Revista macroCOSMO
julho de 2005

Rumo ao infinito

Salvador Nogueira possivelmente é conhecido por todos aqueles interessados em astronomia, afinal é ele quem assina as matérias referentes a este assunto escritas para o jornal Folha de S.Paulo. Comecei a ler seu primeiro livro, que estou a resenhar, com certa cautela. Se por um lado sou leitor já de longa data de seus artigos de jornal, sabemos que escrever um livro é uma tarefa um "pouco" mais árdua. Não raro bons articulistas não são felizes ao tentar escrever uma obra de grande porte. Este sem dúvida não é o caso de Salvador Nogueira.

Rumo ao Infinito tem uma prosa leve e fluente típica de um jornalista, mas apresenta um monumental volume de dados, todos bem explicados e dissecados. O resultado é um livro gostoso de ler e ainda assim rigorosamente científico.

Em certo ponto da obra, Nogueira nos informa que Lowell, ao ler a obra La planete Mars, de Camille Flammarion, considerou esta um curso-relâmpago sobre o planeta Marte, uma vez que ali estava compilado basicamente todo o estudo feito até o período sobre o planeta vermelho. Sem dúvida podemos ver sobre a mesma perspectiva o livro aqui resenhado, se trocarmos Marte pela conquista do espaço.

Poderíamos salientar o enorme esforço que o autor realiza ao resumir esta grande epopéia em 400 páginas bem escritas, ou o fato de o prefácio ser feito pelo nosso possível primeiro astronauta, Marcos Cesar Pontes, mas vou aqui salientar alguns pontos mais polêmicos do livro, e posso não ser totalmente imparcial, já que concordo em grande
parte com as afirmações do autor.

O autor começa por fazer uma longa defesa do uso pacífico do espaço, opinião esta compartilhada pela imensa maioria dos cientistas, mas certamente não compartilhada por Bush e os chamados neoconservadores (ainda que eu não saiba o que eles querem conservar, já que não dão a mínima para o futuro das gerações ainda por vir), como bem salienta Nogueira caso os Estados Unidos persevere na intenção de militarizar o espaço, podendo levar a China ou mesmo a Rússia e a Europa a fazer o mesmo. Os aspectos nefastos desta opção, tanto para o futuro da humanidade como espécie, quanto para a ciência, são discutidos por Nogueira.

Estação Espacial Internacional, ISS, o maior e mais polêmico projeto científico já feito em conjunto entre tantas nações, inclusive com a nossa humilde e ainda assim atrapalhada participação (atrapalhada não pela competência de nossos cientistas, devemos salientar, mas pelas idas e vindas de nossos políticos na hora de liberar o dinheiro). Suas possíveis contribuições cientificas são bem polêmicas, e Nogueira não se furta a mostrar os prós e contras, mas está a favor de sua construção. Cabe ao leitor verificar se concorda ou não com ele. Eu fui convencido!

Turismo Espacial, para a maioria de nós, pobres coitados que mal conseguem fazer turismo na própria Terra, gastar 20 milhões para ir ao espaço é um sonho tão impossível quanto acertar os números da mega-sena. Será mesmo?! Ao fazer uma emocionante e detalhada comparação entre a história da aviação e da astronáutica, dando ênfase à iniciativa de Peter Diamandis de criar o Prêmio X, Nogueira parece nos dizer: "Ei cara! Não perca as esperanças, logo nós vamos embarcar numa nave sem precisar ser astronautas ou desembolsar 20 milhões".

Afinal por que não? Ao ler este capítulo específico, ficamos entusiasmados com a idéia, que até não parece tão distante assim. Espero que o autor acerte em cheio suas previsões. Eu sem dúvida daria um braço para estar numa nave destas.

Devemos voltar à Lua? Sim ou não. São duas respostas possíveis, ambas têm seus defensores, como em todo o livro um volume impressionante de informações (entrevistas com personalidades, relatórios técnicos, livros, artigos científicos) é apresentado pelo autor a fim de defender seu ponto de vista. Você quer saber se ele defende ou não a colonização da Lua? Eu não vou dizer. Mas ele se coloca a favor da expansão humana pelo Sistema Solar, você ou qualquer outra pessoa realmente acredita que isso será possível sem a colonização da Lua?

Depois da Lua, vem o quê? Se você pensou em Marte, acertou. O Planeta Vermelho é uma constante há séculos no imaginário ocidental, e sem dúvida continuará a ser por muito tempo. Devemos ir a Marte? E se formos, afinal o que vamos fazer lá? Naves não-tripuladas poderiam produzir os mesmos dados científicos por menor custo e sem botar vidas humanas em risco? Sim, devemos ir a Marte! E vamos lá primeiramente para descobrir se há vida extraterrestre por lá, e depois possivelmente colonizar o planeta. Naves não-tripuladas são úteis num primeiro momento, mas não poderão fazer todo o trabalho.

Bem mais do que se ater às respectivas idéias do autor sobre nosso futuro em relação ao nosso vizinho vermelho, é bem mais proveitoso acompanhar sua incrível capacidade de apresentar dados pró e contra essas idéias, num volume estonteante de informações recentíssimas, conseguidas em primeira mão, entrevistando os homens ligados aos projetos de colonização humana de Marte. Você pode até não concordar com a posição do autor, mas sem dúvida vai aproveitar muito os dados por ele apresentados.

As estrelas, quem nunca se deliciou com esses imponentes pontos de luz? Mas poderemos alcançá-las? Esta sem dúvida é a parte do texto mais cara ao autor. Ele é incapaz de não ser cético, mas não tenta esconder suas posições, apresentando as últimas hipóteses possíveis para alcançarmos o espaço interestelar: vela solar, antimatéria, fissão nuclear, buraco de minhoca, entre outras.

Entretanto, Nogueira vê com certas reservas as reais capacidades destas tecnologias realmente saírem do papel, assim como a possível existência de vida fora da Terra ou de planetas aptos a serem colonizados. Eu realmente devo concordar que seus argumentos são muito bons. Mas sou um otimista inveterado e gosto de acreditar em um universo super populoso, cheio de planetas iguais à Terra e que futuramente podem ser passíveis de colonização. Cabe ao leitor refletir sobre as idéias apresentadas e tomar partido.

De qualquer forma compartilho com o entusiasmo do autor pela conquista do espaço, afinal se não pelo bem da ciência, pelo menos para nos mantermos vivos como espécie, uma vez que os dinossauros já foram extintos por um meteoro, e nós podemos ser os próximos. Um programa espacial realmente forte e desenvolvido com a parceria de diversas nações pode ser a diferença entre a permanência ou não de nossa civilização por mais alguns milhares de anos.

Ao ler este impressionante livro, não temos dúvida de que nosso futuro está muito além deste pequeno planeta. Mas Nogueira é realista, vício de jornalista, por isso insiste sempre que se vamos realmente ao espaço para ficar, devemos trabalhar em conjunto, ou nossa ida a Marte pode acabar como a breve presença americana na Lua. Um ótimo marketing político, mas cancelado quando a ciência realmente começava a ser feita. É sintomático que, quando enviaram um cientista, tenham cancelado logo em seguida o programa. Afinal o interesse era fazer política e não ciência. O problema é que na primeira os resultados devem ser imediatos e na segunda estes tendem a ser de longo prazo.

Em outras palavras, a conquista do espaço demanda tantos recursos que Nogueira é taxativo, com os parcos recursos destinados hoje aos programas espaciais. É mais fácil acabarmos como os dinossauros do que como Kirk e Spock a bordo da Enterprise.

Pelo menos o leitor poderá fazer sua própria viagem de primeira classe, a bordo da nave mais fantástica já inventada pelo homem, o livro, e viajar ao lado de Salvador Nogueira. Boa leitura!


Edgar Indalecio Smaniotto é filósofo e cientista social (mestrando), pela UNESP de Marília. Astrônomo amador e escritor de ficção científica, publicou recentemente o conto: Parasitas (In: Perry Rhodan. Belo Horizonte: SSPG, 2004. V. 21), edição brasileira de livros alemães.