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artigo em 11.dez.2000

A Série Clássica em desenho animado

Por Fernando Penteriche  

Em 1972, três anos após a Série Clássica de Jornada ter sido cancelada, a emissora de televisão NBC estava considerando lançar uma nova série do franchise, devido ao grande sucesso que a série original estava fazendo com suas reprises. Porém, de acordo com os cálculos da Paramount, seria necessário desembolsar cerca de US$ 750 mil para reconstruir os sets de filmagem, refazer os figurinos e o resto das bugigangas (feisers, tricorders etc.).

Como os gastos de produção seriam proibitivos, acabou surgindo a idéia de criar uma versão econômica do seriado, no formato de desenho animado. De todos os produtores de animação que conversaram com Gene Roddenberry, Lou Scheimer e Norm Prescott, da empresa Filmation Associates, foram os que finalmente o convenceram para dar o pontapé inicial no projeto.

A razão que fez Roddenberry optar pela Filmation foi porque a empresa foi a primeira que garantiu que poderia fazer uma série animada exatamente nos padrões da Série Clássica, sem a adição de figuras características dos desenhos que eram exibidos nas manhãs de sábado nos EUA, como animais falantes bonitinhos ou crianças espertinhas.

Roddenberry escolheu a sua antiga secretária e roteirista de diversos episódios da Série Clássica, Dorothy (D.C.) Fontana, como produtora associada e editora de roteiros. Ela acabou por trazer vários escritores de episódios da série original de volta, incluindo David Gerrold ("The Trouble with Tribbles"), Margaret Armen ("The Paradise Syndrome"), Samuel Peeples ("Where No Mas Has Gone Before") e Stephen Kandel (autor de "Mudd's Women" e "I, Mudd", que acabou fazendo mais um episódio para o personagem na nova série animada: "Mudd's Passion").

As dificuldades de reunir o elenco original para as gravações das vozes na nova série trouxeram alguns problemas técnicos. O saudoso DeForest Kelley reclamou na época que como em muitos episódios os atores gravavam suas participações em diferentes datas e em diferentes estúdios, atrapalhava muito a interação entre os personagens.

Do elenco original, todos estavam de volta, menos Walter Koenig (Chekov). Mas mesmo sem seu personagem, Koenig contribuiu para a série, escrevendo um dos episódios, intitulado "The 
Infinite Vulcan"
. Majel Barret (enfermeira Chapel) e James Doohan (Scotty), além de seus personagens, ainda dublaram diversos alienígenas. O motivo para atores em mais de um papel e a ausência de Walter Koenig foi a falta de verba, pois para ter todos os atores originais envolvidos nas dublagens, os desenhos tornaram-se a série de animação mais cara da época. A falta de dinheiro pôde ser sentida também na animação propriamente dita. Enquanto desenhos de 24 minutos ao estilo Disney requeriam mais de dezessete mil desenhos individuais, a Filmation criou para cada episódio de Jornada cerca de cinco a seis mil desenhos individuais. Rostos, poses e sequências de animação com membros da tripulação andando ou correndo foram extensivamente 
reutilizados episódio após episódio para conter despesas, resultando em cenas repetitivas e exaustivas de se assistir.

Através de animação seria muito mais fácil incluir tripulantes alienígenas bem esquisitos. Um exemplo é o novo navegador da Enterprise, tenente Arex, um humanóide de três braços e três pernas dublado por James Doohan.

A equipe de animação fez a ponte da Enterprise idêntica à da Série Clássica, exceto por ter mais um turboelevador, que nunca havia aparecido antes. Os demais compartimentos da nave, como sala de teletransporte e corredores, também seguiram fielmente o que foi mostrado na série original.

Tudo estava no lugar. Vozes corretas, cenários fieis, a confiável Enterprise em sua missão de cinco anos e mais algumas boas surpresas. E em 8 de setembro de 1973, exatamente sete anos após a estréia da série original na TV americana, "Jornada nas Estrelas - A Série Animada" debutava na telinha, em um sábado de manhã, às 09h30, um horário voltado exclusivamente para crianças.

Devido à qualidade dos desenhos animados da época, muitos críticos louvaram a série. O "Los Angeles Times" disse algo como "a série animada de Jornada nas Estrelas é um Mercedes em uma corrida com carrinhos de rolemã". O "Washington Post" achou "fascinante", porém se perguntava se os roteiros não eram elevados demais para o público alvo, as crianças, e a revista especializada em ficção-científica "Cinefantastique" deu a entender que via a série como "um drama com interesses humanos, justamente o que faz as séries com atores de carne-e-osso serem tão interessantes às vezes". A revista ainda disse que as crianças achariam a série "terrivelmente enfadonha".

Porém, embora a intenção de todos fosse a melhor possível, a crítica reconhecesse o bom trabalho, e o programa ainda tivesse ganho o Prêmio Emmy de melhor série para crianças, essa versão de Jornada acabou sendo a mais curta da história do franchise, com apenas duas temporadas (1973-1974) e 22 episódios.

Uma ponte entre as séries

A série animada de Jornada foi uma verdadeira ponte entre a série original e os futuros filmes e séries do franchise. Muitos elementos futuros foram introduzidos através dos desenhos. O holodeck apareceu em "The Pratical Joker", o primeiro tripulante nativo-americano (como Chakotay, de Voyager) foi visto em "How Sharper Than a Serpent's Tooth", o T de James T. Kirk foi revelado como sendo "Tiberius" em "Bem".

A ponte da Enterprise na Série Clássica tinha apenas uma saída, mas na série de desenhos tinha duas, algo que foi utilizado a partir do primeiro filme de cinema até hoje em dia nas pontes de comando das naves da Federação.

Outro fato marcante foi não apenas a menção, como a participação de Robert April em um episódio. April foi o primeiro capitão da Enteprise, antes mesmo de Cristopher Pike.


"Uma voz, muitas faces..."

Como você já sabe, todos os personagens principais participaram da Série Animada, exceto Chekov. E além dos principais, alguns velhos conhecidos da série original também deram as caras. São eles: Sarek, Mudd, os Klingons Kor, Koloth e Korax, o chefe de transporte Kyle, Amanda Grayson (mãe de Spock) e Robert Wesley ("The Ultimate Computer").

A grande maioria foi dublada por James Doohan. David Gerrold (o escritor de todos os episódios com os Tribbles) dublou o Klingon Korax e Majel Barrett (enfermeira Chapel) dublou Amanda Grayson. Mark Lenard voltou a ser Sarek (pelo menos na voz) e Harry Mudd foi dublado pelo próprio ator que o interpretou na série original, Roger C. Carmel.

James Doohan trabalhou duro nesta série. Dublou nada menos do que 57 personagens diferentes, incluindo o próprio Scotty e o personagem semi-regular tenente Arex. Em dois episódios diferentes, ele fez a voz de nada menos do que sete personagens! Foi em "Yesteryear" e em "The Ambergris Element". Depois de Doohan, a lista prossegue com Majel Barrett (17 personagens), Nichelle Nichols (14 personagens), George Takei (7 personagens) e o escritor David Gerrold (3 personagens). Quanta economia!!!

Já que a animação permitia muitos personagens novos, por que não preencher a Enterprise de veículos auxiliares para todas as ocasiões? Além da nave auxiliar Galileo, havia também naves auxiliares para todas as ocasiões, incluindo uma aquática ("Aquashuttle").


Vale ou não vale?

A Série Animada é canônica, ou seja, ela pode ser considerada como parte de Jornada para efeitos de cronologia? Os autores do livro Star Trek Cronology, Michael e Denise Okuda, dizem que não. No livro, que é sem dúvida a melhor fonte de informações cronológicas oficiais de Jornada, a série de desenhos não é considerada, apenas com uma exceção, o episódio "Yesteryear". Ele foi utilizado para determinar o ano de nascimento de Spock, já que conta uma passagem da infância do Vulcano. Okuda diz que, como não havia mais nenhuma fonte de confiança, ele optou por utilizar as informações de "Yesteryear", tornando algumas de suas referências canônicas.

Na introdução de seu livro, Michael Okuda tenta explicar: "O show é considerado controverso no que diz respeito a ser considerado oficial ou não para fins cronológicos. Argumentos convincentes existem de ambos os lados, especialmente se levarmos em consideração que Gene Roddenberry e D.C. Fontana estavam ativamente envolvidos no planejamento e na produção. Por outro lado, algum tempo depois do final da série, Gene acabou expressando arrependimento sobre algumas coisas que aconteceram na série animada, e instruiu a Paramount a não considerar os episódios como parte do universo oficial de Jornada nas Estrelas."

E os Okudas não incluíram os desenhos em seu livro, excetuando-se "Yesteryear", por falta de opção.

Quais seriam os fatores que levaram Gene a desconsiderar a Série Animada na cronologia de Jornada?

Curt Danhauser, um dos maiores conhecedores desta série, tem uma opinião:

"Eu acredito que três episódios em particular foram os responsáveis pela série animada ter sido considerada "não-canônica". Um deles é "The Slaver Weapon", um excelente episódio, mas que conta com a participação de personagens de outro universo que não é de Jornada. É um universo criado pelo escritor deste episódio, Larry Niven, conhecido como "Larry Niven's Known Universe". Roddenberry não gostou nada de ver raças e tecnologias de outro autor entrando em sua obra.

"O outro episódio é "The Terratian Incident", outra boa história, porém a idéia de ter toda a tripulação miniaturizada é muito ridícula e não-científica para tornar esse episódio "canônico".

"E por fim, "The Infinite Vulcan" apresentou clones gigantes sem nenhuma explicação plausível no episódio. Estes estranhos conceitos dificilmente seriam aceitos em uma série com atores de carne e osso, e é provável que o desejo de Gene Roddenberry fosse que Jornada nas Estrelas fosse lembrado pelos produtores de Hollywood como um show sério, e não como um desenho (às vezes) bobinho demais até para crianças.

"Mas na minha opinião, esse pensamento de Gene não deve impedir que os fãs abracem a Série Animada, e desfrutem dos episódios."

Se for por falta de qualidade, o que dizer do filme para cinema "Jornada nas Estrelas V", do 1º ano da Nova Geração, de Voyager e principalmente do 3º ano da Série Clássica? Nenhum destes deve ser considerado canônico então?

Roddenberry se arrependeu dos roteiros que aprovou no passado, com clones gigantes, estrelas pretas em espaço branco e coisas do gênero. Mas por mais que seja o criador de Jornada (e muitas pessoas o ajudaram a fazer Jornada, a parcela de Gene não é tão grande assim), ele tem o direito de renegar uma parte importante do franchise? Afinal, muitos elementos saídos dela perduram até hoje, e inclusive existem episódios das novas séries que fazem menções a muitos dos desenhos.

Vejamos um interessante exemplo: em um episódio do 7º ano de Deep Space Nine, "Once More Unto the Breach", o Klingon Kor mencionou ter servido a bordo de uma nave de batalha Klingon de nome Klothos. Kor comandou a Klothos no episódio da Série Animada "The Time Trap". Temos também citações a fatos ocorridos nos desenhos em episódios como "Displaced" de Voyager, "Tears of the Prophets" e "Change of Heart", de Deep Space Nine. E claro, a tecnologia do holodeck, já citada neste texto, que foi introduzida em um episódio de 1974 da Série Animada.

São fatos, e fatos são incontestáveis. No meu pensamento a Série Animada deve ser considerada canônica, a despeito do que Roddenberry queria.


Curiosidades

Para terminar, aqui estão algumas curiosidades da Série Animada. Infelizmente não há previsão de tão cedo vermos esse pedaço da história de Jornada em nossa TV. Nem nos Estados Unidos a série está sendo exibida. Hoje em dia, a única forma de assistirmos aos desenhos é através de fitas que a Paramount lançou, ou através de laserdiscs...

Quem tiver a oportunidade, não deixe passar em branco, pois valerá a pena, nem que seja para relembrar a época em que tudo o que existia da saga de Jornada nas Estrelas eram os 79 episódios "live-action" e seus 22 filhotes animados.

Você sabia que:

Quando os tripulantes da Enterprise desciam em um planeta que não suporta vida humana, muitas vezes eram utilizados "cintos de suporte de vida". O motivo desse novo aparato era que, devido à falta de verba, ao invés de se fazer um novo desenho com Kirk e cia. andando com roupas especiais, era mais fácil reutilizar sequências de episódios anteriores, e adicionar à celula um 
pequeno desenho de um cinto.

As insígnas dos uniformes eram maiores do que as dos uniformes da série original, pois ficava mais fácil para os desenhistas trabalharem.

No episódio "The Survivor", McCoy refere-se à sua filha, Joanna. Na série original, existia um roteiro escrito por D.C. Fontana para um episódio chamado "Joanna". O roteiro, claro, nunca foi filmado. Joanna apareceria como uma hippie espacial. A história acabaria sendo adaptada para formar o episódio "The Way to Eden".

As seguintes raças alienígenas foram vistas na Série Animada:
Klingons - "More Tribbles, More Troubles", "The Time Trap"
Romulanos - "The Survivor", "The Practical Joker"
Phylosianos - "The Infinite Vulcan"
Kzinti - "The Slaver Weapon"
Orions - "The Pirates of Orion"
Dramans - "Albatross"
Kukulkan - "How Sharper Than a Serpent's Tooth"
Arretians - "The Counter-Clock Incident"

Chegou a ser cogitada uma versão mais infantil para a série, mas não foi aceita. Alguns esboços foram feitos, como este abaixo:



Por volta de 1990, a Paramount tentou vender a idéia de uma série animada com os personagens da Nova Geração, mas nenhuma emissora se interessou. Foram até feitas algumas células para a animação, e quem chegou a ver disse que os desenhos tinham muito boa qualidade. Perguntado sobre a possibilidade de um dia termos desenhos da Nova Geração, Rick Berman disse que não, pois "diluiria o franchise".

Além do tenente Arex, foi criado outro personagem bem diferente para fazer parte da tripulação da Enterprise. Era a também tenente M'Ress, uma "felinóide". Em "Jornada nas Estrelas IV", na cena do julgamento de Kirk, podemos ver alguns seres "felinóides". Eles são da mesma raça que M'Ress, segundo o pessoal da maquiagem de Jornada IV, e foram criados como uma homenagem à Série Animada.

Apenas três atores convidados da Série Clássica repetiram suas interpretações na Série Animada: Mark Lenard, como a voz de Sarek em "Yesteryear", Roger C. Carmel, como a voz de Harry Mudd em "Mudd's Passion" e Stanley Adams, como a voz de Cyrano Jones em "More Tribbles, More Troubles".

O episódio "Beyond the Farthest Star" não pôde ser exibido em Los Angeles no dia da estréia da série, em 8 de setembro de 73, pois como George Takei estava fazendo campanha eleitoral no Estado da Califórnia, nem sua imagem e nem sua voz poderiam aparecer na televisão durante este período naquele Estado.

Os seguintes episódios abaixo são derivados da série original:
- "Once Upon a Planet", sequência de "Shore Leave";
- "Yesteryear", derivado de "The City on the Edge of Forever". Também pode ser relacionado ao episódio "Journey of Babel";
- "Mudd's Passion", sequência de "I, Mudd";
- "More Tribbles, More Troubles", derivado de "The Trouble With Tribbles".

Na numeração de produção da Paramount, a Série Animada tem 23 episódios, e o nº 12 está faltando, sendo compensado ao final, pois são apenas 22 episódios. Não há registro de nenhum episódio "secreto" perdido por aí...