Calypso: “Quais são as palavras que nunca são ditas?” (SPOILERS)

ATENÇÃO: Contém spoilers de “Calypso”, episódio de Star Trek: Short Treks ainda inédito no Brasil

Belo e sensível, é que pode se dizer de “Calypso“, o segundo Short Treks baseado em Star Trek: Discovery, que foi ao ar pela CBS All Access nos Estados Unidos em 8 de novembro. Com 18 minutos de duração, o curta recria em parte a história de Ulisses, na Odisseia. Lá, o herói é acolhido pela ninfa do mar, Calipso, após um naufrágio, que por ele se apaixona e tenta seduzi-lo para que Ulisses permaneça com ela, mas ele resiste, sempre lembrando de seu país natal, sua esposa e filho, até que Zeus ordena a Calipso que liberte Ulisses. Ela constrói um barco que levará o herói de volta ao lar.

Qualquer semelhança não é mera coincidência, mas o curta traz ainda elementos de películas mais modernas, como “Wall-E”, “Her”, “A Forma da Água”, além do clássico “2001: Uma Odisseia no Espaço”. Embora seja um fato que “Calypso” não é na verdade uma história original (a começar pela referência obvia ao HAL 9000 de “2001”), ainda assim consegue mérito e luz própria. Primeiro, é incrível como o roteiro consegue fazer a relação entre Craft e Zora funcionar em parcos 18 minutos. Zora tem o tom de voz correto, suave, porem triste e melancólico, que projeta sua solidão, e que vai se transformando em alegria contida ao longo da projeção, até a tristeza da conclusão. Craft, por outro lado aparenta um cansaço e aos poucos vai se sentindo reconfortado a bordo da Disco, e com sua relação com Zora. A dinâmica dos dois encaixa de forma admirável.

A próxima referência remete a “Wall-E”, onde nosso robô protagonista passa os dias dando play em “Hello, Dolly!” numa velha fita VHS. Aqui é Zora quem se revela fã de um antigo musical estrelado por Fred Astaire, “Funny Face”, de 1957 (“Cinderela em Paris” no Brasil).

A cena em que Craft é apresentado ao musical funciona como uma bela homenagem à Sétima Arte, com Craft sentado na cadeira de comando da Disco e com a tela principal funcionando como uma imensa tela de cinema comendo pipocas (como bônus, a embalagem de pipoca com um surreal logo da Frota Estelar). Para quem assistiu “A Forma da Água” as referências são óbvias, assim como a bela sequencia mais adiante onde Craft e Zora “dançam’.
Por último, toda a dinâmica do relacionamento entre Craft e Zora remete a “Her”, de forma muito mais contida, é claro, devido ao tempo disponível.

Todas essas referências não necessariamente significam uma cópia, mas talvez uma decisão consciente de trazer elementos (possivelmente) conhecidos do público de forma a ajudar a contar a história proposta em tão curto espaço de tempo e tornando a experiência ainda mais rica. Uma proeza alcançada com simplicidade e sensibilidade, em minha opinião.

É claro que algumas concessões sempre precisam ser feitas e aqui a principal é acreditar que a USS Discovery possa permanecer mil anos parada, sem manutenção e ainda funcionar perfeitamente. Outra coisa que chama atenção e o console empoeirado. Nesse caso podemos chamar de licença poética, com a intenção de mostrar que nave está abandonada há muito tempo. Acionemos a boa e velha “suspensão de descrença”, pois o segmento merece esse crédito.

Dentro do universo trekker várias questões podem ser levantadas, como por exemplo: desde quando a Frota começou a usar I.A.s? Seria essa I.A. uma tentativa de utilização do Spore Drive? Por que a nave foi abandonada? Onde e quando? A Federação ainda existe?

Entretanto jogar a USS Discovery mil anos no futuro foi uma cartada inteligente, pois torna todas essas e outras perguntas embora validas, inócuas, pois elas podem ser respondidas sem afetar absolutamente nada do que sabemos de Jornada até hoje, embora deem margem a possibilidades muito interessantes. Em última análise, “Calypso” é apenas uma bela, simples, improvável e impossível história de amor contada de forma sutil, suave e simples, e muitas vezes é ótimo voltar ao que é simples.