T’Pol Russa relata como é a StarCon na terra de Gagarin

Que Star Trek é um fenômeno global, disso ninguém tem dúvida. Eventos e convenções acontecem todos os anos em várias partes do mundo, reunindo legiões de fãs que cresceram vendo as séries e filmes da franquia ao longo de mais de 50 anos. E por coincidência ou destino, o universo criado por Gene Rondenberry surgiu no auge da corrida espacial protagonizada entre os Estados Unidos e a então União Soviética.

Essa rivalidade não deixou Star Trek de fora. Segundo uma das várias versões, o jornal oficial soviético Pravda publicou uma crítica da série pelo fato de não haver um representante russo na ponte da Enterprise, tendo sido a União Soviética a precursora do voo espacial, com o primeiro satélite (o Sputnik), o primeiro animal (a cadela Laika), o primeiro homem (Yuri Gagarin) e a primeira mulher (Valentina Tereshkova) a serem lançados ao espaço.

Ao tomar conhecimento disso, Roddenberry teve a ideia de criar o personagem russo Pavel Chekov, interpretado por Walter Koening (na série original e nos sete primeiros filmes da franquia) e mais tarde por Anton Yelchin (1989-2016), nos dois primeiros filmes da releitura feita por J.J. Abrams e que ficou conhecida entre os fãs como a “Linha do Tempo da Kelvin”.

Hoje, na terra dos antigos czares, o universo de Star Trek tem mostrado toda a sua majestade. A legião de fãs por lá tem crescido ano após ano e, com ela, a quantidade de convenções. Nos dias 29 e 30 de junho passado, aconteceu em São Petesburgo a StarCon (sim, lá também o nome é StarCon, como as organizadas pela NovaFrota aqui no Brasil), que contou com a presença de Anthony Rapp, o tenente Paul Stamets de Star Trek: Discovery.

Sophia Nerovnaya, famosa cosplayer da personagem T’Pol de Star Trek: Enterprise, conhecida entre os fãs como a T’Pol Russa e já bem familiar entre os trekkers brasileiros, muito gentilmente aceitou conceder uma entrevista exclusiva para o Trek Brasilis, contando como Star Trek influenciou na sua vida, como a franquia vem ganhando mais fãs a cada ano na Rússia, quais foram as suas impressões sobre Anthony Rapp e os rumos que a franquia vem tomando.

Visão do publico do palco principal durante a apresentação de Anthony Rapp.

Sophia, primeiramente obrigado por aceitar realizar esta entrevista e permitir que comunidade trekker no Brasil conheça um pouco mais sobre você e a comunidade trekker em seu país.

Sophia Nerovnaya: Saudações de São Petersburgo a todos os companheiros trekkers no Brasil! Terei o maior prazer em responder às suas perguntas sobre os fãs e convenções de Star Trek que temos aqui na Rússia, bem como partilhar algumas ideias sobre as notícias e séries mais recentes de Star Trek.

Conte um pouco sobre você, o que você faz e como você descobriu Star Trek em sua vida?

Nerovnaya: Eu sou professora de idiomas. Falo inglês, francês, um pouco de alemão, um pouco de chinês e russo (minha língua materna, claro). Eu ensino principalmente inglês, porque é muito mais popular do que francês ou chinês, e eu gosto de ensinar, porque neste trabalho você deve ficar aberto a novas ideias, sempre procurar novas informações e conhecer novas pessoas todos os dias — isso é ótimo! Você tem que aprender muito ao longo da vida, e é sempre uma via de duas mãos — seus alunos podem te ensinar o dobro!

Quanto a Star Trek, tudo começou para mim em 1990, eu acho, quando A Nova Geração (juntamente com outras séries de TV dos EUA) foi exibida pela primeira vez na então TV oficial soviética. Eu tinha 11 anos de idade. Minha sede de ficção científica começou nessa época, e o fato de eu ser interessada em astronomia forneceu um terreno fértil para isso, eu estava meio que pronta para absorver a estética e os valores de Star Trek.

Minha mãe foi a pessoa que me apresentou ao mundo da ciência — e da ficção científica, ela tinha uma grande coleção de livros dos melhores autores de ficção científica como Bradbury, Asimov e Clarke, havia livros sobre astronomia e astrofísica, revistas de ciência popular em casa. Então, graças a ela, desenvolvi uma paixão pelo espaço, e mais tarde, por Star Trek.

Como você decidiu se tornar uma cosplayer e por que escolheu a personagem T’Pol de Star Trek: Enterprise para representar?

Nerovnaya: Foi completamente por acaso que eu tive um primeiro contato com o cosplay! Meus alunos mais jovens, que haviam feito cosplay antes, convenceram-me a ir a uma convenção, então fui como T’Pol.

Ela tinha sido por muito tempo minha paixão por Star Trek naquela época, eu gostava de sua autodisciplina, seu conhecimento sempre especializado em quase qualquer coisa, desde artes marciais até medicina. Sua personagem realmente me atrai. Muitas vezes penso em T’Pol como meu alter ego, um modelo – pelo menos na minha profissão eu poderia usar sua reserva, paciência e mente analítica!

T’Pol e Spock juntos.

Além de fazer cosplay você também faz desenhos muito bonitos com temas de Star Trek. Onde você aprendeu a desenhar?

Nerovnaya: Com aproximadamente a mesma idade que me apaixonei por Star Trek, comecei a frequentar uma escola de arte onde aprendemos a teoria da modelagem, pintura, desenho e história da arte. Mas você aprende principalmente por prática, observando artistas profissionais no trabalho, experimentando novas técnicas, abordando novos temas, para ver como você pode alcançar o efeito artístico desejado e expressar suas ideias e sua visão.

A Rússia foi pioneira na corrida espacial: Sputnik, Laika, Yuri Gagarin e Valentina Tereshkova, são os maiores exemplos disso. Você acha que a Rússia está bem representada no universo de Star Trek ou esse universo é predominantemente americano?

Nerovnaya: Star Trek de alguma forma se esquece de personagens russos (o que é compreensível, se pensarmos em um futuro sem fronteiras e sem países) e fazer menções a figuras históricas reais que foram importantes para a os primórdios da exploração espacial são bastante raras. Mas os nomes das naves (USS Gagarin, a nave auxiliar Tereshkova etc.) nos contam um pouco dessa história. Muitos trekkers dizem que gostariam de ver tripulantes de nacionalidades e raças mais diferentes a bordo, como chineses, tripulantes indianos, talvez russos, além das diversas espécies alienígenas exóticas que vemos.

Um guerreiro Klingon e Spock, prontos para o combate.

Conte-nos um pouco sobre a StarCon da qual você participou: é muito comum na Rússia se realizar tais eventos? Existem muitos trekkers no seu país?

Nerovnaya: Sim, existem dezenas de convenções em toda a Rússia, as mais famosas são EpicCon, ComicCon e RusCon em Moscou, a StarCon em São Petesburgo e outros eventos menores como BigFest e Ava-Expo. Eles não se concentram em um universo/franquia, mas tendem a ser uma miscelânea de todos os tipos de universos de ficção científica, fantasia e jogos de computador. O evento para o qual eu vou todos os anos é chamado de StarCon, e é um evento colorido e com uma atmosfera magnífica para qualquer um que esteja interessado em ciência, tecnologia, cultura pop, quadrinhos, arte e perfomance. De acordo com as comunidades de redes sociais relacionadas a Star Trek, há algumas dezenas de milhares de fãs de Star Trek na Rússia, talvez cerca de 100.000, enquanto nos EUA existem milhões de fãs e mais de cem convenções de Star Trek que se concentram principalmente na franquia. Mas Star Trek está ganhando mais e mais corações aqui na Rússia, e todo ano vemos mais pessoas que vêm para a StarCon para fazer parte do movimento Star Trek, para visitar nosso stand anual. Eles querem aprender mais sobre nós, sobre as diferentes séries e atores de Star Trek, isso é lindo!

Grupo de trekkers posando para uma foto.

Conte-nos sobre o seu grupo, o USS TERESHKOVA, quando surgiu e como você teve aideia de criá-lo?

Nerovnaya: Foi em 2016, quando 18 trekkers foram ver o documentário “For the love of Spock” juntos e eles decidiram criar uma comunidade de Star Trek na rede social Vkontakte e me tornaram sua administradora.

Sobre o nome da nave, pensamos no nosso grupo como a tripulação uma nave estelar, surgiu muito tempo depois. Originalmente, nós nos chamávamos de Saint Petersbourg Trekkers (Trekkers de São Petesburgo), apenas isso.

Apresentação do grupo USS TERESHKOVA

Anthony Rapp, o tenente Paul Stamets de Star Trek: Discovery esteve lá. Qual foi sua impressão dele?

Nerovnaya: Eu conheci Anthony na StarCon quando ele veio ver nosso stand após o briefing. Ele foi muito simpático e caloroso, conversou com os fãs e alegremente recebeu um presente da nossa equipe – uma camiseta com nosso logotipo estampado. Toda a nossa equipe tirou uma foto com Anthony Rapp!

Anthony Rapp durante sessão de autógrafos.

Anthony Rapp no palco da StarCon

Ele junto com Wilson Cruz, o Dr. Hugh Culber estrelaram o primeiro casal gay da história de Star Trek. É sabido que este tópico é muito delicado no seu país. Como a comunidade russa de Trekkers respondeu a isso? Na sua opinião, isso prejudica a imagem da franquia?

Nerovnaya: Bem, eles não foram os primeiros, para dizer a verdade, mas nós sabemos muito mais sobre suas origens e relacionamentos do que sobre qualquer outro casal na história de Star Trek! Isso é algo que Star Trek não fez antes.

Star Trek tem tudo a ver com tolerância e diversidade, esses são os valores centrais em que Gene Roddenberry queria que acreditássemos. Então, a comunidade trekker na Rússia estava bem preparada para a aparição ‘oficial’ de um casal gay real na tela, eles tiveram pouca rejeição entre os verdadeiros fãs do universo de Star Trek. Mas é claro que existem pessoas que não entendem o IDIC (a filosofia Vulcana de Infinita Diversidade em Infinitas Combinações), nunca viram a série, então podemos esperar todos os tipos de reações, especialmente em nossa cultura tradicional, onde a religião desempenha um papel importante e as relações gays/lésbicas são vistas como um desvio ou deformidade, como comportamento pecaminoso. Eu não acho que isso possa prejudicar a percepção dos fãs sobre a série, ou a franquia, embora possa ser a razão pela qual não veremos o programa na TV russa. (Graças à Netflix, a série está disponível para os fãs russos, enfim!)

Anthony Rapp recebendo de Sofia Nerovnaya uma camiseta do grupo USS TERESHKOVA

Anthony Rapp conversando com membros do grupo USS TERESHKOVA

Você gostaria de mandar uma mensagem para os trekkers brasileiros, que ficaram muito felizes com sua manifestação no começo do ano anunciando nossa StarCon realizada com a presença do ator Doug Jones?

Nerovnaya: Claro, eu penso na StarCon em São Paulo como uma convenção irmã que é 10 anos mais velha do que a que temos em São Petesburgo, com o mesmo nome. Desejo para o seu evento LLAP (Sigla em inglês para a saudação vulcana Live Long and Prosper – Vida Longa e Próspera) por muitos anos! Alguns de vocês, queridos amigos, terão a sorte de participar da Convenção do jubileu de 30 anos da NovaFrota em outubro, e eu desejo que vocês tenham a oportunidade de poder conhecer Connor Trinneer, um dos atores principais de Star Trek: Enterprise! Estou enviando um vídeo de apresentação feito no nosso stand em São Petersburgo, e seria ótimo conseguir um de São Paulo em algum momento no futuro.

Muito obrigado por compartilhar suas opiniões com nossos seguidores e esperamos que um dia você possa vir e visitar nosso país.

Nerovnaya: Sou muito grata ao Trek Brasilis e à NovaFrota por esta maravilhosa oportunidade de conhecer mais sobre o seu país e fazer amizade com os trekkers brasileiros, obrigado pelo convite, espero que Deus me permita ter a chance de ir para o Brasil!

Sofia Nerovnaya, a T’Pol Russa