Shazad Latif fala sobre o conflito de Voq/Tyler

O ator Shazad Latif interpreta um dos personagens mais controversos da série Star Trek Discovery. O tenente Tyler é um Klingon chamado Voq, modificado cirurgicamente para parecer humano. A sobreposição de personalidade resulta num estado mental e emocional em conflito. Shazad conversou com o Variety e falou sobre este trabalho na franquia.

Uma das maiores forças de Star Trek é que cada série é uma família por si só, observando como eles trabalham juntos. Já em Discovery é muito diferente por causa de algumas reviravoltas muito interessantes. Eu li que você sabia desde o início que seu personagem era realmente o Klingon Voq alterado. Isso é correto?

Sim. Sabíamos que ia ter um personagem duplo.

Como ator, como você encontra a humanidade e a linha através de um personagem como esse, considerando todas as mudanças que você sabe que ele vai ter? 

Você tem aprender sobre o arco, descobrir o arco, mas começa a partir de Voq, começa com sua história e acredita que tudo o que ele está fazendo está certo. É realmente isso. Seguindo na linha de Tyler, depois de ter um tempo livre com Voq, eu pude me concentrar nas memórias de Tyler, no próprio arco de Tyler, e depois juntá-las. É uma coisa muito divertida de fazer. Tentando montar um quebra-cabeça. Criando uma espécie de ponto de sustentação para os dois personagens. Seguindo a história de Voq, de ser este marginalizado, manifesta-se em tudo o que ele faz. Depois disso, até o sacrifício final é um conceito muito alto, extremo, que às vezes pode ser superado ou pode ter sido melodramático. O estilo dos Klingons é muito operístico, de atuação clássica, de certa forma, então eu queria trazer uma calma e tranquilidade para esse papel, em vez de ser um Klingon que se impõe e de fala elevada.

Eu concordo, esse tipo de personagem pode se perder facilmente nos momentos maiores, mas achei que você retratou bem a vulnerabilidade de Tyler. Eu acho que o meu aspecto favorito da linha da história de Tyler foi algo que raramente percebemos na TV, que é testemunha de um homem lidando com o PTSD (transtorno de stresse pós-traumático) e as consequências do assédio sexual devido a sua tortura por L’Rell, embora agora, a realidade disso está bem no ar. Você também teve algumas cenas muito bonitas com Sonequa de conversa íntima no episódio “Into the Forest I Go” sobre este aspecto da história de Tyler. Você poderia discutir esse aspecto da história de Tyler e criar a vulnerabilidade no personagem? 

Esse foi um desenho fantástico para mim porque eu sabia [sobre isso] desde o início. Eu só queria ter certeza de que ele não era um inusitado clássico herói americano de ação. O que é divertido de fazer é correr, disparar armas e todo esse tipo de coisas, mas você sabe, esse é o aspecto do jogo. O coração principal para mim está apenas em retratar um homem que pode ser visto como fraco e vulnerável. Isso é uma força. Eu e Sonequa queríamos ter certeza de que toda vez que fazíamos uma cena, estávamos pensando muito nisso. Mesmo na cena de sexo que tínhamos, à princípio eu ficaria por cima, o clássico em que um homem se deita com uma mulher, e nós queríamos fazer todo o oposto. Ela acaba me agarrando. Apenas certificando-se de que nós meio que inverteríamos as expectativas. Nessas cenas, Tyler geralmente é muito fraco. Ele está em sofrimento na ala médica ou com L’Rell, e ela berra quando ele cai em seus braços. Ele está em torno desses personagens femininos muito fortes, então ficou legal que um homem fosse visto assim porque o vemos como muito forte. Ele é um oficial de segurança muito qualificado. Nós vemos aquele lado dele, o clássico herói da ação americana e eu queria fugir disso. Toda possibilidade que havia de fazer isso eu fiz, e você verá isso mais importante no episódio 15 também. Você sabe, apenas lutando com emoções, o que é mais emocionante para assistir, penso eu.

Eu definitivamente concordo. Como você mencionou a dinâmica entre você e a Sonequa, você pode falar um pouco sobre criar a relação entre Michael e Tyler? 

Esse foi um tipo de diversão. Toda vez que nos reuníamos e conseguíamos essas cenas, não queríamos apenas torná-las clássicas, masculinas e femininas [dinâmicas]. É um romance muito estranho porque nós dois temos nossas próprias coisas em separado acontecendo, mas nós só queríamos conseguir esse equilíbrio entre as energias masculinas e femininas, e podemos ser fracos um com o outro. Porque eles são os marginalizados. Eles precisam um do outro. Eles eram a sustentação um do outro. Então, também é muito complicado porque realmente Voq tem toda essa história de amor com L’Rell. E ambos são igualmente justificáveis, então você sabe, é trágico que alguém tenha que ser sacrificado.

Você tem alguma cena favorita que fez com a Sonequa que se concentra em seu relacionamento com Tyler? 

Sim, adorei a grande revelação. Isso foi intenso para filmar. Foi muito difícil. Eu gosto da cena em que estamos no café, quando ela está bastante leve no início e está sorrindo, e eu estou dizendo: “Me dê mais uma chance”. Havia algo legal sobre essa cena, porque eles ainda estão tentando manter as aparências. Há uma cena no último episódio que eu realmente gostei. Foi uma das nossas últimas cenas e creio que foi muito bonito. Felizmente, ele se destaca assim. Quero ver, descobrir como eu fiz. Foi divertido filmar.

Voltando um pouco para a linha da história de assédio sexual. O público agora sabe que Tyler é realmente Voq em um corpo cirurgicamente transformado, embora pareça com a cena cirúrgica que aconteceu com L’Rell no episódio 13, talvez possamos assumir que Voq talvez não exista mais e que a personalidade de Tyler domina? Mas sabendo que esta era uma personalidade enxertada em Voq e não necessariamente real, como você sente que afeta a linha da história de assédio sexual?

É interessante porque, na realidade, Voq estava apenas fazendo sexo. E eles estão apaixonados, e isso é o que está acontecendo tecnicamente, mas, obviamente está na mente de Tyler, porque ele está na minha cabeça, ele era um cara real e suas memórias são reais e ele ainda é uma pessoa real, ele está apenas entrando no núcleo de outra pessoa. Em sua mente, é agressão sexual. Então, interpretar isso é muito estranho e interessante, porque você normalmente não consegue fazer isso. Mas para explorar adiciona outra camada para um ator e para a linha da história. Especialmente em momentos como agora, com o que está acontecendo, é uma coisa muito interessante para explorar.

Há muita conversa no fandom sobre como a série continuaria com o interesse da franquia na diversidade e seu ethos progressivos, e eu definitivamente acho que a linha da história de Tyler com assédio sexual e PTSD é um dos casos mais profundos disso porque simplesmente não percebemos como os homens lidam com agressões sexuais e as conseqüências. Além da linha específica da história de Tyler com agressão sexual, como você acha que Discovery continuará com o interesse da franquia na diversidade e meio que questionando nossa cultura? 

Eu acho que ela está fazendo isso de uma maneira incrível, e está fazendo isso em cada episódio. Linhas de história gay, figuras femininas poderosas, pessoas de diferentes raças e credos estão sempre na vanguarda. No episódio 15, fizemos uma cena comigo e Mary Wiseman, que representa uma jovem mulher de cabelos ruivos; Michelle Yeoh, uma mulher asiática; Sonequa, uma mulher negra; e eu, um cara de raça mista. Três mulheres, um homem, que você raramente vê. O que é mais do que 50-50, você sabe. Está sempre na vanguarda dessas coisas. Mais uma vez, para mim, é assim que vejo o mundo, então, para mim, é normal. Fui criado por minha mãe, uma mãe solteira. Uma mulher forte e poderosa. Muitas tias asiáticas, e assim é como fui educado, como vejo o mundo. Eu sou de Londres, que é um lugar muito multicultural. Para mim, estar em uma série que está explorando isso é muito normal, e estou esperando que todos os outros se atualizem. Produtores, diretores, pessoas que fazem séries. Eles precisam acompanhar a forma como o mundo é para nós, e está acontecendo lentamente. Isso acontecerá. Só que devemos continuar batendo na porta, mas você sabe, eu prefiro assim, do que não termos que bater na porta e tudo acabar se perdendo, por assim dizer.

A linguagem Klingon em Discovery é sempre um tipo de língua áspera, mas acho que é um pouco diferente do que estamos acostumados a ouvir, e parece que cada Klingon na série tem quase um estilo diferente de comunicar esse idioma. Você pode me falar um pouco sobre sua abordagem aos acentos com os quais você tem que interpretar com Voq e Tyler? 

Cada ator teve que trazer sua própria maneira, e cada Klingon representa cada ator. Nós queríamos torná-lo muito individual, então eu, Kenneth [Mitchell], Mary [Chieffo] e Chris Obi, todos nós temos estilos muito diferentes. Clare McConnell (**) é completamente diferente, porque eles também são de herança diferente, e queríamos garantir que faríamos isso como ponto de partida. Nós queríamos dar a Voq o mesmo tipo de vulnerabilidade que percorreu a Tyler, então queríamos torná-los muito relaxados dentro dessa coisa muito operística, tradicional e cultural, onde eles estão acendendo a chama, fazendo todos esses rituais. Eu apenas pratiquei e o som saía no findo da garganta, porque muitos dos sons “hum” que eu queria suavizar, mesmo dentro dessa linguagem dura, havia uma suavidade. Essa coisa de ficar presa no fundo da garganta é porque ele sempre ficou quieto e ele é um marginalizado. Ele realmente não falava até esse ponto, quando diz: “Vou acender o fogo”. Ele teve de abrir caminho por de trás e eu só queria conseguir isso. E Tyler tem um aspecto disso. Queria sangrar isso em seu sotaque americano.

** A atriz Clare McConnell interpreta a Klingon Dennas.

Faltam apenas alguns episódios finais para esta temporada. Obviamente, eu sei que você não pode estragar qualquer coisa, mas estou me perguntando, o que você quer que o público tire da história de Tyler no final desta temporada? 

Eu só quero que eles tenham se emocionado. Quero fazê-los sentir alguma coisa. Também ficou legal parecer fraco, ficou legal em se abrir. Ficou bem em falar e estar em torno de uma mulher forte. Eu acho que isso é realmente importante, e acho que é isso que representa Tyler, e também aproveitar esse arco louco.

Além dos últimos episódios de Discovery nesta temporada, você tem algum outro trabalho que esteja especialmente entusiasmado? 

Há um filme chamado Perfil, que é dirigido por Timur Bekmambetov, que dirigiu Wanted com James McAvoy e Angelina Jolie, e ele fez Night WatchDay Watch, que eram muitos filmes de arte russos, então ele é russo, Kazakhstani diretor. É um filme que está todo definido no Skype, e é uma história verdadeira sobre um jornalista que vai embutido em tentar entender esse mundo de recrutadores jihadistas on-line que fazem os jovens chegarem à Síria. É como uma história de amor estranha.

Eu normalmente não seria um terrorista, mas a única razão pela qual eu fiz isso era porque era um script completo. É a partir dessas conversas no Skype, que você pode ver as transcrições. Senti como se eu tivesse controle sobre isso, ver onde estava e não estava. Os escritores dizem: “Eu acho que isso é o que um terrorista poderia dizer”, não era tão perigoso e arriscado, porque não quero tocar apenas na ideia de um terrorista. Timur nos permitiu escrever umas poucas cenas e improvisarmos 15 tomadas diferentes, e foi apenas um projeto muito colaborativo e brilhante. Está saindo no Festival de Cinema de Berlim. Nós iremos na estréia mundial em 17 de fevereiro. Estou bastante entusiasmado com isso.