Bastidores do projeto

por Salvador Nogueira

É muito difícil precisar quando nasceu a idéia de escrever o que acabou vindo a ser Rumo ao infinito. Minha vontade de falar de ciência e minha paixão pelo espaço vêm desde muito cedo. Era apenas natural que um dia elas se encontrassem.

O flerte não levou a um casamento rápido. Quando consegui uma posição na editoria de Ciência do jornal Folha de S.Paulo, em 2000, comecei a ensaiar costurar as duas coisas. Até então, a não ser de forma amadora, eu não havia produzido grandes textos sobre temas científicos. Mas o esforço de traduzir em termos que as pessoas pudessem imaginar todas aquelas informações sobre mundos distantes me cativava.

Embora desde sempre me alegrasse a oportunidade de escrever reportagens de jornal, logo comecei a perceber que faltava espaço para dizer tudo o que eu queria nas minhas matérias. Também faltava -- e isso me doía mais ainda -- a autorização para produzir um texto autoral. Eu tinha uma ansiedade muito grande de conversar com o leitor, de transmitir toda a minha empolgação quando tratava de um determinado tema. A linguagem jornalística impessoal não me permitia tal luxo.

Comecei a notar que (1) minhas entrevistas rendiam muito mais pano para manga do que cabia no jornal; (2) eu sofria de verdadeira abstinência de poder "conversar" com o leitor nos meus textos; (3) eu sentia uma convicção muito forte sobre a importância da exploração espacial; (4) essa convicção não era compartilhada pela maioria dos meus amigos.

Partindo desses quatro motivos, comecei a entreter a idéia de escrever um livro. Lá eu conseguiria resolver todos os problemas, de uma vez só. O único inconveniente era que não havia muito tempo de sobra para que eu tocasse um projeto desse tamanho.

Logo de cara, decidi que primeiro eu ia escrever o negócio todo, depois procurar alguém que o publicasse. Como o meu tempo era escasso, optei por não me comprometer com ninguém e ficar preso a um prazo que talvez não conseguisse cumprir.

Em várias ocasiões ameacei começar, mas o pontapé inicial veio quando, em março de 2003, fiz uma entrevista sobre Marte com um cientista do Serviço Geológico dos Estados Unidos chamado Justin Ferris. Não há nada especial sobre esse sujeito, exceto o fato de que tivemos uma conversa muito boa, que me levou a dizer que eu estava escrevendo um livro justamente sobre aquelas coisas de que estávamos falando. Ele se entusiasmou, disse algo como "eu acho que é uma excelente premissa para um livro", e foi o que bastou para que eu finalmente começasse a batucar em meu teclado.

Imaginei que um livro de bom tamanho fosse um de cerca de 200 páginas -- essa era a minha meta. Como costumo fazer em grandes projetos, redigi um pequeno plano de vôo (com algumas poucas páginas), esmiuçando os principais temas que eu teria de tratar. Acabei fugindo um pouco a essa estrutura inicial, mas não muito -- claramente a semente do livro já estava ali, brotando.

Quando comecei a escrever, não parei mais. Consumi muitas madrugadas e muitos fins de semana, mas o projeto me animou de tal maneira que eu simplesmente não conseguia parar. Ali, eu estava dizendo tudo que eu sempre quis dizer às pessoas sobre espaço, sem ninguém olhando sobre os meus ombros -- exceto meu grande amigo Reinaldo José Lopes, também jornalista de ciência, que lia a primeira versão de cada capítulo assim que eu terminava de escrever e produzia comentários bastante úteis à melhoria do texto.

Num piscar de olhos, oito meses se passaram, e eu já estava no início de 2004. O livro, em compensação, havia ultrapassado as 500 páginas. A boa notícia é que eu não pretendia adicionar mais nenhuma -- essa primeira versão estava pronta.

Minha iniciativa seguinte foi procurar uma editora. Decidi chutar alto, e contatei logo a tão badalada Companhia das Letras. Após meses de angústia, eles recusaram o projeto -- era grande e prolixo demais, foi a síntese básica da recusa.

Antes de ir a uma segunda editora, decidi que, como marinheiro de primeira viagem, eu deveria levar a sério o que esses caras estavam dizendo. Com muita dor no coração, pus-me a cortar parte do original. Pelo menos umas 60 páginas foram embora no processo. Em alguns pontos, deu dó. Mas, no geral, devo dizer que a cirurgia foi um sucesso e o manuscrito ficou numa forma ainda melhor para a publicação. Posso dizer, sem medo de errar, que essa recusa inicial transformou um livro razoável, do ponto de vista literário, num produto muito melhor.

Com a segunda versão debaixo do braço, fui à caça de nova editora. Foi quando Marcelo Leite, então meu editor na Folha, disse-me para contatar a Globo. Lá, Marcelo Ferroni, que já havia trabalhado junto comigo no jornal, estava tentando emplacar uma série de livros de ciência e procurava novos talentos. Deu certo.

Após ler o manuscrito, a Globo decidiu publicá-lo. Mais que isso, fez um trabalho muito bacana de edição, incluindo dois cadernos de fotos coloridas, e estabeleceu um precinho camarada para o livro. (Eu desafio alguém a achar publicação de nível e acabamento igual por preço menor!)

No processo de edição, o nome foi modificado. Meu título provisório desde o início era:

Entre as estrelas: a aventura da humanidade em busca de seu lugar no cosmos

Ferroni achou que "Entre as estrelas" tinha cara de livro sobre busca de vida extraterrestre, e não era essa o caso (embora o tema, naturalmente, seja abordado). Matutamos os dois um bom tempo, até que ele veio com a sugestão definitiva: Rumo ao infinito.

Curiosamente, ele tirou a expressão do próprio livro. Logo no começo do primeiro capítulo, eu escrevo: "Espero que você aprecie a companhia e a viagem que faremos nas próximas páginas, rumo ao futuro e ao infinito."

Quanto ao subtítulo que ficou, a idéia foi minha, num tom um pouco menos solene e mais vibrante: Passado e futuro da aventura humana na conquista do espaço.

Fechamos contrato em meados de 2004, e o livro chegou às lojas em 20 de julho de 2005 -- exatos 36 anos após o primeiro pouso lunar feito por humanos. Não dava para achar a data ruim.