Publicado em
29 de janeiro de 2007


Origens de um Clássico
As similaridades de "Balance of Terror", episódio de apresentação
dos Romulanos, com dois clássicos do cinema naval de guerra


 









 


por Carlos Santos

Os 40 anos de Jornada nas Estrelas chegaram, e parece que foi ontem que tudo começou. Quatro décadas, cinco séries de TV e dez filmes de cinema depois, é fácil constatar o quanto Jornada nas Estrelas esteve e está presente no nosso mundo, das mais variadas formas. Também é interessante perceber que apesar do momento de incerteza em relação ao futuro da franquia, no que diz respeito a sua capacidade de ser ainda uma fonte expressiva de divisas, ela ainda agita o imaginário coletivo de milhões de pessoas em volta do globo, e é ao mesmo tempo sintomático que a Série Clássica continue sendo ainda objeto de estudo, análises, devoção e arrecadação.  

Sinais claros disto são o sucesso da venda dos DVDs das temporadas clássicas, o aumento significativo do interesse pela finada Enterprise em seu quarto ano, onde seus temas passaram a ser fortemente baseados na mitologia original, e a decisão em favor de um novo projeto cinematográfico que será, ao que tudo indica até o momento, baseado nesta mesma mitologia.

Seguindo a onda, ou motivada por ela, a CBS Paramount Domestic Television resolveu investir em um banho de loja em alguns segmentos da Série Clássica, sendo o primeiro deles, o celebre "Balance of Terror". O segmento já foi visitado diretamente pelo TB em duas oportunidades, sendo a primeira delas no nosso guia de episódios, analisado por Salvador Nogueira, e em 2002, quando se discutia a então possível aparição dos Romulanos em Enterprise. Surfando a mesma onda, o Trek Brasilis também revisita o segmento clássico.

The Beginning 

Não é novidade para ninguém que o cenário de Jornada nas Estrelas (entre outras séries sci-fi) é fortemente baseado na tradição naval. Não só no que se diz respeito a rankings e patentes, em sua hierarquia como um todo, mas na forma como suas naves estelares se comportam em tela, se movendo através do espaço como se este fosse um infinito oceano. Para o bem do público em geral, o universo virou um grande mar pelo qual viajam nossas galantes naves estelares.

Da mesma forma, qualquer um que já tenha assistido Balance of Terror já deve ter percebido que o segmento é orientado como uma perseguição, ou um enfrentamento entre um navio de superfície (a USS Enterprise) e um submarino (a Warbird romulana). O espectador mais atento irá perceber que o comportamento da Enterprise também é mostrado de forma única aqui, como veremos mais tarde, de forma a se adaptar a esta proposta.

É também dito e sabido por muitos que este episódio é fortemente influenciado por dois filmes da década de 50, "The Enemy Below" (1957) e "Run Silent, Run Deep" (1958). Nossa proposta aqui é conversar sobre este dois filmes, e discutir suas similaridades com o episódio em questão. Sendo assim, mergulhemos. Dive, dive, dive !!! 

"Run Silent, Run Deep”

Usando o Guardião da Eternidade, voltemos no tempo, para o ano de 1958, onde faremos nossa primeira corrida silenciosa. Produzido pela MGM, e conhecido no Brasil como “O Mar é Nosso Túmulo, "Run Silent, Run Deep” é baseado em uma novela de Edward L. Beach, estrelado por Clark Gable (“Gone with the Wind”, 1939 ou “E o Vento Levou” em terras tupiniquins) e Burt Lancaster (“From Here to Eternity”, 1953 – “A Um Passo da Eternidade”) e dirigido por ninguém mais, ninguém menos que Robert Wise (Jornada nas Estrelas – O Filme - 1979).

O autor, Edward L. Beach (1918 – 2002), foi oficial da marinha durante a 2º Guerra Mundial, servindo a bordo de submarinos, onde chegou ao comando do USS  Piper ainda durante o conflito. É fácil presumir que foi daí que Beach retirou a experiência e o conhecimento necessário para escrever sua primeira história. No campo da ficção, ele escreveria duas seqüências da historia original, “Dust on the Sea” (1972) e “Cold is the Sea” (1978), além de diversos livros sobre história naval.

O Filme

Um ano após ter o seu submarino afundado por um destróier japonês numa área conhecida como Bungo Straits, o comandante Rich Richardson (Clark Gable) assume o comando do submarino americano USS Nerka, que está voltando de uma missão. A bordo do Nerka está o comandante Jim Bledsoe (Burt Lancaster), que esperava receber o comando definitivo da embarcação, e recebe a nova ordem com frustração.

Bledsoe chega a requisitar a sua transferência, mas o pedido é negado por Richardson, e segue como primeiro oficial do Nerka. O barco retorna ao mar, com ordens de patrulhar a “área 7”, a qual pertence Bungo Straits, mas evitar especificamente este local, pois a marinha tem perdido vários barcos neste local, sendo todas estas perdas atribuídas ao Destróier que afundou o barco anterior de Richardson, o Akikaze.

Em curso, Richardson comanda uma série exaustiva de exercícios com o objetivo de aumentar o tempo de resposta da tripulação, e evita um confronto com um submarino japonês, fatos que deixam os tripulantes do Nerka apreensivos a respeito de seu novo capitão. Em dado momento, o submarino avista um comboio japonês, protegido por um destróier. Richardson ordena o ataque, que tem sucesso em destruir um navio tanque e o destróier que protegia o comboio, graças à perícia adquirida através dos exercícios de simulação de batalha. Com base nisto, Richardson decide caçar o Akikaze, contrariando as ordens iniciais e com a desaprovação explicita de Bledsoe.

O Nerka localiza o Akikaze, e inicia o ataque, mas um elemento inesperado, a cobertura aérea japonesa, faz com o que o ataque se transforme em um fiasco. O submarino escapa com danos extensos e três tripulantes são mortos e o próprio Richardson é seriamente ferido durante a malfadada operação. Mesmo após estes eventos, o capitão insiste em realizar os reparos e continuar a caçada ao Akikaze, mas Bledsoe toma o comando e ordena o retorno a Pearl Harbor.

Com os reparos finalizados, o Nerka está se preparando para iniciar a viagem de volta, quando um programa de rádio japonês informa o afundamento do Nerka, dando inclusive o nome de alguns tripulantes, entre eles, seus oficiais superiores. Bledsoe percebe que os japoneses acreditam ter afundado o submarino, e isto lhes dá uma vantagem contra o Akikaze desta vez. O Nerka parte para confrontar o navio japonês novamente.  Bledsoe usa a mesma tática imaginada por Richardson, e desta vez tem sucesso em afundar o destróier, entretanto, eles agora descobrem a presença de um submarino japonês que parte para confrontá-los. O Nerka evita um ataque de torpedos, mas está incapaz de detectar o submarino inimigo.  

Com Richardson de volta à ponte, junto com Bledsoe, eles decidem emergir e atacar o que restou do comboio japonês, forçando o submarino inimigo a se expor para tentar defender a frota. A estratégia dá certo e o Nerka localiza e destrói o submarino japonês na superfície, e retorna a Pearl Harbor em segurança, menos Richardson, que morre em decorrência dos ferimentos do primeiro ataque.

A Conexão

Apesar de várias vezes ser citado como inspiração para o episodio da Série Classica, "Run Silent, Run Deep" tem pouco a ver com Balance of Terror. Tanto em termos de ação, como de construção de personagens, são duas historias totalmente distintas, e pelo menos para o autor deste artigo, não se justifica a comparação tão forte com o segmento clássico, mas existem momentos que valem a pena ser destacados.

Um deles é realmente de fácil identificação com um momento do segmento da Série Clássica. Em dado momento, quando Nerka está sob ataque de cargas de profundidade, Richardson ordena que os corpos dos tripulantes mortos sejam lançados ao mar, junto com destroços, numa tentativa de iludir os atacantes. Tal ação remete diretamente a ordem do comandante romulano interpretado pelo saudoso Mark Lenard, de lançar o corpo de seu amigo, morto durante um dos ataques da Enterprise à ave de rapina.

Outro momento acontece logo depois que o Nerka descobre existir um submarino japonês na área dando proteção ao comboio, e que inicia uma breve caçada ao submarino americano. Entretanto, as cenas que se seguem remetem muito mais a famosa briga de foice entre a Reliant e a Enterprise, em A Ira de Khan. Em ambos os filmes, as duas “embarcações” envolvidas tentam localizar uma a outra num vôo cego, onde prevalece a melhor estratégia (“Run Silent”) ou maior experiência (A Ira de Khan).

Por último, existe ainda uma seqüência que pode ser considerada como “inspiradora” do episódio clássico. Após a breve escaramuça submersa, ambos os submarinos vão à superfície novamente. O Nerka inicia um ataque ao que restou do comboio japonês, tentando com isto expor o submarino inimigo que se verá obrigado a defender os navios. Ao perceber o ataque, o submarino inimigo tenta se manter entre um dos navios e o Nerka. A manobra de certa maneira lembra a tentativa da Ave de Guerra Romulana e também da Enterprise de usarem a proteção causada por um cometa para tentar surpreender um ao outro.

No contexto dos personagens, existe uma tensão latente entre Bledsoe, preocupado com sua tripulação, e Richardson, obcecado pelo destróier que teria afundado seu antigo submarino. Em Balance, esta tensão está presente na relação Styles – Spock, embora por motivos diferentes. Apesar disto, a mecânica envolvida é a mesma. Em "Balance", Styles quer que Kirk ataque a ave de guerra Romulana de qualquer forma, enquanto Spock, inicialmente reluta, até se convencer de que tal ação é necessária.

Em Run Silent, Richardson está decidido a perseguir e atacar o Akikaze, e Bledsoe relutante, entretanto, com o desenrolar dos acontecimentos, Bledsoe se convence de que pode ter sucesso e ele próprio conduz o ataque aos japoneses. Em ambos os casos, tal tensão se dissipa até não existir mais ao fim de ambos os filmes.  Fora isto, o que não é pouco, mas é meramente circunstancial, Balance of Terror e “Run Silent, Run deep” são episódios totalmente diferentes no seu restante, e as semelhanças, embora importantes, apenas confirmam as suas diferenças.

Para quem gosta de um bom filme de Guerra, em preto e branco, e é fã dos mitos cinematográficos, este filme é uma boa pedida, e até poderia ser considerado uma boa inspiração para Balance of Terror, se não existisse um outro filme chamado “The Enemy Below”.

Continua aqui!