Voyager
Temporada 6

Análise do episódio por
Daniel Sasaki



 









 

MANCHETE DO EPISÓDIO
Seven enfrenta seu passado Borg

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Sinopse:

Data Estelar: 53049.2

A Voyager está atracada em um posto avançado Markonian. Como a tripulação estabeleceu contato cordial com as diversas raças que transitam pela estação, Janeway abriu as escotilhas da nave para todos que quisessem visitar. Em meio à multidão, Seven e Naomi vão para o refeitório almoçar. Um homem se aproxima e coloca sobre a mesa um container, dispondo-se a vender o conteúdo. Quando Seven percebe que se trata de equipamento Borg, concorda em comprar. De repente, começa a vivenciar flashbacks de seu passado como zangão Borg.

Acontece que aquele item era um relé da unimatriz original de Seven of Nine. O homem conversa telepaticamente com dois parceiros e os instrui a penetrar os sistemas de segurança da Voyager. Enquanto isso, Seven, bastante intrigada, pede que B'Elanna opine sobre a tecnologia. Ela conta à tenente sobre as imagens e sensações que vem experimentando. A engenheira sugere que a ex-Borg esteja sentindo nostalgia do passado. Seven ignora a análise da colega e deixa o equipamento para o computador analisar. Quando sobe em sua alcova de regeneração, os intrusos entram na área da carga.

Um deles injeta tubos de assimilação e Seven, como sentindo a presença deles, abre os olhos e tenta lutar. Tuvok e uma equipe de segurança invadem o local e disparam contra os três. Na Enfermaria, a ex-Borg os identifica como Two of Nine, Three of Nine, e Four of Nine. Fica claro que todos pertenceram à mesma unimatriz, mas não se sabe por que queriam acessar as memórias da antiga "colega". Quando acordam, eles dizem à capitã que estão presos em uma tríade telepática e desejam tornar-se indivíduos. Oito anos antes, Seven e eles tinham sido os únicos sobreviventes da queda de uma nave Borg. Mas, por alguma razão, quando foram reassimilados pela Coletividade, ficaram os três ligados permanentemente.

Two of Nine, Three of Nine, e Four of Nine conseguiram escapar dos Borgs e tiveram seus implantes removidos, porém não conseguem de jeito nenhum quebrar o link telepático. Eles explicam que foram para a Voyager na esperança de que Seven se lembrasse do que aconteceu anos atrás, explicasse o fenômeno e ajudasse a revertê-lo. Ela sugere estabelecer um elo com os três para encontrar a verdade, mesmo correndo o risco de também ficar presa. A conexão funciona e descobre-se que Seven tinha sido a responsável pela reassimilação deles.

O Doutor consegue quebrar o link entre os quatro, mas os ex-Borgs sofrem danos cerebrais e entram em coma. O médico avalia que só restam duas alternativas: ao reanimá-los, ou eles voltam para a Coletividade, ou têm apenas um mês de vida como indivíduos. Seven, a princípio, julga que a sobrevivência dos antigos colegas é o que importa. Mas, depois de conversar com Chakotay, percebe que a melhor decisão é libertá-los do elo para que possam experimentar mais uma vez a individualidade. Quando os três acordam, planejam seus curtos futuros separadamente.

 

Comentários:

O segredo para apreciar "Survival Instinct" é esquecer das improbabilidades, incoerências e furos naturais à série. Se conseguir fazer isso (e é difícil), o telespectador terá aqui uma história bem escrita, sensível, emocionante e focada em personagens - o que é sempre raro em Voyager. O roteiro é de Ronald D. Moore, que procurou em A Nova Geração e Deep Space Nine distanciar-se da "tecnobaboseira" para dar voz àqueles que realmente importavam: os heróis.

O episódio já começa com um conceito novo ao seriado. A Voyager está atracada em uma estação repleta de raças alienígenas abertas a novos contatos e interessadas em trocas culturais. Não há xenofobia, fanatismo, agressão. Pode-se imaginar o que isso significa para os tripulantes. Nesses quase seis anos de viagem, ficou bastante claro que o Quadrante Delta não é local para se passar as férias. Ainda assim, pareceu exagerado o afluxo de visitas na nave. É óbvio que não havia oficiais de segurança em número suficiente. A atitude de Tuvok ao apresentar os relatórios a Janeway e Chakotay não foi mais uma amostra de seu mau humor e impaciência, como alguns diriam. Será que a capitã precisava mesmo abrir as portas da Voyager daquela forma? Com tanta gente a bordo, será que nenhuma tecnologia da Frota foi roubada?

Enfim, entre os visitantes destacam-se três ex-Borgs, interpretados por Vaughn Armstrong, Berlita Damas e Tim Kelleher. A primeira conveniência: Marika é Bajoriana. Tudo bem, não chega a ser absurdamente impossível vê-la no Quadrante Delta, dadas as circunstâncias. É apenas improvável. O que é difícil mesmo de acreditar é que ela tenha passado despercebida pela tripulação da Voyager. Como é que ninguém reparou no detalhe? Inexplicável... 

De cara, percebe-se que os zangões querem algo com Seven. Eles desabilitam a segurança (algo corriqueiro e de fácil execução, diga-se de passagem), invadem a área de carga e tentam acessar as memórias de Seven. Só que ela reage e é salva por uma equipe de segurança liderada por Tuvok. Na Enfermaria, os ex-Borgs contam que foram liberados da Coletividade, mas que misteriosamente permaneceram unidos em uma tríade telepática. 

Vem a segunda dúvida: como puderam os três planejar e escapar juntos dos Borgs? Não estavam sujeitos à mente coletiva? A situação torna-se ainda mais improvável quando o telespectador descobre que, ao se libertarem, quatro meses antes, eles passaram a procurar Seven. Enquanto zangões, poderiam muito bem saber que ela estava na Voyager. Os Borgs tiveram acesso à informação em "Scorpion, Part II" e "Dark Frontier". O que é impossível de compreender é que tenham conseguido localizar a nave e chegar a ela. O Quadrante Delta definitivamente gira em torno dessa tripulação de 150 humanos.

Dúvidas à parte, Seven e o Doutor tentam de tudo para resolver o mistério. A tripulação responde com toda boa vontade e, aqui, a nossa ex-zangão mostra o quanto sua humanidade evoluiu. 

O episódio vai avançando e as cenas se intercalam com flashbacks da fatídica noite no planeta, onde os quatro Borgs tiveram o elo com a Coletividade temporariamente cortado. Esse recurso narrativo funciona muito bem. Aliás, as seqüências dos flashbacks são justamente as melhores da história. Aos poucos e lentamente, os quatro zangões vão se dando conta de quem realmente são: indivíduos que outrora tiveram suas vidas em seus respectivos planetas, existências essas cortadas pela assimilação violenta. "Meu Deus, o que eles fizeram conosco?", revolta-se Marika. "Esta não é a minha mão. Eu quero a minha mão de volta!", frustra-se Lansor. "Os Borgs mataram os meus pais. Eu odeio os Borgs", percebe P'Chan. O elenco convidado foi escolhido a dedo. Cada um se destaca a seu modo e todos atuam maravilhosamente bem.

Ryan também brilha. Ela consegue transmitir as emoções mais intensas com um simples olhar. Annika Hansen fora assimilada ainda criança. Passou por uma câmara de maturação e foi criada pelos Borgs. Não se lembrava de como era ser humana, nem entendia o conceito de individualidade. Naquela noite em que teve a conexão separada da mente coletiva, sentiu um medo extremo. Preferia a reassimilação, seu "porto seguro". A idéia de morrer sozinha, no escuro, sem o conforto do "grande todo" causava pânico. Por "instinto de sobrevivência", usou suas nanossondas para forçar os outros três zangões a obedecer aos protocolos Borgs.

Não vem ao caso discutir como isso provocou o efeito colateral. Mas é uma grande ironia que a luta de Lansor, P'Chan e Marika para retomar sua individualidade foi sua sentença de morte. Compreende-se o que sentiram ao tomar ciência de sua condição, mas se tivessem controlado as emoções, a revolta, e amparado Annika naquela noite, é possível que os quatro tivessem escapado. Não houve esse discernimento, não houve palavras de conforto, o espírito de família. Ninguém pode condenar Seven pela forma como agiu.

No presente, quando os quatro ex-zangões se lembram do que aconteceu, ocorre um erro e o link telepático é desfeito. Só que há um porém: a ruptura causa danos neurais aos três visitantes e eles entram em coma. Restam apenas duas opções: ou eles voltam para a Coletividade para serem reassimilados, ou acordarão para ter apenas um mês de vida. Isso suscita o grande questionamento da semana: deve lhes ser concedida a chance de viver como indivíduos livres por algumas semanas, ou a sobrevivência como Borgs fala mais alto? 

A decisão final é encargo de Seven e ela não está disposta a mandá-los à força para a Coletividade pela segunda vez. Os diálogos com Chakotay e o Doutor também são dignos de mérito. Realmente, apenas o médico holográfico pode realmente entender que não se trata só de culpa. A sobrevivência, neste caso, não é suficiente. Os três são reanimados e sentem grande paz interior. Mas essa "redenção" de Seven não implica perdão. Marika fecha o segmento com o comentário mais notável nesse sentido: "Eu não consigo perdoá-la pelo que fez. Mas entendo por que fez". E essa não-absolvição de Seven é outro ponto forte do roteiro; ele não termina com  respostas fáceis. A estréia de Moore na série com certeza mexeu com os fãs.

 

Citações:

Seven - "I do not enjoy crowds."
("Eu não gosto de multidões.")
Naomi - "But you were in the Collective. Wasn't that like a big crowd?"
("Mas você estava na Coletividade. Não era como uma grande multidão?")
Seven - "Which is why I do not enjoy them now."
("É por isso que não gosto de multidões agora.")

B'Elanna - "You may not be nostalgic about the past, but I'd say you definitely have feelings about it. Strong ones"
("Você pode não se sentir nostálgica pelo passado, mas eu diria que definitivamente tem sentimentos sobre isso. Sentimentos fortes.")

Two of Nine - "Why do they still call you Seven? You should have a name."
("Por que eles ainda a chamam de Seven? Você deve ter um nome.")
Seven - "It is my name."
("É o meu nome.")
Four of Nine - "No. It's a designation. You're an individual now."
("Não. É uma designação. Você é um indivíduo agora.")
Seven - "I decided that my former name was no longer appropriate."
("Eu decidi que meu antigo nome não era mais apropriado.")

Four of Nine - "We're not individuals."
("Não somos indivíduos.")
Three of Nine - "We're not Borg."
("Não somos Borgs.")
Two of Nine - "We're nothing."
("Não somos nada.")

Paris - "Well, Harry and I wanted to explore the station. Er... we wanted to broaden our understanding of alien cultures and, er..."
("Bom, Harry e eu queríamos explorar a estação. Er... queríamos ampliar nossa compreensão das culturas alienígenas e, er...")
Janeway - "Skip the recruiting speech. You were looking for a bar. Then what?"
("Pulem o discurso de recruta. Vocês estavam procurando um bar. E então?")

Chakotay - "A month as an individual or a lifetime as a drone. Which option would you choose?"
("Um mês como indivíduo, ou uma vida inteira como zangão. Que opção você escolheria?")

Seven - "The damage I did can never be repaired. And my guilt is irrelevant. I simply want them to experience individuality. As I have. As you have. At one time, you were confined to this Sickbay. Your program was limited to emergency medical protocols. In some ways, you were not unlike a drone. But you were granted the opportunity to explore your individuality. You were allowed to expand your program. Your mobile emitter gives you freedom of movement. Your thoughts are your own. If you were told you had to become a drone again, I believe you would resist."
("O dano que eu causei nunca poderá ser reparado. E minha culpa é irrelevante. Eu apenas quero que eles experimentem a individualidade. Como eu experimentei. Como você experimentou. Houve um tempo em que você estava confinado a esta Enfermaria. Seu programa era limitado a protocolos médicos de emergência. De certo modo, você não era diferente de um zangão. Mas lhe foi dada a oportunidade de explorar a sua individualidade. Teve permissão de expandir seu programa. Seu emissor móvel lhe dá liberdade de movimento. Seus pensamentos são seus. Se lhe dissessem que teria de voltar a ser zangão, acredito que você resistiria.")
Doutor - "Yes, I suppose I would."
("Sim, eu suponho que resistiria.")
Seven - "They would resist as well. They would choose freedom, no matter how fleeting. Only you and I can truly understand that."
("Eles também resistiriam. Eles escolheriam a liberdade, não importa quão efêmera. Só você e eu podemos entender isso de verdade.")
Doutor - "Survival is insufficient."
("Sobrevivência é insuficiente.")

Three of Nine - "It's nice to be on a Federation Starship again. I'd like to stay aboard Voyager."
("É bom estar numa nave da Federação de novo. Eu gostaria de ficar a bordo da Voyager.")
Seven - "The Captain said you may stay as long as you wish."
("A capitã disse que pode ficar o quanto desejar.")
Three of Nine - "You mean as long as I have. I can't forgive you for what you did to us. But I do understand why you did it."
("Quer dizer o quanto eu tiver. Não consigo perdoá-la pelo que fez conosco. Mas eu entendo, sim, por que você fez aquilo.")

 

Trivia:

Diz-se o tempo todo na série que Seven foi a única zangão libertada da Coletividade. Mas, além de Picard, de Hugh ("I, Borg", de A Nova Geração) e dos ex-Borgs de "Unity", vê-se aqui três outros que claramente deixaram a colméia há anos.

Esse é o primeiro trabalho de Ronald D. Moore para a série. Ele fora fã da Série Clássica e, ao apresentar o roteiro de "The Bonding" para Michael Piller, subiu a bordo de A Nova Geração. Nesse seriado, consagrou-se com histórias famosas, como "Relics", "Tapestry" e "Sins of the Father". Também participou do finale "All Godd Things" e dos longas Generation e First Contact. Depois disso, mudou-se para Deep Space Nine, na qual assumiu o cargo de co-produtor executivo.

Disse Moore, em entrevista a Anna L. Kaplan (2000): "Meu episódio é um episódio da Seven of Nine. Eu quis fazer porque ela era o personagem mais Voyager-esco. Eu quis entrar com os dois pés. Não queria fazer um segmento Klingon logo de cara. Queria brincar com ela. Tenho grande respeito por Jeri Ryan como atriz. Acho que faz um trabalho notável. Há muito acontecendo naqueles olhos. Ela consegue passar muita coisa apenas com um olhar. Dito isso, aquele figurino tem de ir! Simplesmente não sei como explicar. Como você pode levá-la a sério com aquela roupa? (...) O resto da Voyager não é daquele jeito. Ninguém anda com um figurino daquele pela nave. Você não desce o corredor e vê mulheres desfilando de biquíni a caminho do holodeck, e olha que você terá festas na praia lá". Na época, o roteirista também teceu duras críticas ao excesso de "tecnobaboseira" na série: "As páginas iam passando e ao ler o roteiro eu tentava encontrar alguma substância. Eu simplesmente caía em ouvidos surdos. Para ser honesto, não sentei para assistir a "Survival Instict" ou "Barge of the Dead". Eu os tenho e dei uma olhada no roteiro de "Survival Instinct", e eu sabia que eles tinham feito tomadas extras depois das filmagens. O episódio ficou um pouco curto, então eles acrescentaram algumas páginas, o que não é incomum. Mas eles acrescentaram as páginas com toda essa "tecno-droga" na Enfermaria! Eu odeio muito isso. É tão desconcertante. Não acrescenta nada ao drama".

Vaughn Armstrong é um dos atores convidados mais recorrentes em Jornada. Foi o comandante Korris, em "Heart of Glory" e "Shades of Gray", de A Nova Geração. Em Deep Space Nine, fez Gul Danar em "Past Prologue" e Seskal em "When it Rains" e "The Dogs of War". Também teve outras participações em Voyager. Foi o Romulano Telek R'Mor, de "Eye of the Needle", um capitão Vidiian em "Fury", o Alfa Hirogen de "Flesh and Blood, Part I" e o Klingon Korath, do finale "Endgame". Em 1998, já havia gravado uma participação como Korath para a atração "The Klingon Encounter", do parque temático "Star Trek - The Experience". Em Enterprise, fez diversas aparições como o almirante Maxwell Forrest. Além disso, envolveu-se em projetos paralelos ligados à franquia. Cedeu a voz para os jogos "Star Trek -Armada II", "Star Trek - Bridge Commander", "Starfleet Command III" e "Star Trek - Elite Force II". Em 2004, fez uma ponta no documentário "Trekkies II".

Bertila Damas foi Sakonna, em "The Maquis, Parts I & II", de Deep Space Nine.

Tim Kelleher fez o tenente Gaines, no finale "All Good Things", de A Nova Geração. Em Enterprise, foi o tenente Pell, de "The Communicator".

 

Ficha técnica:

Direção de Terry Windel
Escrito por Ronald D. Moore
Exibido em 29/09/1999
Produção: 122

Elenco:

Kate Mulgrew como Kathryn Janeway
Robert Beltran como Chakotay
Roxann Biggs-Dawson como B'Elanna Torres
Robert Duncan McNeill como Tom Paris
Ethan Phillips
como Neelix
Robert Picardo como Doutor
Tim Russ como Tuvok
Jeri Ryan
como Seven of Nine
Garrett Wang como Harry Kim

Elenco convidado:

Scarlett Pomers como Naomi Wildman
Vaughn Armstrong
como Two of Nine
Bertila Damas
como Three of Nine
Tim Kelleher
como Four of Nine
Jonathan Breck
como zangão Borg

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