Scientific American Brasil
julho de 2005

Um caminho inevitável

O passado e o futuro da exploração espacial mostram que, afinal de contas, ela vale a pena

Desde o ano 2000, quando começou a escrever sobre ciência para o diário Folha de S.Paulo, o repórter Salvador Nogueira é um dos jornalistas que mais tem se dedicado a levar os leitores para longe das preocupações terrenas. A maioria das pessoas que se interessa por astronomia ou exploração espacial certamente já deparou com sua assinatura em reportagens sobre esses temas. Elas abrangem assuntos desde o combalido programa espacial brasileiro até mirabolantes especulações teóricas sobre o comportamento de buracos negros.

Em seus anos como "cosmorrepórter" (continuidade, claro, de um fascínio juvenil pelas estrelas) Nogueira colecionou dezenas de entrevistas com os mais influentes cientistas, engenheiros, astronautas e administradores do ramo espacial. Um livro escrito com base nesses arquivos poderia, em princípio, virar uma colcha de retalhos, mas sua primeira empreitada de fôlego, Rumo ao infinito, sai empacotada em um texto fluente e bem estruturado, também com material inédito. Apesar de abarcar praticamente toda a história da corrida espacial e os projetos de exploração para o futuro, o livro é basicamente um manifesto em defesa de uma idéia: vale a pena explorar o Universo.

Seria trivial defender as atividades da Nasa e de outras agências isoladamente, apenas pelo entusiasmo empreendedor, mas o autor encara tarefa mais amarga. Os presidentes americanos já deram o exemplo de que nem sempre é fácil justificar o gasto de bilhões de dólares para manter um punhado de astronautas na órbita da Terra. Imagine então defender o lançamento de foguetes no Brasil após o acidente que matou 21 pessoas em Alcântara, em 2003.

Segundo Nogueira, o que nos faz enxergar a exploração espacial com outros olhos é adotar uma perspectiva mais transcendente. Tomemos como exemplo os asteróides. O autor mostra com dados consistentes que o risco de um enorme bólido colidir com a Terra existe, apesar de ter probabilidade ainda pouco conhecida. Cientistas à procura dessas rochas errantes deixam claro que a ameaça de um grande impacto ainda não é carta fora do baralho. Aliás, ao que tudo indica, é só uma questão de tempo até que uma pedrona das maiores apareça em nossa direção. Quem sabe, argumenta Nogueira, até lá o conhecimento acumulado não permitirá alguma reação? Trabalhos científicos já especulam que poderíamos, por exemplo, levar um motor de foguete até a rocha assassina e desviá-la de sua rota. O livro mostra as idéias de alguns pesquisadores sérios que já se ocupam desse problema, mostrando quais são as soluções viáveis, seus prós e contras.

Pode parecer chantagem do autor apelar para a ameaça de catástrofe com a intenção de propagandear seu objeto de entusiasmo, mas ele não fica por aí. Há uma série de razões científicas para que mantenhamos naves e pessoas no espaço, ainda que tudo isso tenha começado com motivações militares pouco louváveis na Guerra Fria. O versátil telescópio Hubble que o diga: ele não estaria operante hoje sem as missões tripuladas de manutenção.

Ao longo do livro, Nogueira faz um bom retrospecto da história da corrida espacial e consegue mostrar por que as coisas estão onde estão hoje. Terminamos convencidos de que uma viagem tripulada a Marte é também uma questão de tempo.

Além de previsões mais próximas, Rumo ao infinito apresenta as especulações que a ciência faz para idéias como a colonização do planeta vermelho. Antes de chegarmos lá, já existem cientistas pensando em maneiras de modificar a atmosfera do planeta para torná-la respirável e com temperatura mais quente. Ironicamente, idéias como essa não parecem tão malucas se lembrarmos que estamos fazendo isso com a Terra, ao agravar o efeito estufa.

A partir de determinado ponto, porém, a questão final passa a ser outra. Depois de uma missão tripulada a Marte -- e talvez um ou outro planeta do Sistema Solar --, sobraria algo realmente bacana, e viável, para fazer? Ao final da obra, Nogueira envereda pelos trabalhos científicos que especulam sobre a (remota) possibilidade de viagens interestelares. Após esse salto de argumentação, fica mais difícil levar o assunto adiante. Basta lembrarmos que a estrela mais próxima da Terra está a mais de 4 anos-luz de distância. A essa altura, é preciso apoiar os argumentos em tecnologias inexistentes, ainda que possíveis, e no aproveitamento do efeito relativístico de encurtamento do espaço para viagens de grande velocidade. Especular sobre esse tipo de coisa provavelmente é inútil hoje, mas daqui a 1 bilhão de anos a atividade do Sol deve ficar mais forte, e pode ser que precisemos procurar outro lar.

Talvez por ser vidrado em ficção científica, Nogueira consiga discorrer sobre esse tipo de idéia popularesca em relação ao espaço, mas usando pesquisa séria como material. Cada vez que o autor se coloca em um beco sem saída, uma entrevista com algum cientista rebate o ceticismo, ou pelo menos adia o sepultamento de uma idéia. Se há receio quanto à qualidade da informação, basta saber que o livro recebeu o endosso do astronauta brasileiro Marcos Cesar Pontes, ainda em treinamento na Nasa, e do astrônomo e divulgador da ciência Ronaldo Rogério de F. Mourão.

A empreitada espacial, ao fim, pode não garantir a duração da espécie humana pela eternidade, mas pelo menos não poderão dizer que "partimos sem lutar", ou que não nos divertimos um bocado com a ciência por trás disso tudo.

(Rafael Garcia)