdio queria que fosse um episódio de uma hora. Nós queríamos que fosse especial. Queríamos que fosse algo que seria memorável. Esta idéia, que Brannon e eu tivemos – e assumo a responsabilidade – isso irritou muita gente fora, e nós certamente não queríamos isso. Nosso pensamento era levar essa tripulação e vê-los através dos olhos de uma geração futura, vê-los através dos olhos das pessoas que nós começamos a nos envolver em Jornada, 18 anos antes, com Picard e Riker e Data, etc, e para ver a história de como Archer e sua tripulação passaram de onde eles tinham para onde, eventualmente, a Federação foi formada, em uma espécie de lição de história mágica holográfica.”

“Parecia uma ótima idéia. Um monte de pessoas ficou furiosa com isso. Os atores, a maioria deles, ficaram muito infelizes. Em retrospecto, foi uma má idéia. Quando foi concebida, estávamos tentando fazer a coisa certa. Nós queríamos prestar a maior homenagem e honra aos personagens da Enterprise possível, mas como Jonathan (Frakes) e Marina (Sirtis) foram as duas pessoas que trouxemos, e foram eles olhando para o passado, mas foi percebido como: – “Você está terminando a série com um episódio de A Nova Geração“. Eu entendo como as pessoas se sentiram dessa forma. Muitas pessoas sentiram que este caminho para elas foi errado. Brannon e eu nos sentimos horríveis ao deixarmos um monte de gente desanimada. O tiro saiu pela culatra, mas definitivamente tentamos fazer a coisa certa. O final só não foi aceito na forma como pensávamos que seria.”

Aguarde pela terceira parte dessa entrevista onde Berman falará sobre os filmes de A Nova Geração e Star Trek.