Voyager
Temporada 4

Análise do episódio por
Daniel Sasaki



 









 

MANCHETE DO EPISÓDIO
Neelix questiona suas crenças religiosas ao voltar da morte

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Sinopse:

Data Estelar: 51449.2.

Neelix é designado para coletar uma amostra de proto-matéria de uma nebulosa próxima. No entanto, é atingido por uma descarga de energia e morto. Enquanto Janeway se prepara para conduzir uma cerimônia de funeral Talaxiana, Seven of Nine anuncia que suas nanossondas Borg podem ser usadas para reanimá-lo. Apesar de cética, a capitã a autoriza a prosseguir e Neelix volta à vida..

Ele fica perturbado com sua experiência. Explica a Chakotay que seu povo acredita em um pós-vida centrado na "Grande Floresta". Diz que quando um Talaxiano morre, seus ancestrais supostamente vão ao seu encontro na "árvore-guia". Neelix sempre encontrou conforto na crença de que toda a sua família se reuniria de novo um dia, mas, agora, percebe que não vivenciou nada daquilo quando morreu.

Enquanto a tripulação se reúne para celebrar o Prixin, um feriado familiar Talaxiano, Neelix visita Naomi, a filha da alferes Wildman. Ela a coloca para dormir, como de costume, mas altera-se quando ela pede que ele lhe conte a história usual da Grande Floresta. Mais tarde, Neelix revela sua frustração para Seven, argumentando que sua vida não tem mais sentido agora que as crenças mais profundas foram despedaçadas.

Subitamente, o Talaxiano cai no chão, sentindo fortes dores. Suas células estão revertendo a um estado necrótico, rejeitando as nanossondas Borgs. Seven faz os ajustes necessários para compensar. Ainda perturbado, Neelix pede que Chakotay o ajude em uma jornada espiritual, para que possa ver dentro de si mesmo e encontrar algum tipo de resolução. Quando as visões começam, Neelix encontra sua irmã amada e membros da tripulação, que lhes dizem que a vida pós-morte é uma mentira e que ele não tem razões para viver. Neelix sai da visão determinado a se suicidar.

Após gravar notas de despedida aos colegas, ele tenta se transportar para a nebulosa. Chakotay corre para impedi-lo, mas Neelix protesta, alegando que a jornada o convenceu que seria melhor se estivesse morto. O comandante explica que as imagens não são facilmente interpretadas e que provavelmente eram expressão da ansiedade sobre suas crenças abaladas. O Talaxiano não se convence até que a alferes Wldman o chama para ajudar a colocar Naomi na cama. Ele percebe que a tripulação - que se tornou sua família - precisa dele, e que esta é a sua razão de viver.

 

Comentários:

"Mortal Coil" é raridade, uma das poucas (e boas) peças efetivamente centradas em Neelix, desde "Jetrel", do primeiro ano. E, surpreendentemente, convence, apesar de lidar com a "arriscada" temática do vida pós-morte. Essa fronteira é bastante recorrente em Voyager. Apareceu em "Emanations", "Sacred Ground" e "Coda", e retornará em temporadas seguintes. Mas aqui se destaca, porque o desfecho não apela para a "solução mais fácil", também corriqueira na série.

Neelix sofre um acidente e fica morto durante 18 horas. Reanimado com tecnologia Borg, passa a questionar suas crenças religiosas mais profundas. Revolta-se ao se dar conta de que não viu o que deveria ter visto do outro lado. Apoiava-se na fé Talaxiana para se consolar pela perda da família inteira na guerra com os Haakonians. O que costumava lhe dar esperança, força e sentido à existência esvaziou-se de significado. 

É preciso abrir um primeiro parêntese aqui. Um grande mérito do episódio é honrar o passado do personagem e o que foi previamente estabelecido no seriado. O telespectador identifica-se com Neelix e sua situação, pois os fatos são amarrados de maneira a não provocar conflito de informações. Pode não parecer grande coisa, mas, em Voyager, cada ponto positivo conta. Quando a cronologia é respeitada, a ficção torna-se crível.

Outro aspecto positivo: a forma como o tema é tratado, sem pieguice ou intenção de provar o que é certo ou errado nas crenças e fés. "Mortal Coil" funciona justamente por não tentar fornecer respostas absolutas. O que se tem é uma análise de como as pessoas - no caso, Neelix - lidam com suas experiências de quase-morte, e a crise por que esse personagem específico atravessa, quando se depara com a frustração. A escolha dos roteiristas pela simplicidade termina por apresentar ao público uma história profunda.

Há, aqui, um "twist" interessante na personalidade de Neelix. Desde o piloto da série, ele parece ser muito transparente e emotivo. Quase previsível. Mas, neste segmento, ele revela que todo o otimismo e alegria são, de fato, a forma de lidar com um lado problemático. Ele nunca engoliu a perda trágica dos parentes. Em "Jetrel", o fã conhece sua frustração e sentimento de culpa por não ter morrido também.

Além do roteiro, a atuação se destacou. Ethan Phillips pôde mostrar um pouco mais da sua versatilidade como ator. A mesma chance foi dada a Beltran, que costuma ser deixado quieto na sua cadeira. Aliás, o papel de Chakotay foi decisivo em "Mortal Coil". O comandante tenta aliviar a crise do colega ao dizer que, talvez, a morte não possa ser compreendida do ponto de vista dos vivos. É um completo desconhecido, possivelmente impossível de se conhecer. Pode ser que Neelix não tivesse discernimento para percebê-la com olhos de um ser vivo. Isso significa que suas crenças são infundadas? Não. "A morte ainda é um dos maiores mistérios", argumenta Chakotay.

O episódio chega ao clímax quando Neelix decide cometer o suicídio, após tentar - sem sucesso - encontrar uma razão para estar vivo. O diálogo com Chakotay foi muito bem montado. E também o foi a resolução. A alferes Wildman reaparece diretamente saída de "Deadlock", com a filha, Naomi. É outro traço de continuidade que não pode passar desapercebido. Mostra que os roteiristas não as esqueceram e que, no caso de "crianças com medo do monstro do replicador", Neelix tem a melhor solução.

Através de Naomi, o Talaxiano percebe que a tripulação precisa dele. E é este o sentido de sua existência. As cenas finais são promissoras. Mas, infelizmente, é aí que o segmento peca um pouco. A reconciliação de Neelix consigo mesmo parece ter-se dado depressa demais. Chakotay lhe diz que levará um tempo para digerir a experiência. Mas, é claro, nunca mais se falará no assunto. Trata-se de um problema crônico em Voyager: memória curta. E, para isso, não há hypospray que ajude!

 

Citações:

Neelix - "Cylinder, little cylinder, where are you? Cylinder, you were here a month ago. Now I know that you didn't just roll out of the airlock all by yourself. Now where are you? Oh, I'm sorry. I'm talking to myself. It's my way of remembering things."
("Cilindro, cilindrinho, onde está você? Cilindro, você estava aqui há um mês. Eu se que você não saiu rolando pela escotilha por conta própria. Onde está? Oh, me desculpe. Estou falando comigo mesmo. É meu jeito de lembrar das coisas.")
Seven - "You are a peculiar creature, Neelix."

("Você é uma criatura peculiar, Neelix.")

Neelix - "Nanoprobes?"
("Nanossondas?")
Janeway - "It was necessary to repair the necrotised tissue."

("Foi necessário para reparar seu tecido morto.")
Doutor - "Until I'm certain the damaged tissue can function independently, you'll have to be injected with nanoprobes on a daily basis."
("Até que eu tenha certeza que que o tecido danificado pode funcionar independentemente, você terá que receber injeções de nanossondas em uma base diária.")
Neelix - "Well, as long as I don't start assimilating the crew or sprouting Borg implants, I'm sure I can live with it."
("Bom, contando que eu não comece a assimilar a tripulação ou desenvolver implantes Borgs, tenho certeza de que consigo viver com isso.")

Chakotay - "You can't be certain of that. Don't throw away a lifetime of faith because of one anomalous incident. Death is still the greatest mystery there is."
("Não pode ter certeza disso. Não jogue fora uma vida inteira de fé por causa de um incidente anômalo. A morte ainda é o maior mistério que existe.")
Neelix - "I was there. I experienced it. There was nothing."
("Eu estive lá. Eu a vivenciei. Não havia nada.")

 

Trivia:

Para os Borgs, os Kazon são a “Espécie 329”.

Naomi Watts não está listada na relação de tripulantes da Voyager, de acordo com Seven of Nine.

 

Ficha técnica:

Direção de Allan Kroeker
Escrito por Bryan Fuller
Exibido em 17/12/1997
Produção: 080

Elenco:

Kate Mulgrew como Kathryn Janeway
Robert Beltran como Chakotay
Roxann Biggs-Dawson como B'Elanna Torres
Robert Duncan McNeill como Tom Paris
Ethan Phillips
como Neelix
Robert Picardo como Doutor
Tim Russ como Tuvok
Jeri Ryan
como Seven of Nine
Garrett Wang como Harry Kim

Elenco convidado:

Nancy Hower como Ensign Samantha Wildman
Robin Stapler
como Alixia
Brooke Ashely Stephens
como Naomi

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