por Fernando Penteriche
& Salvador Nogueira



 









 

Capítulo 4 - Nadando contra a maré
A história da segunda temporada de A Nova Geraçã
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Ao final da primeira temporada da Nova Geração era nítido que, apesar de a série ter bons índices de audiência (o episódio final atingiu a terceira posição entre os programas exibidos em syndication mais vistos) algumas coisas teriam de ser mudadas para o ano seguinte.

A Enterprise-D ainda não tinha um engenheiro-chefe regular e Worf estava perdido na ponte de comando sem uma função específica e que ainda combinasse com seu estereótipo Klingon. Complicando um pouco mais as coisas, Gates McFadden, a dra. Crusher, resolveu sair da série por não estar contente com o desenvolvimento de seu personagem, e uma greve de escritores e roteiristas que durou cerca de seis meses em 1988 atrapalhou a produção da nova temporada.

Essa greve forçou os produtores a reduzirem o número de episódios da segunda temporada de 26 para 22, além de fazerem a equipe de produção desenterrar antigos roteiros de "Star Trek: Phase II", a série de Jornada dos anos 70 que nunca foi realizada.


Novos rostos

Para substituir a dra. Crusher de Gates McFadden, Roddenberry (que na época começava a perder força dentro do franchise) escalou a atriz Diana Muldaur para viver a dra. Katherine "Kate" Pulaski. Muldaur estava concorrendo com Christina Pickles pelo papel, e talvez por já ter atuado em dois episódios da Série Clássica, "Return to Tomorrow" como a dra. Anne Mulhall e "Is There in Truth No Beauty?" como a dra. Miranda Jones, tenha ganho a vaga. Diana Muldaur também foi a primeira mulher eleita presidente da Academia de Artes e Ciência da Televisão, organização responsável pelo prêmio Emmy, o "Oscar" da TV americana. Kate Pulaski tinha um temperamento muito parecido com o do Dr. McCoy, inclusive o receio dos teletransportes, algo que gerou a primeira campanha de protesto por cartas dos fãs americanos da Nova Geração.

Outro rosto novo porém muito conhecido foi Whoopi Goldberg, ganhadora de um Oscar pelo filme "Ghost", e uma das atrizes mais populares do cinema. Whoopi sempre foi grande fã de Jornada, e tinha em Uhura sua personagem favorita. Ao saber que Denise Crosby (Tasha Yar) havia deixado a série, Whoopi ficou motivada em tentar uma vaga no elenco da Nova Geração. Através de LeVar Burton (Geordi La Forge), seu amigo de longa data, Whoopi tentou entrar em contato com a produção da série para conseguir algum papel, porém foi inacreditavelmente ignorada.

Diz a lenda que Whoopi só conseguiu atenção no dia em que arrumou uma reunião com os produtores e disse: "Ei, sei que não sou uma loiraça, mas me dêem uma chance!". Assim foi criado o papel de Guinan, a anfitriã do novo "bar" da Enterprise-D, o "Ten-Forward".

O protótipo desse personagem já estava na cabeça de Roddenberry há algum tempo, mas ele o imaginava como um alienígena estranhíssimo (e masculino). Podemos dizer que a mudança foi benéfica.

Outras mudanças: Riker passou a usar barba e Worf ganhou uma nova maquiagem e uma nova faixa Klingon no peito. Deanna Troi passou a utilizar um novo uniforme e La Forge foi promovido a engenheiro-chefe. Worf também recebeu uma promoção. Agora ele seria o novo chefe de segurança da nave, substituindo a falecida Tasha Yar. Alguém tem dúvida de que Worf nasceu para esse papel? 

Diana Muldaur e Whoopi Goldberg receberam o tratamento de "convidado especial" nos créditos dos episódios. Whoopi não apareceria em todas as semanas, e não haveria motivo de colocar seu nome na abertura do episódio junto aos atores regulares. Mas Muldaur sim, porém ela declinou da oferta, preferindo o mesmo tratamento de Whoopi.

Altos e baixos

Apesar da greve de roteiristas, a reciclagem de um roteiro antigo da "Phase II" (que originou o episódio "The Child") e a busca de roteiros especulativos enviados por roteiristas antes da greve (de onde saiu o sensacional episódio "The Measure of a Man") conseguiram segurar o ritmo da temporada. E, com todas as dificuldades, a segunda temporada de A Nova Geração foi consideravelmente melhor que a primeira. E, paradoxalmente, produziu o pior episódio da série.

Essa aberração ocorreu em razão de uma filosofia de produção que acabou se provando equivocada: não houve um controle muito rígido de gastos sobre os episódios individualmente, contando com o fato de que, se alguns naturalmente custariam mais, outros acabariam naturalmente custando menos, de forma que a conta no fim do ano fecharia exata.

Isso não aconteceu. E o resultado foi que os espetáculos de valores de produção vistos em episódios como "Elementary, Dear Data" e "Q Who?" custaram na qualidade dos últimos episódios da temporada, em especial do derradeiro, "Shades of Gray", feito praticamente com um "não-roteiro" e com muitos clipes retirados de episódios anteriores. Curiosamente, o melhor diretor da série foi chamado a trabalhar nele, Rob Bowman. Ele relembra:

"Rick Berman me ligou e disse, 'Ei, temos esse episódio; é o último da temporada e queremos economizar dinheiro porque estouramos em episódios anteriores. São dois dias de preparação e dois --ou três-- de filmagem.' Eu pensei, 'Oh meu Deus, vai ficar simplesmente horrível', mas ele disse, 'Olhe, eu vou pagar um cheque completo para você fazer esse episódio!' Eu estava atravessando um divórcio na época e não ia dizer não ao dinheiro, além de ter a chance de voltar a sair com meus amigos. Eu olhei para ele como uma oportunidade; 'Quantos modos eu posso descobrir de filmar Jonathan deitado em uma mesa tendo um pesadelo?'"

Bowman já havia dirigido clássicos como "Where No One Has Gone Before", "Datalore", "Elementary, Dear Data" e "Q Who?", mas acabou ficando conhecido entre os produtores da série apenas como o "rapaz da pizza". Ele conta a história.

"Eu fui ao trailer de Jornada e conheci Bob Justman, que, como você sabe, produziu a série anterior, e ele estava surpreso com a minha idade --na época eu tinha 26", relembra o diretor. "Mas ele disse, 'bem, de toda forma, eu gosto de como você filme e estaríamos interessados em ter você fazendo Jornada nas Estrelas'. Eu estava lá com o Bob quando o Rick Berman enfiou sua cabeça pela porta e olhou para mim e disse, 'Pizza?' Eu disse, 'Desculpe-me?' e ele disse, 'Nós pedimos pizza; você é o rapaz da pizza?' e eu disse, 'Não, eu sou Rob Bowman. Eu sou seu próximo diretor, espero!'"

A vaga de Bowman estava garantida. O diretor impressionou principalmente o criador da nova série, Gene Roddenberry.

"Gene estava por lá um bocado. Depois de dois ou três dias de filmagem ele até veio ao set e me disse que ele gostou muito do material que eu estava filmando. O diretor de fotografia na época disse para mim, 'Sabe, ele nunca faz isso. Você deveria se sentir muito feliz.' Eu me senti incrível! Todos os roteiros que eu dirigi eu tinha uma reunião com Gene, e era uma honra trabalhar com ele. Eu tive sorte de estar por perto antes de ele falecer."

O carinho é o mesmo por Rick Berman, que estava lado a lado com Roddenberry na produção da série, enquanto Maurice Hurley cuidava da equipe de roteiristas. "Rick foi muito, muito bom para mim do começo até meu último episódio, e eu tenho por ele muita gratidão."

Embora Jornada tradicionalmente fosse controlada por escritores e produtores, Bowman disse ter tido muita liberdade naquela época. "Eu estava muito entusiasmado e queria ser parte integrante da série e pareceu que Rick Berman me deu um pouco mais de latitude do que a um diretor típico", diz. "Mas acho que eu me dei muito, muito bem, e Rick me protegeu e me deu muitas oportunidades para experimentar coisas e filmar a série de modos diferentes, e tentar mover a luz por lá, o que nem sempre deu certo! Mas eu senti como se minha voz importasse; eu senti que quando eu falava eu era ouvido, e que eu era parte da solução dos problemas das filmagens diárias."

Bowman acabou deixando a série após "Shades of Gray", voltando apenas uma vez na quarta temporada da série. Não foi por falta de gosto pelo franchise. "Havia muitas novas séries de TV audaciosas lá fora na época --'Miami Vice', 'Crime Story'-- e eu estava fazendo Jornada, que algumas pessoas pensavam que era meio esgotada e simples. Mas não era; era altamente imaginativa e criativa, e os produtores-executivos eram muito acessíveis. Eu pensei, 'Sou parte da história aqui; por que eu não gostaria de fazê-lo? Eu não quero ir fazer tiras e advogados.' Mas quando eu contratei um novo empresário ele disse, 'Eu não quero mais você fazendo Jornada nas Estrelas.'"

E ele não foi o único a sair.


Na equipe de produção, algumas alterações

Do staff da primeira temporada, algumas mudanças ocorreram. Talvez a mais sentida tenha sido a saída de Andrew Probert, responsável pela criação de naves, utensílios e semelhantes. Probert foi o criador da Enterprise-D, da nave Romulana e também trabalhou no primeiro filme de cinema de Jornada, fazendo a atualização do design da Enterprise original. Em seu lugar ficou Rick Sternbach, já entrevistado pelo Trek Brasilis. Junto com Michael Okuda, Sternbach criou inúmeras piadas, homenagens ou citações nos displays gráficos da Enterprise-D. Porém isso é algo que só quem está no set de filmagem poderia perceber.

A equipe de escritores poderia ter se mantido inalterada, se não fosse pela saída de Robert Lewin ("Datalore"), descontente com as constantes revisões que Roddenberry fazia em seus trabalhos, e de Hanna Louise Shearer ("When the Bough Breaks"). Hanna Louise ainda voltaria para escrever dois episódios como free-lancer. Além disso, o time sentia a falta de David Gerrold, veterano da Série Clássica que não voltou para o segundo ano.


Junto com Roddenberry, estavam de volta Rick Berman, Maurice Hurley, Peter Lauritson, David Livingston e Tracy Tormé. Tracy, que tinha o título de "co-editor executivo de histórias", foi rebaixado para "consultor criativo" após um conflito com Maurice Hurley sobre o roteiro de "The Royale". Na verdade, a rusga tinha sido apenas a gota d'água.

Quando entrou para a equipe de roteiristas, no início da série, Torme conseguiu um acordo com o criador para não participar das reuniões dos roteiristas ou rescrever roteiros. Ele só trabalhava sozinho e tinha um compromisso de escrever três roteiros por temporada.

E ele não queria escrever qualquer coisa. "Na minha mente, durante o primeiro ano, um dos problemas com a série foi que ela jogou muito com a segurança e foi tímida no que estava fazendo. Havia um tipo de visão geral conservadora --'Melhor não a fazermos muito engraçada ou estranha porque isso pode afastar as pessoas'. Esse conservadorismo foi carregado para a segunda temporada. Eu definitivamente tinha a noção de que eu queria sacudir o barco. Eu sentia que não era algo desleal o que eu queria fazer, porque a maioria dos episódios estavam sendo bolas rápidas baixas no centro. Eu pensei que se eu atirasse umas bolas de curva, eu estaria fazendo um serviço à série. Isso não era o que a série seria toda semana, então por que não fazer algo que era um pouco diferente?"

Na primeira temporada, seus três roteiros foram "Haven", o campeão "The Big Goodbye" e o controverso "Conspiracy" (que foi rejeitado pelo líder da equipe de roteiristas Maurice Hurley, mas Torme conseguiu usar sua relação próxima com Roddenberry para fazê-lo ser filmado).

Quando começou a segunda temporada, os produtores decidiram mudar o personagem da médica para introduzir mais conflito entre os personagens. Torme tinha suas próprias idéias sobre a mudança: "Eu fiz uma forte sugestão para uma raça de alienígenas que é conhecida pela honestidade absoluta todo o tempo. Para eles, contar até uma mentirinha é tão ruim quanto contar uma mentira monstruosamente grande. Eu achei que seria interessante ter um médico que sempre vai dizer a verdade sobre seu status como paciente e sobre o que eles pensam de você. Eu defendi isso porque pensei, 'Não vamos simplesmente trazer outro médico humano. Vamos fazer algo que, só por sua natureza, irá causar alguma controvérsia e conflito.' Eu realmente senti que teria sido uma coisa ótima se eles fizessem mas a idéia não teve nenhuma receptividade e nunca foi seriamente considerada."

Seu primeiro roteiro durante a segunda temporada deveria ter sido um episódio com Spock, mas ele foi arquivado quando eles não puderam contratar Leonard Nimoy (o que acabou acontecendo no quinto ano, com outra história).

"Eu ia escrever o episódio do Spock. Isso teria sido algo que eu realmente teria gostado; seria divertido fazer a ponte entre as duas séries. Eu até escrevi o que eu acho que teria sido uma história incrível, mas, por alguma razão, ela caiu de lado e eu a afastei. Ia voltar ao Guardião da Eternidade."

Em vez disso, seu primeiro roteiro do segundo ano foi "The Schizoid Man". Algumas mudanças ao roteiro foram feitas por Hurley, incluindo a remoção de uma cena em que Data é careca como Picard (no começo do episódio, Data acaba com uma barba como a de Riker), mas Torme ficou basicamente satisfeito. As mudanças feitas em "The Schizoid Man", entretanto, eram um prelúdio para o que viria depois, gerando muito conflito entre ele e Hurley.

Seu episódio seguinte era "The Royale". Seu roteiro era bem diferente da versão final filmada; em sua história o hotel era baseado nas memórias de um astronauta moribundo (e não em um livro) e o astronauta aparece como um personagem. Muitas mudanças foram feitas no roteiro, a última delas tendo sido a remoção do astronauta, o que revoltou Torme a ponto de tirar seu nome e usar um pseudônimo.

"Eu realmente achei que ia funcionar. Eu me lembro de pensar, 'Esse vai ser um episódio de torcer a mente'. Eu adorei seu surrealismo. Eles fizeram uma grande diretriz na época --'Não queremos grandes papéis convidados. Queremos nos concentrar em nossos personagens'. Então o astronauta se tornou um esqueleto e tudo sobre ele na história tinha sumido. Essa foi a maior coisa com que tive problema nas rescritas; ele era o coração da história para mim. Peça por peça, quando via essas rescritas no roteiro, eu só pensava, 'Oh meu Deus', porque era tão diferente. Foi aí que 'Keith Mills' surgiu. Eu achei muito doloroso. Eu não acho que tenha visto todo o episódio, porque eu não acho que poderia ter terminado de ver."

Seu roteiro final foi "Manhunt". Novamente, houve grandes mudanças no roteiro, principalmente nas cenas de Dixon Hill, e de novo ele usou um pseudônimo. Após sua experiência com "The Royale", ele nem se dedicou muito a "Manhunt" e nunca viu o episódio.

"Eu realmente não me atirei de corpo e alma nele. Eu tinha de fazê-lo porque estava sob contrato. Eu sabia que essa coisa não seria feita do jeito que queria, então eu basicamente não me apeguei a ele como eu fiz com 'The Royale'. Eu usei um pseudônimo diferente como um outro protesto. É interessante, porque no Sindicado dos Escritores você pode ter dois pseudônimos e então eles estão com você pelo resto da sua vida. Essas são os únicos roteiros que 'Terry Devereaux' e 'Keith Mills' escreveram antes de sumirem da face da Terra!"

No fim da segunda temporada, Maurice Hurley saiu da série, e Berman pediu a Torme para voltar, mas ele decidiu que era hora de partir. Olhando para trás ele tem boas recordações. "Eu me diverti. Tive uma bela experiência lá."

Ele tem elogios para distribuir a Rick Berman. "Ele tem uma incrível capacidade de manter tudo nos eixos e ele teve um papel central em conduzir a série por alguns tempos difíceis."

Mas a pessoa que mais impactou Torme foi Roddenberry. "Minha relação com Roddenberry teve um grande efeito em mim e mudou o curso da minha carreira em muitos modos. Ele tinha muita afeição por mim e realmente me colocou sob sua asa. Muito cedo ele me disse que sentia que eu estaria criando minha própria série algum dia, e ele me mostrou os benefícios de fazer isso. Isso realmente despertou meu interesse em criar meu próprio programa, o que eu não acredito que eu teria feito se não fosse por isso. Devo muito a ele."

Depois de deixar Jornada, Torme tornou-se co-criador de "Sliders" e foi produtor-executivo da série pelas duas primeiras temporadas.

Repartindo as trilhas

A música dos episódios do segundo ano ficou a cargo de Ron Jones ("The Best of Both Worlds") e de Dennis McCarthy ("Jornada nas Estrelas - Generations"). Ron ficava com os episódios "pares" e McCarthy com os "ímpares".

Durante a segunda temporada, a Nova Geração recebeu as seguintes indicações para o prêmio Emmy: 

- Desenho de produção por "Elementary, Dear Data"
- Vestuário por "Elementary, Dear Data"
- Efeitos visuais por "Q Who?"
- Maquiagem por "A Matter of Honor"
- Penteado por "Unnatural Selection"
- Mixagem de som em série dramática por "Q Who?"
- Edição sonora por "Q Who?"

Apesar de tantas indicações, a Nova Geração não ganhou nenhum Emmy naquele ano.

Essa temporada apresenta diversos episódios interessantes, sendo os melhores "Q Who?", "A Matter of Honor", "The Measure of a Man", "The Emissary","Elementary, Dear Data", "Contagion", "Time Squared" e "Peak Performance". E o um dos piores episódios de Jornada também está presente por aqui. É "Shades of Gray", o último da temporada, que praticamente é um show de flashbacks. Culpa da greve dos roteiristas? Talvez. 

De toda forma, ainda faltava cumprir a promessa de ultrapassar o nível de qualidade atingido pela Série Clássica. Mas tudo mudaria na temporada seguinte...