DSC 3×07: Unification III

Escorado na mitologia da saga, episódio promove várias unificações

Sinopse

Com dados de três caixas-pretas, Tilly e Burnham tentam identificar o ponto de origem da queima. A informação é insuficiente, mas pode bastar se juntarem a ela arquivos do antigo projeto SB-19. Foi uma iniciativa promovida pelos cientistas de Ni’Var, planeta antes conhecido como Vulcano.

Os dados nunca foram divulgados, pois o povo de Ni’Var acredita que o SB-19 tenha causado a Queima. Burnham, irmã de Spock, pai da unificação vulcana e romulana, pode fazê-los mudar de ideia. Ela aprende mais sobre o destino de seu irmão e seu papel na reunificação que deu origem a Ni’Var.

A Discovery salta para o planeta e é recebida por sua presidente, T’Rina, que nega o acesso aos dados. Burnham então invoca um antigo ritual filosófico-científico, o T’kal-in-ket. Seguidora dessa antiga tradição de busca de verdades profundas, T’Rina não tem opção, senão concordar.

Burnham recebe sua shalankhkai, sua advogada, que surpreendentemente é sua mãe, Gabrielle. Ela agora faz parte da ordem Qowat Milat, dedicada ao preceito da franqueza absoluta. O ritual é organizado a bordo da Discovery, onde três juízes decidirão o mérito do pedido de Burnham.

Enquanto isso, Tilly é convidada por Saru para assumir interinamente o posto de primeira oficial. Encorajada pelos colegas, ela aceita.

No T’kal-in-ket, Gabrielle constrange Michael e diz que ela não se sente à vontade falando pela Federação. Os juízes, representando as culturas vulcana, romulana e romulo-vulcana, estão em conflito. O desacordo ameaça a estabilidade de Ni’Var. Temerosa de que isso aconteça, Burnham retira seu pedido.

Impressionada pela atitude, a presidente T’Rina decide ceder os dados. Michael, por sua vez, decide prosseguir na Discovery, colocando em xeque o futuro de sua relação com Book.

Comentários

Não se faz uma autointitulada sequência ao episódio duplo “Unification”, de A Nova Geração, sem correr grande risco de se esborrachar no chão, diante das inevitáveis comparações com um clássico. Mas a sorte favoreceu os audazes neste episódio, e os fãs ganharam uma espetacular continuação para a saga da reunificação vulcana e romulana com “Unification III”. Não só isso, o episódio é um marco na terceira temporada de Discovery, concluindo a difícil reunificação de Michael Burnham com a tripulação do capitão Saru.

É inegável que a série tem exercitado seus músculos trekkers, executando uma variedade enorme de “sabores” para seus episódios no terceiro ano. Já tivemos faroeste, episódio de ação, fuga da prisão e agora temos um clássico formato de tribunal. Lembrando muito o estilo da maior parte da franquia, o episódio é tão escorado nos diálogos que poderia perfeitamente ser um audiodrama. Por sinal, se cabe alguma crítica é na economia: em vez de descermos ao planeta, desta vez toda a “ação” se desenrola a bordo da nave. Certamente poupou o orçamento para episódios futuros, mas deixou uma frustração por não termos visto a superfície de Ni’Var – mundo que até este episódio conhecíamos apenas pelo nome de Vulcano.

Por falar nisso, vale destacar que a roteirista Kirsten Beyer fez jus ao prestígio que tem como romancista e “guardiã do cânone” de Star Trek ao adicionar novas camadas à mitologia da saga, além de expandir o futuro dos vulcanos e romulanos até o século 32. A busca pelo nome Ni’Var (saída de um fanzine dos anos 1960), a concepção do ritual ancestral T’kal-in-ket (com o mais puro sabor “Amok Time”), a inserção da seita romulana Qowat Milat (apresentada em Picard), e, claro, a representação de Spock como um virtual “pai fundador” daquela nova sociedade romulo-vulcana (com direito a cena de Leonard Nimoy!), pescadas aqui e ali em todos os cantos da saga, são costuradas de maneira fantástica para expandir o universo ficcional.

Para além das referências, contudo, trata-se de uma peça dramática fundamental, por múltiplas razões, para a atual temporada de Discovery. Primeiro, preenche de forma satisfatória a lacuna sobre os mundos fundadores da Federação neste futuro ainda por ser revelado; segundo, adiciona novos elementos ao grande mistério deste ano, a causa da Queima (inserindo algumas interrogações e vários tons de cinza sobre a atuação federada nos anos que antecederam a tragédia); terceiro, marca um ponto de virada para Michael Burnham, que vem lutando contra sua inadequação e seu desconforto para se reenquadrar na Frota Estelar, após um ano vivendo por suas próprias regras como uma portadora no século 32.

Michael começa o episódio cogitando largar tudo e partir com Book. E termina decidida a permanecer com a Discovery, mesmo que isso signifique perder o amor recém-encontrado. E a transição é executada magistralmente por meio do confronto durante o T’kal-in-ket, com a participação importante da mãe de Michael, Gabrielle, agora como membro do Qowat Milat.

Esta, por sinal, é a escolha mais controversa do segmento. A série vem telegrafando há alguns episódios que o reencontro com Gabrielle seria algo importante, mas a escolha aqui parece extremamente arbitrária. OK, até conseguimos imaginar que ela, após aparecer em Essof IV do século 32 (conforme ela mesma conta), tenha sido dada como causa perdida e então adotada pelas freiras do Qowat Milat. Mas é uma coincidência exagerada – improvável – que os astros se alinhem de forma a Michael e Gabrielle se reencontrarem nessas circunstâncias. É verdade que o improvável, às vezes, também se manifesta na vida real, mas a opção aqui soou conveniente demais.

O outro lado desta moeda é que, apesar da forçada de barra, o uso da personagem é extremamente efetivo. Seu comportamento parece consistente com o que vimos de Gabrielle na segunda temporada, somado à adesão à seita romulana da franqueza absoluta, e sua forma de expor Michael durante a audiência – aparentemente sabotando, mas na verdade garantindo que a filha fosse bem-sucedida em sua busca pelos dados – é muito bem executada, lembrando algo como uma Guinan, com sua sabedoria inescrutável e inspirada. Ela parece estar sempre dois lances à frente.

Outra decisão polêmica foi a de Saru, ao convidar Tilly para ser sua primeira oficial interina. Do ponto de vista da estrutura da série, era a única escolha realmente viável. Do ponto de vista de uma hierarquia paramilitar, como a adotada pela Frota Estelar, pode soar meio absurdo. Felizmente, o episódio trata a questão justamente pelo que é – uma escolha controversa do capitão –, e isso facilita muito a aceitação. Ver Tilly questionar a sensatez da opção diante do próprio Saru e depois manifestar insegurança ao consultar Stamets dão o peso correto à situação. Se tratassem como “mais um dia entre os doidinhos da Frota Estelar”, teria sido um problema. Em vez disso, o retrato foi de uma escolha extraordinária em uma situação extraordinária. Era o jeito certo (do ponto de vista dramático) de resolver. E, de certa forma, ressoa com a relação de confiança e mentoria estabelecida entre Saru e Tilly ao longo deste terceiro ano.

Também foi delicada e efetiva a forma como Stamets catalisa a união da tripulação para aceitar aquela decisão peculiar do capitão, dando apoio a Tilly. A cena no laboratório da engenharia funciona e representa o tema do episódio: unificação. É um elemento que ressoa em todas as tramas paralelas, mostrando mais uma vez a qualidade da narrativa. Temos a tripulação se unindo para apoiar Tilly como primeira oficial, temos Michael reunindo os dois lados de sua psique, a de oficial da Frota e a de alguém que pela primeira vez se vê podendo buscar sua própria felicidade (quebrando a coisa do “a necessidade de muitos supera a de poucos”, bem martelada aqui também), temos a unificação de Michael com a tripulação, temos, claro, a preservação da reunificação romulo-vulcana e temos os ótimos momentos de Saru-diplomata com a presidente T’Rina, evocando uma possível reunificação de Ni’Var com a Federação. Os melhores episódios são aqueles que têm um tema claro e bem trabalhado, sob múltiplas perspectivas, e é exatamente isso que temos aqui.

“Unification III” é, até o momento, o ponto mais alto da terceira temporada – em um momento em que a série vai ganhando cada vez mais consistência e clareza de propósito, nessa nova jornada pelo século 32.

Avaliação

Citações

“It has been my experience that we learn our greatest lessons when we pay a heavy price.”
(Minha experiência diz que aprendemos nossas maiores lições quando pagamos um preço alto.)
Saru para T’Rina

Trivia

  • O título do episódio, “Unification III”, faz referência ao segmento duplo da quinta temporada de A Nova Geração, que teve Leonard Nimoy reprisando o papel de Spock. A cena do ator incluída aqui como holograma foi gravada originalmente para o episódio “Unification II”.
  • Uma das três caixas-pretas obtidas por Burnham pertenceu a uma nave chamada USS Yelchin. É uma homenagem a Anton Yelchin, ator que interpretou Pavel Chekov na trilogia de filmes da linha do tempo Kelvin e morreu tragicamente em 2016.
  • Um diálogo de Saru com T’Rina explicita a decisão da Frota de converter a Discovery em NCC-1031-A. O plano é não revelar que se trata de uma nave de outro tempo, ferindo Acordos Temporais.
  • Ni’Var é o nome do planeta Vulcano no século 32. Descobrimos que vulcanos e romulanos já estavam reunificados antes da Queima. O nome Ni’Var saiu de um conto de fã escrito e publicado em 1967 pela linguista Dorothy Jones. O significado, em vulcano, é algo como “duas formas”.
  • O projeto SB-19 tinha por objetivo criar transporte interestelar prático sem dilítio. Desenvolvido por Ni’Var, fez com que os cientistas o responsabilizassem pela Queima – talvez indevidamente.
  • Gabrielle Burnham, a mãe de Michael, agora faz parte da ordem tradicional romulana Qowat Milat. Dedicado à franqueza total, esse grupo de “freiras guerreiras” apareceu pela primeira vez no episódio “Absolute Candor”, da primeira temporada de Star Trek: Picard.
  • O símbolo de Ni’Var no século 32 é uma combinação do clássico IDIC vulcano com a ave de rapina dos romulanos, ambos ícones introduzidos na Série Clássica.
  • Tilly é promovida a primeira oficial, mesmo sendo alferes. O movimento é muito incomum, mas não sem precedentes. Em “Much Ado About Boimler”, de Lower Decks, vemos Mariner ir de alferes a primeira oficial. E James Kirk, em Star Trek (2009), foi de cadete a capitão!
  • O diretor Jon Dudkowski até então era um dos editores da série. Este é seu primeiro trabalho na direção.
  • Confira mais curiosidades e easter eggs deste episódio, em artigo de Maria-Lucia Racz, clicando aqui.

Ficha Técnica

Escrito por Kirsten Beyer
Dirigido por Jon Dudkowski

Exibido em 26 de novembro de 2020

Título em português: “Unificação III”

Elenco

Sonequa Martin-Green como Michael Burnham
Doug Jones como Saru
Anthony Rapp como Paul Stamets
Mary Wiseman como Sylvia Tilly
David Ajala como Cleveland “Book” Booker

Elenco convidado

Oded Fehr como Charles Vance
Sonja Sohn como Gabrielle Burnham
Oliver Becker como N’Raj
Stephanie Belding como Shira
Emmanuel Kabongo como V’Kir
Tara Rosling como presidente T’Rina
Emily Coutts como Keyla Detmer
Patrick Kwok-Choon como Gen Rhys
Oyin Oladejo como Joann Owosekun
Ronnie Rowe Jr. como R.A. Bryce
Sara Mitich como Nilsson
Julianne Grossman como computador da Discovery
Arista Arhin como jovem Michael Burnham
Liam Hughes como jovem Spock
Leonard Nimoy como velho Spock
Ethan Peck como Spock

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