Resenha de Star Trek Discovery: Desperate Hours

Com o sucesso que Star Trek Discovery já está tendo, é bem certo que deveremos ver mais obras derivadas dessa série na cronologia prime, e a primeira destas é o livro Star Trek Discovery: Desperate Hours, de autoria de David Mack, já disponível ao público. Veja a resenha do Trek Brasilis a respeito do livro que dá a impressão de ser um crossover entre episódios de duas hipotéticas séries de TV: o início da sétima temporada de “STAR TREK: SHENZHOU”, com o início da segunda temporada de “STAR TREK” se o piloto The Cage tivesse tido aprovação imediata da NBC. Spoilers do livro a seguir.

Escrito por David Mack, que já escreveu para a franquia antes, como a trilogia literária Star Trek Destiny e episódios de Deep Space Nine (colaborou com Starship Down e o tratamento inicial de It’s Only a Paper Moon), a trama em si de Desperate Hours me pareceu tirada diretamente dos anos 60: colônia federada se encontra frente a uma arma milenar que inicia um ataque contra eles, e nave da frota vai resolver o rolo. Primeiro a Shenzhou, e no que a Enterprise comandada por Chris Pike recebe o sinal de socorro, foi divertido praticamente ouvir o “fuóóóm” de decepção da tripulação da ponte ao verem que eles não eram a “única nave no setor” desta vez, e que a Shenzhou respondeu primeiro ao chamado. O envolvimento da Enterprise mais tarde se dá por ordens adicionais do Comando da Frota Estelar.

Isto de o Comando da Frota ter fornecido ordens adicionais a Pike, além do fato de a trama também envolver uma conspiração relativa a fraude sobre os procedimentos que levaram a instalação da colônia em primeiro lugar, deu temperos adicionais a história, o que faz com que os três grupos distintos envolvidos na trama (tripulação da Enterprise, da Shenzhou e os colonos) se estranhassem em certos momentos.

Seja como for, o principal elemento que pode ser apreciado em Desperate Hours é a interação dos personagens envolvidos. Primeiro, com o triunvirato da Shenzhou — a Capitão, Mike e Saru, e a disputa entre estes dois últimos pela posição de oficial executivo da nave (Mike recebe a posição no início do livro, mas em caráter provisório). Isso nos dá uma visão da relação deles prévia aos episódios de Discovery que pode enriquecer nossa apreciação pela construção da relação deles dois.

Temos também a interação entre Pike e Georgiou, e entre Saru e a Número 1 da Enterprise (aqui com o nome de Una, usado apenas no universo expandido da franquia) com o kelpiano ficando enamorado pela personalidade e atitudes da oficial executiva de Pike, que deixam alguém com as características dele bem a vontade e seguro.

Mas o ponto alto disto tudo é claro, a interação entre Burnham e Spock. Inicialmente vemos eles dois em sua fria interação de familiaridade formal um com o outro pela família em comum, mas que nunca foi realmente próxima. Mas com o passar das páginas acompanhamos eles dois compartilhando aspectos de seus passados que levam cada um a traçar paralelos um com o outro. Como Sarek incentivou Mike a seguir para a Frota Estelar enquanto não desejava isso para Spock; como Amanda acabou descarregando a afeição materna que lhe foi reprimida oferecer a Spock (e ele a aceitar) para a Mike. Ao final — claro — temos uma situação onde ambos precisam fazer um elo mental vulcano, e todos estes pontos são experimentados em seu modo mais íntimo e profundo, e sentimos que ambos tiveram um apreco grande pela chance e pela agora familiaridade maior um para com o outro.

O problema que eu tive com o livro foi mais devido ao fato de que o trope de Contagem Regressiva Mágica foi usado em excesso, tanto no geral da trama (as “horas desesperadas” ao qual o título se refere) como em situações menores, como enigmas que Spock e Burnham tem que resolverem dentro da espaçonave alien. (cuidado, o link anterior é para o TV Tropes, e se você entrar lá, não deve sair por um bom tempo…). Isso fez com que o ritmo do livro ficasse estranho, sendo que a narrativa acontece dentro de poucas horas, mas dá a impressão de ser muito mais. Não pela riqueza de ação, mas por a descrição sugerir ações que aparentemente levariam muito mais tempo para serem realizadas.

A descrição de detalhes da Enterprise parece seguir uma fidelidade com o canon da cronologia prime (é explicitamente dito que as Constitution não tem ready room) ao mesmo tempo que elementos visuais novos de DSC são inseridos, como os comunicadores holográficos. Será interessante ver qual será a interpretação disso quando e se uma Constitution aparecer em DSC, provavelmente temporadas adiante ainda.

A Capitão Georgiou era uma hipster que curtia um vinil honesto: tinha uma vitrola e discos de jazz no ready room, presente do ex-marido. O telescópio do início do século 21 que os antepassados dela devem ter comprado na Amazon não era a sua única antiguidade. Segue a velha tradição de capitães da franquia curtirem coisas antigas.

O livro também cita muito o desejo da Mike de servir em uma nave federada só de vulcanos, mas o capitão da Intrepid não queria ela por lá. Essa postura segregacionista dele fez com que ela desviasse do proverbial feixo de feiser, como podemos imaginar.

No todo, um bom livro que encaixa bem na sua função primária de nos passar mais detalhes do passado da Michael Burnham e Saru, para que possamos contextualizar melhor suas ações em DSC e aproveitar suas interações, bem como a jornada de Michael para descobrir novamente o rumo de sua vida. Três estrelas em quatro na escala do TB.