Série Clássica
Temporada 3

Análise do episódio por
Salvador Nogueira



 









 

MANCHETE DO EPISÓDIO
Viagem de 5.000 anos no passado leva
relação de Spock e McCoy ao extremo

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Sinopse:

Data Estelar: 5943.7.

A Enterprise está estudando o planeta Sarpeidon, que será em breve destruído por sua estrela, prestes a se tornar uma supernova. Kirk, Spock e McCoy descem à superfície, onde encontram uma biblioteca. O planeta está abandonado, exceto pelo bibliotecário, um tal de sr. Atoz. O funcionário confunde os três com habitantes do planeta e diz que eles precisam se apressar.

O trio descobre que toda a população do planeta se refugiou em seu próprio passado usando aquela biblioteca, que abrigava um complexo portal do tempo chamado "Atavacron". Atoz diz que eles precisam logo escolher seu local de destino e partir, antes que o planeta seja destruído. Nenhum deles, entretanto, tem intenção de viajar no tempo, e ficam apenas estudando os registros históricos.

Entretanto, quando Kirk ouve um grito de socorro de uma mulher, ele corre em sua direção. Sem perceber, ele atravessa o Atavacron e vai parar em uma época que lembra a antiga Salém, da Terra --um local com cara de Inglaterra do século 17. Spock e McCoy, vendo seu amigo desaparecer, correm atrás dele. Só que o equipamento estava programado para levá-los a outro lugar, e ambos vão parar na última era glacial de Sarpeidon.

Quando estão próximos ao portal --que eles não podem ver--, Kirk, Spock e McCoy conseguem ouvir uns aos outros. Na época medieval, isso não faz bem ao capitão da Enterprise. Além de arranjar inimigos ao defender a tal mulher que estava sendo atacada, ele é acusado de bruxaria por conversar com uma voz do Além, que ele chama de "Bones". Preso, Kirk começa a procurar uma chance de escapar antes de ser queimado na fogueira.

Na era glacial, McCoy está morrendo por hipotermia. Isso fatalmente iria ocorrer, se ele e Spock não fossem resgatados e levados a uma caverna aquecida, por uma mulher chamada Zarabeth. Ela conta que também não pertence a aquela época, mas foi atirada ao exílio por um tirano de Sarpeidon. A configuração usada para ela no Atavacron a impede de voltar. Infeliz por sua solidão, ela diz a Spock e McCoy que eles também não podem voltar, mesmo sem ter certeza de que isso é verdade.

Enquanto McCoy está se recuperando, o comportamento de Spock está se transformando radicalmente. Ele está mais emotivo, agora come carne, e acaba se apaixonando por Zarabeth. McCoy tenta convencer o Vulcano de que eles devem tentar voltar, mas Spock não aceita essa possibilidade, para poder ficar com Zarabeth. Ao insistir no assunto, McCoy chega quase a agredir a mulher, e quase leva uma surra de Spock. O médico chega à conclusão de que Spock, ao passar pelo Atavacron, regrediu ao comportamento de seus colegas Vulcanos de 5 mil anos atrás, época em que eles estão agora. Antes dos ensinamentos de Surak, os Vulcanos eram passionais e extremamente violentos. Graças a essa argumentação, e à confissão de Zarabeth de que talvez para os dois seja possível voltar, a dupla resolve procurar o portal.

Kirk, do outro lado, está para ser condenado. Por sorte, um outro refugiado do futuro de Sarpeidon o encontra, reconhecendo-o não como um bruxo, mas como um viajante do tempo. Sendo uma pessoa poderosa e influente naquele passado, ele ajuda Kirk a fugir e o leva de volta ao portal, por onde o capitão consegue regressar à biblioteca.

De volta ao presente, Kirk pressiona Atoz a ajudá-lo a encontrar a época em que Spock e McCoy foram parar. Graças a isso, Kirk consegue guiar, pelo som da voz, os dois amigos de volta ao portal. Spock ainda está em dúvida sobre partir ou ficar, mas não tem alternativa quando descobre que McCoy só poderá retornar junto com ele, pois os dois entraram naquela época juntos. Sem escolha, Spock é obrigado a abandonar Zarabeth. Ao atravessar o portal, ele volta a ser o mesmo Spock de sempre.

Com a missão cumprida, Atoz corre para se refugiar no passado antes que chegue o fim iminente para seu planeta. Kirk, Spock e McCoy deixam Sarpeidon, pouco antes de o planeta ser engolfado pela explosão de seu sol.


Comentários:

Entre os áridos episódios do terceiro ano da Série Clássica, "All Our Yesterdays" é como um colírio. Não porque ele seja mais verossímil que a média dos segmentos da temporada, mas pelo fato de que ele consegue realmente produzir um grande embate entre Spock e McCoy, rivalizado apenas (e mesmo assim de longe) pelo que eles tiveram antes em "Bread and Circuses"

A história não é particularmente convincente. A idéia de Roddenberry do "desenvolvimento paralelo dos mundos" é levada ao seu limite aqui, com uma reprodução da Inglaterra do século 17 com direito a sotaque britânico carregadíssimo (!) e uma era glacial equivalente à que a Terra sofreu outrora.

Em compensação, a premissa de uma civilização que evita sua destruição refugiando-se em seu próprio passado é extremamente interessante e criativa, apesar de não ser particularmente viável (a não ser que ignoremos o problema físico da conservação da massa e da energia e que consideremos que todos os refugiados são devidamente esterelizados para evitar que a população cresça exponencialmente até explodir, com um ciclo em que pessoas voltam ao passado, aumentando a população antiga, o que torna a leva de refugiados do futuro ainda maior, que por sua vez faz a população no passado ficar ainda mais densa, e assim por diante).

Também não é facilmente explicável o fato de uma viagem ao passado fazer com que Spock se torne um Vulcano "antigo" e "emotivo" antes. Já havíamos visto coisa similar antes, em "This Side of Paradise", de forma até bem mais convincente. Claramente, aqui, trata-se muito mais de um artifício de roteiro para fazer com que a trama funcione em seus próprios termos. Felizmente, o preço dessa conveniência é facilmente compensado pela qualidade dramática resultante (mais até do que em "This Side of Paradise").

A grande qualidade de "All Our Yesterdays" não está em sua premissa de ficção científica ou em um roteiro bem pensado e bem amarrado. Está na força das cenas de conflito entre Spock e McCoy. Pela primeira vez, Spock se vê diante de uma situação em que pode agir de acordo com seus sentimentos, sem a forte repressão da disciplina Vulcana. Isso significa muito mais do que simplesmente poder se apaixonar por Zarabeth; ele agora pode finalmente responder ao doutor na mesma moeda, deixando claro que ele não aprecia a agressividade do médico com relação a ele.

Spock age de forma fundamentalmente egoísta. E McCoy quer fazer o Vulcano voltar à razão, o que o leva a um comportamento ainda mais agressivo para com o Vulcano do que de costume. Os dois estão em uma situação-limite, e a sobrevivência de ambos depende de trabalharem juntos. Spock, entretanto, não está nem um pouco interessado; ele quer ficar com Zarabeth, a mulher que ele ama.

O conflito entre os dois já é interessante, mas fica melhor ainda quando McCoy resolve colocar Zarabeth na dança, acusando-a de enganá-los para convencer Spock de que era impossível retornar. Ele parte para cima dela e quase leva uns bofetes de Spock. A cena é extremamente poderosa e oferece o mais explosivo confronto entre os dois.

O drama é todo de Spock, que precisa escolher entre sua vida pregressa e seu amor. Ele claramente está indeciso até o último momento, quando descobre que a única chance de McCoy retornar é se ele também o fizer. Diante disso, ele não vê outra opção senão deixar a mulher.

As sequências de Kirk, primeiro na pseudo-Salém e depois com Atoz, são interessantes e engraçadas, mas não se comparam dramaticamente à história de McCoy e Spock. Elas servem muito mais como um alívio cômico para a situação extrema dos outros dois --claramente foram escritas com esse propósito. Por isso temos personagens extremamente caricatos e apatetados nessas subtramas. Claramente, o objetivo era dar a Spock e McCoy as coisas interessantes para fazer --o que foi um belo acerto.

Em termos técnicos, a equipe de produção tira leite de pedra. Temos mais uma tradicional cenografia de caverna, que não impressiona muito, mas, em compensação, o episódio nos brinda com uma bela representação (tanto em cenários quanto em figurinos) da Inglaterra do século 17.

O cenário da biblioteca, apesar de parcialmente reciclado, é interessante, e a direção faz um papel extremamente competente, especialmente na hora de enfatizar o conflito entre Spock e McCoy.

Em termos de efeitos especiais, a equipe se arrisca a produzir uma tomada exclusiva para esse episódio, com Sarpeidon sendo destruída por Beta Niobe, tornando-se uma supernova, mas a cena não é particularmente impressionante, nem mesmo para as limitadas possibilidades da Série Clássica.

Felizmente, estamos falando de um episódio que não depende de efeitos estonteantes para se manter. Com diálogos bem escritos e um dilema de qualidade para Spock, temos um belo retrato de sua relação de antagonismo com McCoy, como nunca antes tínhamos visto na série. Sem dúvida, uma das pérolas da última temporada do seriado original.


Citações:

Spock - "I don't like that. I don't think I ever did; and now I'm sure." 
("Eu não gosto disso. Eu não acho que tenha gostado algum dia; e agora tenho certeza.")

Zarabeth - "Do you know what it's like to be alone, really alone? Weapons, shelter, food --everything I needed to live-- except companionship... to send me here alone --if that is not death, what is?" 
("Você sabe o que é estar sozinha, realmente sozinha? Armas, abrigo, comida --tudo que eu precisava para viver-- exceto companhia... me mandar aqui sozinha --se isso não é morte, o que seria?")

Atoz - "A library serves no purpose unless someone is using it."
("Uma biblioteca não tem propósito a não ser que alguém a esteja usando.")


Trivia:

O roteiro original do episódio, chamado "A Handful of Dust" ("Um Punhado de Poeira"), era bem diferente da versão filmada. Nesa história, Zarabeth não existia, e não era Kirk, mas sim Spock e McCoy, que conseguia um colaborador para ajudá-lo a voltar à biblioteca. AO final, a biblioteca é intencionalmente destruída, para evitar mais interferência com o passado do planeta, que não seria vitimado por uma supernova.

O monitor do Atavacron e seu painel de controle foram reciclados do episódio "Assignment: Earth", onde eles serviram como o computador Beta 5, pertencente ao viajante do tempo Gary Seven.

A atriz Mariette Hartley (Zarabeth), pelo visto, era uma das preferidas de Gene Roddenberry. Depois de estrelar aqui, ela foi convidada para participar de um piloto produzido por Gene em 1973, "Genesis II". Ela também já havia aparecido em outro clássico da ficção, "The Twilight Zone".

O traje original de Hartley desenhado para o episódio deixava seu umbigo à mostra. Por isso, ele foi vetado pela NBC, tendo de ser reprojetado. Para compensar, no piloto "Genesis II", Roddenberry fez questão de mostrar os umbigos da atriz --o natural, e um segundo, de mentira, que somente sua personagem possuía.

Ian Wolfe, que aqui interpreta Atoz, já havia aparecido na temporada anterior, como Septimus, em "Bread and Circuses".

O nome do bibliotecário, Atoz, é mais do que adequado --obviamente uma brincadeira em inglês com a expressão "A to Z" ("de A a Z").

O título do episódio foi extraído de uma passagem de "Macbeth", de William Shakespeare.

O episódio concorreu ao Emmy de 1968/1969 na categoria de Direção de Arte e Design de Cenário, mas não levou. 

"Interessante que Spock faça contato com sua ancestralidade Vulcana deste modo", disse Leonard Nimoy a respeito do episódio. "E é finalmente tocante que ele deixe para trás a bela Zarabeth. Uma mudança da "Shangri-la" original, no qual o explorador que se apaixona pela garota nativa tenta levá-la com ele, mas, quando ela deixa Shangri-la, ela envelhece incrivelmente e morre rapidamente. Neste caso, Zarabeth sabe que não pode partir e fica para trás."

O episódio teve continuação em dois romances escritos por A.C. Crispin, "Yesterday's Son" e "Time for Yesterday" (publicados no Brasil pela Editora Aleph com os títulos "Portal do Tempo" e "O Filho de Spock", respectivamente).

Ficha técnica:

Escrito por Jean Lissette Aroeste
Direção de Marvin Chomsky
Exibido em 14/03/1969
Produção: 78

Elenco:

William Shatner
como James Tiberius Kirk
Leonard Nimoy
como Spock
DeForest Kelley
como Leonard H. McCoy
James Doohan
como Montgomery Scott



Elenco convidado:

Mariette Hartley como Zarabeth
Ian Wolfe como sr. Atoz

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