Enterprise
Temporada 1

Análise do episódio por
Salvador Nogueira



 









 

MANCHETE DO EPISÓDIO
Malcolm Reed e a nave  Enterprise
recebem um merecido upgrade 

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Sinopse:

A Enterprise está instalando um retransmissor subespacial para permitir contato em tempo real com a Terra, quando uma nave alienígena se aproxima. Archer tenta contatá-la, mas os estranhos partem, sem ao menos dar uma resposta. Diante da tentativa fracassada de primeiro contato, o capitão passa a se dedicar a uma outra tarefa --descobrir o prato predileto do tenente Reed, que faz aniversário no próximo dia 2 de setembro.

A pedido do capitão, Hoshi Sato localiza os pais de Reed, que estão morando na Malásia. Archer entra em contato com os dois, mas a comunicação não é muito frutífera: não só eles não sabiam o que Malcolm mais gostava de comer, como nem sequer sabiam qual era a função de seu filho a bordo da Enterprise.

Após a tentativa fracassada, Archer passa a tarefa a Hoshi Sato. A alferes tenta obter as informações procuradas contatando a irmã de Malcolm e seu melhor amigo na Frota Estelar, mas os dois também não conseguem dar nenhuma informação. Ao que parece, Malcolm é tão introvertido que ninguém consegue realmente saber quem ele é e do que ele gosta. T'Pol sugere a Hoshi que o melhor meio de conseguir a informação que quer seja falando com o próprio oficial de armamentos.

Enquanto isso, a nave alienígena faz uma segunda aparição. Ela não responde aos chamados, como da outra vez, mas agora toma uma postura agressiva, atacando a Enterprise. A nave sofre uma pane de diversos sistemas, inclusive o motor de dobra. Dois alienígenas invadem a nave e conduzem alguns experimentos em tripulantes humanos. Archer chega a tempo de evitar que eles morram, mas seu ataque contra os invasores é inócuo. Mesmo assim, eles decidem fugir.

Sem capacidade de dobra, o capitão começa a se preocupar pela segurança de sua nave. Ele decide pedir ajuda aos Vulcanos, mas é impossível estabelecer contato com o Alto Comando, pois os alienígenas destruíram os retransmissores subespaciais recém-colocados pela Enterprise.

Com dois de seus tripulantes em estado grave na enfermaria, Archer começa a questionar a decisão de ter partido da Terra apressadamente para levar o Klingon Klaang a seu mundo natal, e decide voltar à Estação Júpiter para instalar os canhões de fase que deveriam ter sido colocados em funcionamento antes da partida. Malcolm Reed e Charles Tucker insistem que não há necessidade de dar meia-volta, e que a tripulação da Enterprise seria capaz de fazer a instalação apropriadamente. Archer, inseguro por suas decisões anteriores, quer voltar à Terra mesmo assim, mas autoriza os dois a iniciarem os procedimentos de instalação.

Reed e Tucker convocam sua equipe e coordenam trabalho dobrado entre os tripulantes para colocar os canhões de fase em estado operacional o mais brevemente possível. Depois de horas e horas de esforço, eles acabam conseguindo. Enquanto a Enterprise se prepara para fazer o primeiro teste do equipamento, em uma lua desabitada, Hoshi Sato tenta se aproximar de Reed no refeitório para descobrir seu prato predileto. A oficial de comunicações usa como pretexto o fato de querer convidar o tenente para uma refeição em seus aposentos, o que Reed interpreta como um "encontro". Os dois ficam muito constrangidos pela situação, e Hoshi decide que essa não é a melhor abordagem para conseguir a informação.

Em uma última tentativa, ela procura Phlox, que já teve várias refeições com o tenente no refeitório. O médico não oferece muitas pistas com suas lembranças dessas ocasiões, mas acaba por recordar que Reed tem alergia a uma enzima encontrada comumente em abacaxis, mas toma injeções regularmente para não ter problemas com o consumo da fruta. Finalmente Hoshi tem alguma informação relevante a reportar ao capitão, que pretende fazer um jantar-surpresa para o tenente. 

Chega o momento de os canhões serem testados. Archer pede apenas um disparo leve, para destruir apenas a porção superior de uma montanha da lua sobre a qual a Enterprise está orbitando. Quando Reed dispara os canhões, a potência vai ao máximo, o que faz com que a montanha seja praticamente destruída. Ao perguntar sobre o ocorrido, Archer é informado de que o incidente ocorreu por uma sobrecarga do sistema. T'Pol comunica ao capitão que há leituras anômalas na baía de shuttles dois.

Archer, T'Pol, Tucker e Reed vão até lá e descobrem um equipamento deixado pelos alienígenas, que está conectado e monitorando todos os seus sistemas --e provavelmente foi a causa da sobrecarga. O capitão manda um "recado" aos alienígenas por meio de seu equipamento, dizendo que fará tudo que for necessário para defender a Enterprise. Em seguida, destrói a peça.

Nesse momento, a nave hostil volta a aparecer, novamente atacando a Enterprise. Com os canhões de fase operacionais, Archer responde fogo, mas não tem sucesso contra os agressores. Ele pergunta a Reed se não seria possível causar uma outra sobrecarga nos canhões, produzindo o mesmo efeito devastador de antes. Reed e Tucker fazem as modificações no equipamento e realizam nova sobrecarga. O disparo derruba os escudos da nave inimiga.

Em seguida, dois torpedos disparados pela Enterprise acertam em cheio o alvo, fazendo com que os alienígenas batam em retirada. Com o teste mais do que bem-sucedido dos novos equipamentos, Archer decide que é desnecessário voltar a Terra e segue em frente em sua missão de exploração. Ele, Reed e Tucker comemoram na sala de armamentos, tomando um chopp, quando Hoshi chega ao local com um contêiner. Ela diz ser a peça que o capitão pediu e quando abre a caixa, tira de dentro um bolo, com os dizeres "Feliz anivérsário, Malcolm". O tenente fica constrangido, e ao mesmo tempo surpreso, ao descobrir que o recheio do bolo é de sua fruta preferida --abacaxi. E a Enterprise segue viagem.

 

Comentários:

"Silent Enemy" é uma excelente oportunidade para conhecermos o ambiente a bordo da Enterprise. O enfoque está muito mais sobre os tripulantes da nave, seus relacionamentos, sua rotina e seu modo de trabalho do que sobre o que está acontecendo fora da nave. A presença dos alienígenas hostis serve só como combustível para alimentar a evolução dos personagens.

Quem mais sai ganhando dessa vez é o oficial de armamentos da Enterprise, Malcolm Reed. Não só a audiência aprende detalhes factuais de seu passado, como por exemplo a data de seu aniversário (2 de setembro), mas também há a revelação da verdadeira personalidade do armeiro, algo mencionado na bíblia da série, mas pouquíssimo trabalhado até então.

O que descobrimos é uma pessoa verdadeiramente introvertida, com poucos amigos, que acaba, talvez por timidez, mantendo suas relações interpessoais estritamente profissionais. Aliás, ao que parece, Reed vive para seu trabalho.

Esse trabalho de desenvolvimento com o personagem consegue ser bem mesclado ao enredo do episódio, de forma a não transformar a história em uma mera coleção de situações biográficas de Reed (aliás, de episódios significativos de sua vida pregressa temos até pouco), mas ainda assim dando incrível vida ao oficial de armamentos.

Em termos simples, fica provado que um episódio voltado a personagem não precisa ser necessariamente desprovido de ação e de um enredo mais convencional. Na verdade, fazer os personagens reagirem a uma dada situação, em vez de simplesmente reagirem uns com os outros, quando bem executado, é o melhor meio de fazê-los crescer.

Foi nesse contexto que Archer também saiu ganhando. Sua preocupação com o lançamento prematuro da Enterprise e o fato de suas decisões (certas ou errados) poderem custar a vida de seus tripulantes começam a pesar sobre a consciência do capitão. Sua decisão de voltar à Terra para providenciar a instalação dos canhões de fase mostra um amadurecimento por parte dele --e uma evolução por parte dos roteiristas.

Pode ser que Archer, ainda mantendo sua personalidade bem-humorada, possa estar caminhando para ganhar um estilo de comando mais complexo e desenvolto, próximo ao que o capitão Christopher Pike mostrou no primeiro piloto da Série Clássica, "The Cage". A preocupação de Archer com os riscos que impôs a seus tripulantes aparece de forma aguda em "Silent Enemy", e mostra que o capitão tende a ser mais do que "o cara que toma as decisões erradas", como às vezes pareceu em episódios posteriores a "Broken Bow".

O episódio também fornece insights interessantes na própria Enterprise, em termos operacionais. É curioso observar a coordenação das equipes para a instalação dos canhões de fase, feita por Reed e Tucker. A reunião da equipe, conduzida pelos dois, dá um belo clima sobre como é o trabalho a bordo da nave. Também é introduzido um fator competitivo interessante entre os engenheiros de bordo e a equipe da Estação Júpiter. A vontade de Reed e Tucker de ter o trabalho feito totalmente pela equipe da nave, sem depender dos engenheiros do complexo da Frota Estelar, mostra uma coisa ou duas sobre o espírito humano do século 22, que depois seria diluído nos séculos seguintes.

"Silent Enemy" também marca como o primeiro episódio que se propõe a desenvolver duas tramas paralelas, que se costuram no final, estilo muito utilizado em Deep Space Nine. O enredo principal, claro, tem a ver com a ameaça constante dos alienígenas hostis que atacam a Enterprise. A trama secundária envolve a "missão" de descobrir o prato predileto do tenente Reed. Com esse padrão, foi possível fazer melhor uso dos personagens secundários --principalmente Hoshi Sato, a designada pelo capitão à "investigação". Apesar de ser uma tarefa pouco importante, ela ajuda a dar destaque à personagem. E, se não fosse por outra coisa, já valeria sua participação pela cena que ela tem com Reed no refeitório. A tentativa de descobrir o prato favorito dele convidando-o para comer em seus aposentos e o constrangimento do tímido tenente ao achar que Hoshi estava interessada nele garante boas risadas.

Em compensação, Phlox, T'Pol e Mayweather passam o episódio praticamente esquecidos. O primeiro ainda consegue participar ativamente da trama secundária, ainda que pouco. T'Pol faz figuração. E Mayweather, nem isso. O pobre alferes e piloto da Enterprise não conseguiu aparecer nem na comemoração do aniversário de Reed, mostrada ao fim do episódio, que reuniu todos os outros oficiais seniores humanos na sala de armamentos.

Uma cena interessante, que provoca uma risada até involuntária, ocorre quando os tripulantes da Enterprise na ponte começam a se contorcer após ouvir a suposta "comunicação" alienígena --um zumbido de alta intensidade. É impossível ver Archer e seus colegas tampando os ouvidos desesperadamente e não se lembrar de sequências semelhantes tão comuns em episódios da Série Clássica. É um dos momentos em que é impossível não lembrar a maior afinidade de Enterprise com a primeira série de Jornada do que com as produções posteriores.

E por falar nos ataques à nave, os tais "inimigos silenciosos" aparentemente não vieram para ficar. Sua representatividade enquanto personagens foi tão pouco marcante que até para instruírem a Enterprise a se render eles utilizaram uma gravação feita pelo próprio Archer. Criados totalmente por computador, os alienígenas cinzas podem até ser bonitos, mas estão longe de ser os precursores de uma raça importante e cativante no universo de Jornada nas Estrelas. Depois de apanharem da Enterprise, eles provavelmente não voltarão nunca mais à série.

O que vai ficar é certamente o mais novo upgrade da nave --os poderosos canhões de fase. Precursores dos bancos feisers do século 23 e 24, esses canhões são realmente impressionantes. Caíram muito bem à série, e deixaram a Enterprise muito menos indefesa. Apesar de serem uma boa adição (até em efeitos visuais, como se pode ver nesse episódio), talvez eliminem um dos fatores mais interessantes da série --a fragilidade da nave. Mas tudo vai depender de como os roteiristas vão lidar com o equipamento. Foi interessante a Enterprise precisar de uma sobrecarga para vencer os alienígenas, mas é bom que o recurso não seja utilizado todo dia. Até porque tivemos de lidar com uma dose de tecnobaboseira um pouco acima do limite saudável nesta sequência.

Tecnicamente, o episódio conta com a hábil direção de Winrich Kolbe. Os efeitos especiais abundam no episódio, que conta com alienígenas feitos por computador, destruição de montanhas em crateras lunares e tomadas mais bonitas do que nunca da NX-01, mas o fator que mais se destaca em termos de pós-produção é a música.

Não que ela seja perfeita, mas tem uma coisa que poucas trilhas sonoras das séries modernas de Jornada têm: presença. Algumas vezes isso funciona negativamente, principalmente nas cenas da primeira tentativa de contato com a nave alienígena. Mas há momentos em que ela eleva as tomadas a um outro nível, como na invasão alienígena e no momento em que a Enterprise vai testar os recém-instalados canhões de fase. O crédito vai todo para o compositor Velton Ray Bunch.

No fim das contas, o episódio ainda traz uma discussão interessante sobre a necessidade de se aceitar riscos quando se lida com exploração espacial. A abordagem do tema é muito mais aproximada da dos nossos astronautas contemporâneos do que de Kirk, Picard, Sisko ou Janeway, ajudando mais uma vez a estebelecer um estilo próprio para a série e nos lembrar de que Enterprise é muito mais contemporânea do que as outras séries do franchise.

 

Citações:

Mary Reed - "The Reeds have been navy men for generations."
("Os Reeds foram homens da Marinha por gerações.")
Stuart Reed - "Until Malcolm decided to join Starfleet. I suppose the ocean wasn't big enough for him."
("Até Malcolm decidir se juntar à Frota Estelar. Eu suponho que o oceano não era grande o suficiente para ele.")

Archer - "I thought you were going to upgrade this."
("Pensei que você ia atualizar isso.")
Tucker - "That is the upgrade. Would you want, I could change the color..."
("Essa é a atualização. Se quisesse, eu poderia mudar a cor...")

Archer - "Well... It is being nice talking to you. Let's do this again sometime."
("Bem... foi ótimo falar com vocês. Vamos fazer isso de novo qualquer hora.")

Archer - "This time, we won't be leaving before we are ready."
("Desta vez, não sairemos até estarmos prontos.")
Tucker - "Are your ears a little pointer than usual?"
("Suas orelhas estão um pouco mais pontudas que de costume?")

Tucker - "In the old days, astronauts were in rockets with millions of liters of hydrogen burning under their seats. Do you think they said, 'Gee, I'd love to go to the Moon today, but it seems a little risky'. I think if you ask anyone on board whether they thought this mission was worth the risk, you'd get the same answer from everyone of them."
("Nos velhos tempos, os astronautas ficavam em foguetes com milhões de litros de hidrogênio queimando sob seus assentos. Você acha que eles diziam, 'Cara, adoraria ir à Lua hoje, mas parece meio arriscado'. Eu acho que se você perguntar a qualquer um a bordo se eles acham que essa missão valia a pena, você teria a mesma resposta de todos eles.")

Archer - "I assume you've planted that device because you wanted to learn more about us. I'd be happy to give you a quick lesson. We're not here to make enemies. But just because we are not looking for a fight, it doesn't mean we'll run away from one. You may think you've let us defenseless, but let me tell you something about humans: we don't give up easily. We'll protect Enterprise, anyway we can."
("Presumo que vocês plantaram esse aparelho porque queriam aprender mais sobre nós. Eu fico feliz em dar uma liçãozinha rápida. Não estamos aqui para fazer inimigos. Mas só porque não estamos procurando briga, não quer dizer que fugiremos de uma. Vocês podem pensar que nos deixaram indefesos, mas deixe-me dizer uma coisa sobre humanos: não desistimos fácil. Protegeremos a Enterprise, do jeito que pudermos.")


Trivia:

int.jpg (476 bytes) Apesar de ser o 11º episódio produzido, e os eventos por ele descritos acontecerem antes de "Cold Front", "Silent Enemy" foi exibido depois, como o décimo segundo da série. A ordem foi restaurada aqui para manter coerência cronológica.

int.jpg (476 bytes) Dominic Keating chegou a comentar brevemente o episódio antes da exibição. "Temos um episódio vindo aí, 'Silent Enemy', onde damos uns belos chutes no traseiro", disse.

int.jpg (476 bytes) A atriz britânica Jane Carr (Mary Reed) já apareceu em várias séries americanas, como "Becker" e "Murphy Brown", além de ter interpretado a mulher de Lomdo Timov, no episódio "Soul Mates", de "Babylon 5". Guy Siner (Stuart Reed) é famoso no Reino Unido por sua participação na comédia da rede BBC "Allo Allo", como o tenente Huber Gruber. Ele também já teve papéis em "Babylon 5" e "Dr. Who". Paula Malcomson (Madeline Reed) apareceu em filmes como "The Green Mile" e "A.I. - Inteligência Artificial". John Rosenfeld (Mark Latrelle) é um dos dois únicos atores desse episódio a ter aparecido antes em Jornada, tendo interpretado um técnico em "Friendship One", de Voyager. Ele também já fez participações em "ER" e "Buffy the Vampire Slayer". Robert Mammana (engenheiro) já apareceu como um segurança da Voyager em "Workforce".



Ficha técnica:

Escrito por Andre Bormanis
Direção de Winrich Kolbe
Exibido em 16/01/2002
Produção: 012

Elenco:

Scott Bakula como Jonathan Archer
Jolene Blalock como T'Pol
John Billingsley como Phlox
Anthony Montgomery como Travis Mayweather
Connor Trinneer como Charlie 'Trip' Tucker III
Dominic Keating como Malcolm Reed
Linda Park como Hoshi Sato

Elenco convidado:

Jane Carr como Mary Reed
Guy Siner como Stuart Reed
Paula Malcomson como Madeline Reed
John Rosenfeld como Mark Latrelle
Robert Mammana como engenheiro

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