SETENTA E DUAS HORAS haviam se passado desde que a médica resgatara o oficial Cardassiano dos destroços e o tempo ainda não dava sinal de melhora.  A Garganta Ratasha era trajeto obrigatório através das Montanhas Dahkur, que conduzia à Cordilheira das Serpentes, na província Lonar.  O local em questão era bem conhecido entre os Bajorianos por sua instabilidade climática.  Na verdade eram bem poucos os que se aventuravam em seus caminhos, principalmente no período das grandes K’ran[1].

A jovem médica procurava na medida do possível aproveitar os breves momentos em que o tempo permitia, assim como seu paciente ainda prostrado pela febre, para vasculhar a região na tentativa de encontrar uma forma de abreviar sua permanência naquele charco gelado.

Mas a má sorte parecia ainda acompanhá-la.

O Honttaz, um dos muitos afluentes do rio Glyrhond, o maior em extensão e volume de toda Bajor, em alguns trechos já havia vazado, chegando a encobrir parte da parca vegetação local.  Se a chuva voltasse a cair forte como na última noite, o abrigo não resistiria a uma inundação.

Neeska avaliava mentalmente a situação:

Suas chances de sair dali com sucesso através do rio eram mínimas, como atestara pessoalmente.  A área pela qual conseguira averiguar nas cercanias, com dificuldade, estava alagada ou bloqueada pela neve dos três últimos dias.  Sem meios de comunicação, e para piorar o quadro, tinha um oficial Cardassiano como paciente involuntário seriamente ferido.  Estava literalmente presa naquele lugar à mercê do tempo e foi com uma ponta de medo que vislumbrou pela primeira vez que se encontrava com sérios problemas.

De volta aos destroços com o auxílio de uma pá e algumas pedras, Neeska procurou reforçar a vala comum que fizera como última morada para o resto da tripulação.  Tal cuidado não tinha cunho religioso, simplesmente preocupava-se em não atrair animais famintos, já tinha problemas além da conta.  Lamentou-se por não ser capaz de retirar o corpo do piloto das ferragens na manhã do primeiro dia, restando-lhe apenas ocultar o infeliz o melhor que pôde com uma lona.

 


[1] Característica climática similar às grandes monções.

 

Sobreviventes do Preconceito

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