Star Trek: mais que cinema-pipoca

startrek_19Jornada nas Estrelas já foi grande. Gozou de prestígio do público e crítica. Criou novos padrões para a televisão. Gerou milhões de fãs em vários países. Tudo isso quase foi perdido nos últimos 10 anos. Mas agora, Jornada nas Estrelas voltou a ser grande.

O dia da estréia do novo filme, 8 de maio de 2009, finalmente chegou e agora podemos degustar essa nova amostra de Jornada nas Estrelas na telona.

Embora eu tenha visto o filme na estreia, logo no dia 8 de maio, preferi aguardar passar a “ressaca” para escrever essa resenha. Por experiência própria em outros filmes anteriores que analisei, principalmente os da nova trilogia Star Wars, é fato que o hype e a empolgação inicial ofuscam a clareza de pensamento e contaminam o texto. Como exemplo, em momento que melhor descrevo como um surto psicótico, escrevi elogios e maravilhas sobre o Episódio II, “O Ataque dos Clones”; hoje eu jogaria pedras.

Voltando ao Star Trek, passada essa fase inicial de poucos dias, posso afirmar com a mais absoluta certeza de que gostei muito do vi. Era o filme que eu esperava. O diretor, J.J. Abrams, entregou um produto divertido, dinâmico e com um certo conteúdo que o diferencia de outros filmes-pipoca mais recentes.

Nunca exigi que o novo Star Trek fosse espetacular, mas pelo menos muito divertido e fiel às suas raízes. É e esse o filme que eu vi.

Não vou me ater muito no roteiro e na história, porque grande parte dos fãs aqui leitores certamente já assistiram o filme. Mais importante, as resenhas anteriores dos demais colegas do Trek Brasilis, Salvador Nogueira, Leandro Martins e Fernando Penteriche, já fizeram um excelente trabalho de cobertura do filme.

Apenas ressalto aqui o fato do roteiro, embora muito simples, funciona quase com perfeição. Em resumo, o vilão Nero e o Spock original, intepretado por Leonard Nimoy, voltam no tempo por acidente, 126 anos antes. Nero chega primeiro e, durante um ataque à primeira nave da Federação que aparece, a USS Kelvin, seu capitão é morto e o primeiro oficial, George Kirk, assume o comando pelo tempo suficiente para evacuar a nave e salvar os sobreviventes, dentre eles sua esposa no momento do parto do seu filho, James T. Kirk. George morre. A partir desse momento a linha do tempo é alterada e surge uma realidade alternativa, preservando o que já aconteceu nos filmes anteriores, mas estabelecendo essa nova realidade alternativa, o que abre o leque para novas interessantes possibilidades futuras.

O filme, após essa introdução inicial, passa a intercalar a infância de Kirk e Spock e como ambos optaram por ingressar na Frota Estelar. Lá o filme apresenta aos poucos os demais personagens (McCoy, Uhura, Sulu, Checov e Scotty) e como se unem durante a primeira viagem da Enterprise, para combater o vilão Nero e salvar o planeta Terra.

J.J. Abrams acertou em cheio na direção rápida, mantendo o filme ágil e divertido durante seus 126 minutos, que passam num piscar de olhos, sem cansar. A melhor descrição é de uma montanha russa de emoções. Tudo isso sem perder de foco os personagens, justamente a “alma” da Série Clássica.

A química entre os atores funciona que é uma maravilha e é evidente na tela que todos estão curtindo muito os papéis que lhe foram entregues.

O famoso triunvirato, Kirk, Spock e McCoy ficou perfeito na interpretação de, respectivamente, Chris Pine, Zachary Quinto e Karl Urban.

Kirk é o personagem principal do filme e, em função disso, Chris Pine está praticamente em todas as cenas. O grande macete é mostrar, de forma verossímil, como Kirk, um jovem desajustado do interior dos EUA, resolve se alistar na Frota Estelar apôs um sermão do capitão Pike (um grande momento do filme) e, após três anos, se mostrar um líder nato, pró-ativo, como o antigo Kirk que conhecemos. É o crescimento interior desse personagem que alicerça o filme. Ao final, Pine personifica a figura do capitão da Enterprise, sem emular os trejeitos do William Shatner. Ponto positivo.

Quinto está ótimo como Spock, mas sentimos falta daquela postura de nobreza que Leonard Nimoy conseguiu impor ao personagem. As comparações são inevitáveis ainda mais porque o próprio Nimoy está no filme, interpretando o Spock já idoso, e sua presença é majestosa.

Karl Urban é um assombro como McCoy. É o único que efetivamente emula o ator original que interpretou o mesmo personagem, DeForest Kelley. A perfeição é incrível, principalmente porque não se trata de uma simples cópia de atuação, mas sim uma homenagem digna de aplausos. Por isso, é o meu personagem preferido no filme.

Os demais atores que intepretam Uhura, Chekov, Sulu, Scotty estão ótimos e, ainda que não se pareçam fisicamente com os atores originais, conseguem atribuir a necessária caracterização para torná-los mais reais, mais humanos, mas perder as qualidades que conhecemos e adoramos nesses personagens.

Eric Bana é o ator menos aproveitado. Interpreta o vilão Nero, que busca vingança pela destruição, no futuro, do seu planeta natal, Romulus. O problema é que Nero tem apenas umas quatro ou cinco cenas e o roteiro se preocupa mais em estabelecer seu papel vingativo do que suas motivações. Em uma cena de flashback é explicado rapidamente porque busca vingança, mas é tudo muito apressado e sem a exposição necessária. É um vilão que serve ao propósito do filme, mas poderia ser muito melhor.

Quanto à produção do filme em si, é simplesmente espetacular. Os efeitos especiais são excelentes.

A minha única ressalva nesse ponto é a própria Enterprise. Eu gostei muito do novo design da nave e de sua nova ponte de comando. Tudo muito moderno e com alguns itens reminescentes da Série Clássica. Mas considero que faltou capricho nas demais áreas. A engenharia, por exemplo não possui um desenho muito bem definido e tem visual muito poluído (cheio de tanques, encanamentos, tubulações etc), o que contradiz o aspecto mais “clean” de outras seções da nave.

Também senti falta de algumas tomadas espaciais a mais da Enterprise. Não tanto como fizeram no primeiro filme para o cinema (Jornada nas Estrelas: O Filme, de 1979), mas um meio termo seria apropriado.

A trilha sonora de Michael Giacchino é muito boa, mas faltou um tema de destaque. Aliás, curioso que essa é uma das características que está se perdendo nas trilhas sonoras atuais. Filmes como Batman, Homem de Ferro, Homem-Aranha, etc, não possuem nenhum tema musical marcante, daquelas que ficam na nossa cabeça dias e dias após assistirmos o filme. A última trilha que me marcou de verdade foi a da trilogia Senhor dos Anéis. Depois disso, difícil me lembrar de outra com a mesma qualidade.

Da mesma forma, após assistir ao novo Star Trek, a única música que ficou comigo é a dos créditos finais que, aliás, não é do Michael Giacchino, mas sim do Alexander Courage, justamente a música de abertura da Série Clássica dos anos 60. Nada como música clássica!

Mas não sejamos muito críticos com essas questões, pois o filme tem tantos pontos positivos que não é justo criticar em demasia. São 126 minutos de pura emoção e aventura, que prende não só o fã como o público em geral. A excelente bilheteria inicial do filme já atesta esse fato e o absoluto sucesso financeiro do filme.

Um ponto controvertido e que poderia trazer problemas para os roteiristas é a tal “linha do tempo alternativa” criada pelo vilão Nero ao voltar ao passado e destruir a nave Kelvin. Muitos fãs criticaram muito essa jogada do roteiro, pois comprometia uma premissa do filme: como os personagens se conheceram e começaram a trabalhar em equipe.

Verdade, se é uma linha do tempo alternativa, assistimos no filme uma outra realidade, talvez diferente da original, pelo qual os personagens se encontraram de forma totalmente diferente. Mas enxergo por outro aspecto. O roteiro do filme atesta que é o destino que uniu a tripulação da Enterprise, independentemente das motivações e circunstâncias que colocaram cada personagem no seu devido lugar na ponte da Enterprise. Ou seja, essas pessoas estavam predestinadas a trabalharem juntas e salvarem a Terra e o Universo. Achei muito bacana esse lance do roteiro.

Ademais, a participação do Spock original na trama, interpretado por Leonard Nimoy, é um instrumento engenhoso para validar essa história de linha do tempo alternativa. Para os não-fãs, que não conhecem a história original da série, o filme marca um ponto inicial, que não se prende muito ao que foi estabelecido pela cronologia original. Já para os fãs, a presença do Spock original demonstra a continuidade, pois o personagem veio do futuro e presenciou todas as aventuras que assistimos desde sua primeira aparição no episódio piloto The Cage. Inclusive, o fato do personagem estar no filme e lembrar desses eventos, comprova que a cronologia original está intacta, sem modificações e que a nova linha do tempo introduzida com esse filme é alternativa, não modificativa. Assim, os eventos que conhecemos da série original, podem ou não ocorrerem da forma como vimos.

Como diria o próprio Spock, “sempre há possibilidades”.

Em suma, um grande filme e um novo começo mais do que merecedor para a série Jornada nas Estrelas. Que tenha vida longa e prosperidade.

Prós: grande diversão, ótimo elenco, excelentes efeitos especiais, muita aventura e ação de tirar o fólego, somado com um conteúdo que estava em falta nos últimos blockbusters.

Contras: roteiro simples; vilão com pouco desenvolvimento; a participação do Leonard Nimoy poderia ser maior; ter que esperar mais alguns anos pelo próximo filme.

Nota final: 8.0 de 10.

É um ótima nota para os meus preceitos. Acima de 8 eu começo a colocar filmes como Cidadão Kane, Lawrence na Arábia, Os Sete Samurais… e Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan (ainda imbatível).