A Nova Geração
Temporada 6

Análise do episódio por
Salvador Nogueira



 









 

MANCHETE DO EPISÓDIO
Q acompanha Picard em uma jornada
que fala muito sobre cada um de nós

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Sinopse:

Data Estelar: desconhecida.

Gravemente ferido em um ataque Lenariano, Picard vai parar no que parece ser um limbo claro e vazio, enquanto Beverly luta para salvar sua vida. Lá, ele encontra Q, que informa o capitão de que ele está morto e de que essa é a vida após a morte --e que Q é Deus. Picard se recusa a acreditar que ele está morto, ou que Q possa ser alguma forma de ser supremo. Mas Q está determinado a provar o contrário. Ele mostra a Picard o que o matou: seu coração artificial, que falhou. O capitão imediatamente sente um arrependimento por seu passado impetuoso, em que entrou numa briga e perdeu seu coração natural. Ele admite que, dada a oportunidade de viver tudo de novo, ele faria as coisas de modo diferente.

Q aproveita a deixa para dar uma nova chance a Picard. O capitão subitamente volta a ser um jovem alferes em 2327 e Q dá a ele a oportunidade de reviver seu passado e evitar a briga que fez com que ele perdesse seu coração. Se ele for bem-sucedido, ele voltará ao presente com seu coração real intacto, e a história da galáxia permanecerá a mesma. Se não, ele morrerá naquele presente e passará a eternidade com Q.

Inicialmente, Picard foi esfaqueado quando ele alterou uma mesa de jogo para ajudar seu amigo da Frota Estelar Corey a se vingar de um Nausicaan que trapaceou no mesmo jogo um dia antes. Como ele quer evitar esse conflito, Picard tenta convencer Corey a não enfrentar o Nausicaan. Corey joga do mesmo jeito, o Nausicaan trapaceia e vence, e Corey naturalmente pede a Picard que o ajude a se vingar. Mas Picard se recusa, apoiado por outra amiga chamada Marta, provocando revolta em Corey.

Picard também muda seu comportamento com relação a Marta. Antes só amigos, agora ele passa a noite com ela. Mas, pela manhã, ela teme que tenham arruinado sua amizade. Quando Picard, Marta e Corey se encontram naquela noite, a tensão entre os três está no máximo. Então as coisas pioram, quando três Nausicaans aparecem e provocam o grupo, na esperança de iniciar uma briga. Picard vê os Nausicaans se preparando para sacar suas armas e rapidamente derruba Corey no chão para evitar que a briga ocorra. Mas, como Corey e Marta não entendem as ações de Picard, eles vêem a ação como traição e se afastam desgostosos, dizendo a Jean-Luc que eles não são mais amigos. Q parabeniza Picard por ter mudado seu destino, e o capitão é devolvido ao presente. Entretanto, ele retorna à Enterprise como um tenente júnior. 

Segundo Q, tudo continua como deveria ser --as mudanças no presente de Picard refletem as mudanças que ele fez na juventude. Mas Picard é incapaz de trabalhar como um oficial de astrofísica de baixa patente. Desorientado pela falta de respeito que ele precisa enfrentar nas mãos de seus ex-subordinados, ele fala com Troi e Riker sobre suas chances de avanço, e fica chocado ao ouvir que, embora ele seja um oficial bom e confiável, ele não se destaca. Desesperado, Picard chama Q e implora para que possa restaurar tudo ao que era antes e morrrer, em vez de viver como um homem sem importância. Q concorda e permite que a briga de 2327 ocorra. Entretanto, no momento em que Picard é esfaqueado no coração, ele acorda na enfermaria, cercado por Beverly, Worf e Riker. Apesar do trauma, Picard sente gratidão por Q, que deu a ele uma chance de entender por que ele é a pessoa que é hoje.

 

Comentários:

"Tapestry" não é só um roteiro extremamente inspirado; é uma lição de vida. Diferentemente de muitos episódios de Jornada, ele não é meramente alimento para uma discussão filosófica. Mais que isso, ele transmite uma mensagem que é aplicável a todos nós, independentemente do que fazemos ou em qual século estamos. Picard pode estar no século 24, mas é tão humano quanto qualquer um na audiência, e sofre as mesmas angústias que qualquer um.

Se arrepender de coisas que se fez no passado é algo que todos os humanos compartilham. "Tapestry" nos ensina, de forma muito mais contundente e inteligente do que o faz o filme "Jornada nas Estrelas V: A Última Fronteira" (que chega a tocar no tema, mas tropeça no enredo perdido demais para se concentrar no que realmente importa), que nossos erros do passado constroem nossos acertos do futuro.

Picard se esqueceu de que a pessoa consciente e responsável que ele é no presente só veio a existir porque ele foi audaz e inconsequente no passado --foram os erros que o ensinaram a ser audacioso, mas cuidadoso. Quando ele tenta converter seu passado em sua concepção de ideal do presente, se vê em uma vida absolutamente medíocre, não passando de um tenente júnior especializado em astrofísica. Como ele mesmo coloca, ao puxar um fio solto de sua vida, toda a tapeçaria se desmanchou diante de seus olhos.

É uma mensagem e tanto, e uma que não agride o telespectador com o típico moralismo trekker que costuma incomodar de vez em quando. O trabalho é contundente, mas não óbvio. Ninguém realmente espera o que está por vir --todos são enganados, junto com Picard, acreditando que o melhor seria realmente evitar o esfaqueamento que levaria o então alferes a usar um coração artificial. A conclusão da mudança naquele evento é, por consequência, tão arrebatadora para Picard quanto para o resto da audiência.

O uso de Q nesse episódio é provavelmente o melhor em toda a série. O personagem sempre mostra o seu melhor quando se torna um vilão ambíguo, que na verdade quer transmitir uma lição à humanidade ou a seu "amigo" Jean-Luc. Foi assim em "Q Who?" (da segunda temporada) e é agora em "Tapestry". Essa faceta de Q certamente o faz muito mais interessante do que a caracterização de "malvadão onipotente" que marcou "Encounter at Farpoint", "Hide and Q" e "True-Q", por exemplo.

Esse episódio inspirou muitos fãs ao longo dos anos a defender uma versão de Jornada nas Estrelas ambientada na Academia da Frota Estelar. Vale lembrar que essa defesa é altamente falaciosa. O episódio só funcionou porque tínhamos um Picard velho tendo que atuar no lugar de seu contraparte novo. Fossem todos realmente os alferes daquela época, o enredo não passaria de um "Barrados no Baile" espacial, com aventuras e desventuras de jovens que brigam com Nausicaans e paqueram mil garotas. Curto e grosso, seria intragável.

Somente a adição de um componente extra (a maturidade de Picard) foi capaz de colocar as coisas fora dos eixos e tornar o episódio dramaticamente interessante (além, é claro, de tudo se passar em um ambiente "post-mortem" e de todas as consequências para o futuro do capitão).

Patrick Stewart tem uma atuação excepcional como Picard, e John de Lancie também é mágico como Q. Os dois juntos têm uma química que é difícil de quebrar. E numa situação dessas, tudo funciona maravilhosamente. Não há o que criticar. O episódio é todo só dos dois, mas é tudo de que realmente precisamos.

A execução é perfeita, lembrando obras cinematográficas. Além da qualidade extraordinária da maquiagem dos Nausicaans (que depois seriam "amaciados" em Enterprise), a cena do esfaqueamento de Picard é espetacular. Quando da primeira vez vemos que o capitão gargalha ao ser esfaqueado, ficamos de sobreaviso quanto ao possível "payoff" da situação. E ele vem, quando Picard tem uma segunda chance e restabelece sua briga com os Nausicaans, restaurando o futuro que ele conhece. O conceito e a execução lembram muito o clássico do cinema "A Última Tentação de Cristo", só adicionando à qualidade do episódio.

"Tapestry" é para ser visto e revisto --certamente disputa o prêmio de melhor episódio da Nova Geração. É um drama humano com o qual qualquer um pode se identificar, em um contexto totalmente além da capacidade dos programas não-sci-fi. Para parafrasear outro grande episódio da série, "Tapestry" agrega "o melhor dos dois mundos". Espetáculo.

 

Citações:

Q - "Welcome to the afterlife, Jean-Luc. You're dead!"
("Bem-vindo à vida após a morte, Jean-Luc. Você está morto!")

Picard - "Q, what is going on?"
("Q, o que está acontecendo?")
Q - "I told you. You're dead, this is the afterlife, and I'm God."
("Eu já lhe disse. Você está morto, essa é a vida após a morte, e eu sou Deus.")
Picard - "You are not God!"
("Você não é Deus!")
Q - "Blasphemy! You're lucky I don't cast you out or smite you or something."
("Blasfêmia! Tem sorte por eu não expulsá-lo ou castigá-lo ou algo assim.")

Picard - "No. I am not dead. Because I refuse to believe that the afterlife is run by you. The Universe is not so badly designed."
("Não, eu não estou morto. Porque me recuso a acreditar que a vida após a morte seja controlada por você. O Universo não é tão mal projetado.")

Trivia:

"Tapestry" foi baseado em uma fala de Picard do episódio do segundo ano, "Samaritan Snare", em que ele diz a Wesley Crusher que tem um coração artificial.

A briga de Picard com o Nausicaan era parte de um outro roteiro, chamado "A Q Carol", um episódio baseado em "A Christmas Carol", de Charles Dickens. Nesse roteiro Q dava a chance a Picard de consertar alguns "erros" que cometera na vida, entre eles a briga com o Nausicaan, a chance de criar uma família, evitar que Jack Crusher fosse morto na USS Stargazer e fazer as pazes com seu irmão, Robert Picard.

Desde o episódio-piloto, "Encounter at Fairpoint", este é o primeiro episódio com Q que não contém no título um trocadilho com o nome da entidade onipotente, como "Hide and Q", "Q Who?", "Deja Q", "QPid" ou "True-Q".


Ficha técnica:

Escrito por Ronald D. Moore
Direção de Les Landau

Exibido em 15/02/1993
Produção: 141

Elenco:

Patrick Stewart como Jean-Luc Picard
Jonathan Frakes como William Thomas Riker
Brent Spiner como Data
LeVar Burton como Geordi La Forge
Michael Dorn como Worf
Gates McFadden como Beverly Crusher
Marina Sirtis como Deanna Troi

Elenco convidado:

John de Lancie como Q
Ned Vaughn como alferes Cortan "Corey" Zweller
J.C. Brandy como alferes Marta "Marty" Batanides
Marcus Nash como o jovem alferes Jean-Luc Picard
Clint Carmichael como um Nausicaan
Rae Norman como Penny Muroc
Clive Church como Maurice Picard
Majel Barrett-Roddenberry como a voz do computador

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