Como é escrito um roteiro em Jornada

Este texto tem por objetivo oferecer uma visão breve e sucinta sobre o ponto de partida de qualquer episódio de Jornada: o seu roteiro.

1 - Introdução
2 - Como é escrito um roteiro em Jornada?
2.I - Pitch
2.II - História
2.III -  Road Map
2.IV - Break Session
2.V - Primeiro Rascunho
2.VI - Segundo Rascunho à Produção
3 - Algumas curiosidades sobre o processo de redação 


 









 

 

 

 

 

 

 

 

1 - Introdução

O texto está dividido em duas partes. A primeira descreve passo a passo o processo de escrita de um roteiro de Jornada (sem entrar em detalhes da formatação de um roteiro e muito menos em como escrever um roteiro de conteúdo profissional) e a segunda traz um apanhado de curiosidades a respeito desse processo (por vezes não se limitando a ele, ainda que não tentando entrar demais no extremamente complexo problema logístico de uma produção de TV). 

Na primeira parte foi feito um esforço de colocar alguns exemplos mais concretos para melhor ilustrar o processo de escrita de roteiros em Jornada. A segunda parte é intencionalmente mais vaga, geral e sem conclusão, uma coleção de idéias associadas ao tema, meramente procurando abrir caminho para posteriores questionamentos.

Questões tais como "Como escrever um bom roteiro para um episódio de Jornada nas Estrelas?" e "Como analisar um episódio de Jornada nas Estrelas?" não serão tratadas aqui. Apesar deste conteúdo ter sido escrito tendo a produção de Jornada em mente, grande parte dele se aplica igualmente a uma produção de uma série de TV qualquer.

2 - Como é escrito um roteiro de um episódio televisivo de Jornada nas Estrelas?

Em condições absolutamente, ideais sua confecção segue as seguintes etapas: 

I. "Pitch" ("Idéia"): Tudo começa com uma conversa entre um "roteirista" (da equipe da série ou não) e um "produtor" (o seu "contato"). Joe Menosky (em um sabático na Itália na época) descreveu o que acabou por se transformar no episódio "Dramatis Personae" (da primeira temporada de DS9), em um minuto ao telefone com Michael Piller (criador e então produtor-executivo da série de Sisko e cia.). 

"Tem esta matriz telepática, que toma o controle da tripulação, e que revive uma milenar disputa pelo poder", disse Menosky, ao que Piller respondeu: "Ok, eu compro". Isso constitui uma "venda" ("sale"). 

É claro que este primeiro passo se torna deveras transparente se o roteirista é membro da equipe da série, onde temos idéias aparecendo e sendo aprovadas e rejeitadas continuamente nas reuniões de equipe. Um outro desvio ocorre quando o citado "contato" necessita da aprovação de um superior, tipicamente um produtor-executivo, para "comprar uma idéia".

II. História: Após a "venda", o dado "roteirista" vai escrever uma história em seis páginas com espaçamento duplo e formato livre, não muito detalhada -- essencialmente o seu "pitch", mais os comentários do seu "contato". Inicialmente pode ser algo do tipo: "enfatize mais este personagem do que este" (por exemplo: trocando o elenco dos personagens, regulares ou não, a serem utilizados para desenvolver um dado conceito sci-fi considerado interessante pelo "contato"). Daí se entra em um primeiro "loop", em que o "roteirista" vai refazendo a sua história e trazendo para o seu "contato" (e diretamente ou indiretamente para os colegas de equipe dele) oferecer novos comentários, algo do tipo: "Isto funciona, isto não". Quando esta seqüência de rescritas converge adequadamente, o "roteirista" vai para a próxima etapa.

Essa fase também acaba se tornando transparente se o roteirista em questão é membro da equipe. Ele traz o seu trabalho e recebe notas dos seus colegas para a história e retorna na reunião de equipe seguinte com as sugestões incorporadas ao seu material. E daí sucessivamente até a história "estar funcionando".

Uma situação curiosa vista, por exemplo, na produção de "Far Beyond the Stars", da sexta temporada de DS9, é aquela em que os produtores rejeitam uma história externa e sugerem uma idéia diferenet para o free-lancer, que daí produz uma nova história, seguindo o processo como descrito aqui a partir deste ponto.

III. "Road Map" ("Caminho das Pedras"): Com base no produto final da etapa anterior, o "roteirista" vai produzir uma descrição passo a passo do episódio, caracterizando (de forma bastante breve) cada cena e o que acontece em cada uma delas. Aqui já podem ser feitas estimativas de custos e identificação de futuros problemas logísticos. Também falhas estruturais podem ser detectadas de uma forma mais eficiente neste ponto do que com somente a história na mão. O "Road Map" é um texto mais enxuto que o da história. 

IV. "Break Session": Aqui o "roteirista" faz a apresentação do seu "Road Map" em um quadro negro (ou equivalente) para toda a equipe de roteiristas da série. É a parte mais difícil do processo, onde muitas vezes o episódio toma uma direção diferente da original. Surgem muitas discussões acaloradas nessas reuniões e mesmo brincadeiras e acessos de gargalhadas. Após o término da "Break Session" (que pode durar até uma semana, com reuniões diárias de seis horas), constrói-se um "road map modificado", seguindo à próxima etapa. 

Se um roteiro não funciona de forma alguma e é jogado no lixo, um primeiro nível de controle de danos é implementado dentro da própria equipe de roteiristas em que as três primeiras etapas do processo de escrita de roteiro são postas de lado e um "road map" é produzido do zero dentro de uma "break session" especial e um novo roteiro é escrito tendo este novo "mapa" como base. Exatamente isto ocorreu, por exemplo, com o episódio "In the Pale Moonlight", da sexta temporada de Deep Space Nine.

V. Primeiro Rascunho: Um roteirista é designado então para escrever um primeiro rascunho do roteiro, baseado no "Road Map modificado" da etapa anterior, e se este for um roteirista diferente daquele que ofereceu o "Pitch" inicial, o "roteirista" original receberá apenas o crédito de história ("Story by"). Se o roteirista original for designado para escrever o primeiro rascunho, ele continua concorrendo (e dificilmente não irá receber ao menos um deles, pois o dinheiro para o pagamento deste trabalho precisa sair de algum lugar) ao crédito de roteiro ("Teleplay by") e mesmo ao crédito completo ("Written by"). Nesta etapa um "Road Map" de três páginas é transformado em um roteiro de 60 páginas. O roteiro é escrito em formato padrão da indústria através de algum tipo de programa formatador. O crescimento do texto se dá devido à necessidade de serem colocados os diálogos, bem como as descrições detalhadas de cada cena e outras informações, desde o número de extras em uma cena específica até a pronúncia de certas "palavras alienígenas". 

Dependendo da carga de trabalho da equipe de roteiristas da série na época, um roteirista externo pode ser contratado especificamente para escrever um roteiro baseado em um dado "road map modificado".

A política é sempre ter a idéia original creditada no episódio, mesmo que a história tenha sido brutalmente modificada e mesmo totalmente desconsiderada pela equipe da série. Algo que vai além da já mencionada necessidade financeira, entrando também no terreno da cordialidade profissional e da reputação do roteirista.

VI. Segundo Rascunho até a produção: O roteirista designado traz o seu primeiro rascunho e se entra em mais um "loop", no qual ele vai recebendo notas da equipe e trazendo novas versões do roteiro até o início da pré-produção (PREP) do episódio. Dificilmente um roteirista free-lancer irá além do primeiro rascunho. Então, normalmente um roteirista da própria equipe vai tomar conta do roteiro do segundo rascunho em diante e dificilmente receberá algum crédito por isto (foi isdo que aconteceu, por exemplo, com René Echevarria com relação à escrita do episódio "The Visitor", da quarta temporada de DS9; apesar do seu papel fundamental no sucesso de tal episódio, foi Michael Taylor -- na época free-lancer e que depois trabalharia na equipe da série Voyager -- que recebeu o "Written by" pelo episódio, mesmo tendo escrito apenas o primeiro rascunho). É este "tutor" que dará conta de algum imprevisto de última hora. 

A concepção de um episódio pode ser abandonada em qualquer uma destas etapas, sendo mais difícil quando a PREP já começou. Quando isto ocorre, e um episódio precisa ser produzido de qualquer forma e não existe outro que possa tomar o seu lugar no cronograma da produção da temporada, entra em cena uma das coisas mais bizarras que pode acontecer na indústria: redação de um episódio em meio às filmagens. Tal ocorrência é a direta responsável por um bom número dos piores episódios da história de Jornada.


Essas seis etapas constituem obviamente a forma como o processo é idealizado, mas, devido aos prazos apertados de uma produção de TV e muitos possíveis e completos imprevistos, podemos e de fato temos inúmeros E enormes desvios desta estrutura (alguns já comentados): uma história pode ficar na gaveta por anos (estando comprada ou não), por motivos logísticos, por exemplo, como a de "One Little Ship", da sexta temporada de DS9; elementos de duas histórias (e mesmo "pitchs") podem ser fundidos em uma só, como ocorreu em "Children of Time", da quinta temporada de DS9 e um primeiro rascunho de roteiro pode ser jogado literalmente no lixo e todo o processo pode ser retomado do "zero" -- foi isto o que aconteceu no episódio "In the Pale Moonlight", da sexta temporada de DS9, em que Ronald D. Moore reescreveu sozinho o roteiro do episódio e não recebeu crédito algum por isso (neste episódio o crédito de "Story by" foi para Peter Allan Fields e o crédito de "Teleplay by" foi para Michael Taylor, ambos trabalhando como free-lancers na ocasião). 

Examinando alguns casos extremos, é realmente incrível, mesmo considerando os inevitáveis problemas de uma produção de TV, como podem surgir tantos episódios horrorosos do ventre da Franquia, em um processo de redação a princípio tão organizado assim. Em um exercício de imaginação, cabe visualizar a "Break Session" do lamentável (segundo a maioria dos fãs) episódio "Threshold" (da segunda temporada de Voyager) com Brannon Braga falando -- "...e neste ponto Paris e Janeway viram salamandras e têm filhotinhos". É difícil acreditar que tal idéia não tenha sido eliminada à base das gargalhadas. O episódio "Threshold" é um bom exemplo, pois ele não teve nenhum problema extremo de rescrita durante a produção (como teve o episódio "Twisted", também malhado sem misericórdia pelos fãs, daquela mesma segunda temporada de Voyager), ele veio ao mundo como intencionado e isso é o mais grave da questão. 

Mesmo que não existam dúvidas de que rescritas concorrentes com as filmagens (durante a pré-produção já é um problema) sejam uma verdadeira praga que normalmente levam ao fracasso completo do episódio, cabe ressaltar que muitos episódios considerados clássicos pela comunidade de fãs tiveram roteiros escritos da forma mais atribulada e menos profissional possível, sendo um clássico exemplo o episódio "Yesterday's Enterprise" (definitivamente muito querido pelos trekkers) da terceira temporada de A Nova Geração, em que o roteiro final foi de fato escrito durante a pré-produção, que durou apenas três dias (para aproveitar uma inesperada brecha nas agendas de Denise Crosby e Whoopi Goldberg, tudo foi preparado às pressas para o início das filmagens). O "teaser" (o segmento que inicia o episódio e que precede a seqüência de abertura da série) já estava mais ou menos escrito, então Michael Piller (não-creditado), Ira Steven Behr, Ronald D. Moore, Hans Beimler e Richard Manning acabaram escrevendo, cada um, um dos cinco atos do episódio e o roteiro ficou pronto assim, literalmente "no susto" e "por comitê" e o episódio funcionou melhor do que qualquer um dos seus escribas sequer imaginava ser possível. 

Infelizmente nem sempre o talento dos envolvidos consegue resolver o problema "no braço" e segmentos absolutamente ridículos são produzidos de tempos em tempos. O processo de escrita de roteiro descrito aqui é de fato robusto e racional, mas aparentemente não é aplicado com o rigor e organização que deveria. 


3 - Algumas curiosidades sobre o processo de redação de um episódio de Jornada: 

Os interessados em escrever (e vender) para Jornada precisam ter uma licença da associação de classe dos roteiristas dos EUA, respeitar as "guidelines" vigentes (saber o que a produção está querendo e -- principalmente -- o que não está) para aquela determinada série naquele determinado período, ter acesso a alguém da produção (tipicamente via um empresário e em algumas extremamente raras oportunidades recebendo um convite associado a um trabalho anterior relacionado à Franquia, por exemplo) e precisam (como em qualquer trabalho) de talento, alguma sorte e "Q.I." (Quem Indica). 

Uma dica útil (vinda da boca de vários produtores) para uma boa "sessão de pitchs" é se especializar naqueles "conceitos bem descritos por uma única frase", os famosos "High Concepts". Despejar um grande número de "High Concepts" durante uma entrevista parece ser o melhor caminho. É complicado vender algo que é difícil colocar em poucas palavras e perder muito tempo para descrever uma única idéia tende a irritar e/ou entediar rapidamente um produtor. Um vocabulário "esperto" que mapeia rapidamente o trabalho do entrevistado em uma combinação de coisas conhecidas (exemplo absurdo: "É como 'Mister Ed' só que com Porthos falando no lugar do cavalo") também é fundamental. 

No período entre a entrada de Michael Piller na Franquia (1989) e um pouco antes da estréia de Enterprise (2001), valeu para Jornada, por iniciativa de Piller (e uma raridade em toda a indústria televisiva), uma "política aberta" de submissão de idéias em que literalmente qualquer um poderia vender uma idéia para as séries produzidas neste período. Agora a pessoa tem que pertencer formalmente e legalmente ao meio com representação sindical e de um agente. O "funil" se estreitou de forma absurda. A alegação é que a Paramount já não queria mais arcar com o volume de dor de cabeça que esta "política aberta" trazia, uma vez que se lidava abertamente com "amadores" boa parte do tempo, abrindo caminho para todo tipo de processos e a necessidade de inúmeras salvaguardas legais dos dois lados de cada "Pitch". 

É de se lamentar este "fechamento de portas", uma vez que, ao longo dos anos, muitos fãs conseguiram (ao menos tentar) vender idéias para episódios de Jornada e séries relacionadas. Jamahl "Jammer" Epsicokhan (o mais popular reviewer de episódios de Jornada da Internet) tentou vender, sem sucesso, algumas histórias para Voyager entre a sexta e a sétima temporada da série (o seu review de "Scorpion" chamou a atenção do então co-produtor executivo Joe Menoski que o convidou -- despesas por conta de Epsicokhan, é claro -- para ir à Califórnia para uma sessão de "pitchs" com o roteirista Bryan Fuller). Em um exemplo mais bem sucedido, Ashley Miller, autor dos famosos reviews de Jornada "The Good, The Bad and The Ugly" acabou indo trabalhar como roteirista contratado da série "Andromeda". 

Alguns fãs profissionais até mesmo conseguiram posições fixas e estáveis como produtores das séries de Jornada. Dentre vários exemplos (Ira Steven Behr, Robert Hewitt Wolfe, René Echevarria, Hans Beimler etc.), não é difícil achar um destaque: Ronald D. Moore. Ron entrou nos corredores da Paramount em 1989, com um roteiro na mão e uma enorme esperança no coração de poder satisfazer um desejo de criança, de tentar fazer parte do mundo mágico que o sempre fascinou e inspirou. Dez anos mais tarde ele deixou aquele mesmo estúdio com um "legítimo" Bat'leth Klingon debaixo do braço (cortesia de um espirituoso Fuller) e com uma tremenda sensação de dever cumprido (apesar dos tristes acontecimentos que levaram a sua saída definitiva de Jornada, após uma breve e tumultuada passagem pela equipe de Voyager no início da sexta temporada daquela série). São tantos clássicos escritos por Ron. Mais de 250 episódios (muitos deles entre os melhores que Jornada já pariu) com seu nome nos créditos, dois filmes de cinema, um prêmio Hugo (o Oscar da ficção científica) pelo episódio "All Good Things", três outras indicações ao Hugo (duas em um mesmo ano) e uma nomeação ao Emmy (o Oscar da TV) pelo mesmo "All Good Things" (episódio final de A Nova Geração). 

Retornando a um terreno um pouco mais técnico, além dos diferentes tipos de créditos de escrita usados e já apresentados, vale esclarecer o uso dos conectivos "&" e "and" nos créditos em geral. Tem se o seguinte para dois escritores "X" e "Y": "X & Y", neste caso "X" e "Y" formam um mesmo "time" como se fossem um único profissional (inclusive quando assumem uma posição fixa em uma dada equipe de roteiristas) e dividem uma mesma quota de pagamento e "X and Y", onde "X" e "Y" formam "times" diferentes e recebem cada um uma quota de pagamento. Combinações diversas são possíveis para três ou mais pessoas. 

Como descrito acima é fácil perceber que os créditos de escrita de um episódio são um tanto quanto enganosos. Em primeiro lugar todos os membros da equipe de roteiristas contribuem para todos os roteiros através das "Break Sessions", ou seja, o trabalho de escrita é amplamente coletivo. Mesmo que um dado roteirista "da casa" receba crédito integral por um dado episódio que ele efetivamente escreveu é muito provável que exista muito dos seus colegas em partes do roteiro dele. Por outro lado ficou também bastante claro que um roteiro "externo" somente é produzido após inúmeras modificações pela equipe. Um crédito de escrita em um dado episódio para um free-lancer quer dizer muito, muito pouco quanto ao seu real autor (ou autores). 

Observa-se nas equipes de roteiristas das séries modernas de Jornada (de A Nova Geração para frente) a ausência tanto do título de "staff writer" para roteiristas iniciantes quanto da figura do "editor de histórias" como um veterano escritor servindo de "rede de segurança" para os demais. Novatos contratados entram já com o título de "Story Editor" e seguem aproximadamente o seguinte caminho na carreira dentro da série: "Executive Story Editor", "Co Producer", "Producer", "Supervising Producer", "Co-executive Producer" e "Executive Producer". Ao atingir um dado nível na carreira, o profissional o preserva em trabalhos posteriores. Profissionais que já atingiram um dado nível na carreira entram nas séries de Jornada preservando tal nível (a menos de alguns ajustes que são observados). Profissionais que já chegaram ao nível de "Co-executive Producer" e "Executive Producer" são muitas vezes contratados apenas como consultores para cortar custos e tirá-los do processo decisório (menos responsabilidades, salários menores). Criadores (e também Adaptadores e Desenvolvedores) de séries também normalmente passam a ser consultores das mesmas quando se desligam de suas obrigações regulares típicas do dia-a-dia de produtores-executivos. Afastamentos temporários (entre outro motivos) também geram uma reversão da função a de mera consultoria enquanto durar tal impedimento. 

Importante é a função de "Roteirista Chefe" ("Head Writer") em uma série de Jornada ou de TV em geral. É ele que responde por cada aspecto criativo da série perante os executivos (de um estúdio, de uma produtora, de uma rede de TV etc.), ainda que tipicamente com a intermediação de outros produtores executivos e por vezes através de uma figura de um "Produtor Responsável Pela Produção". Ele vai dar as diretrizes a todos os chefes de departamentos (maquiagem, cenários, adereços, efeitos visuais, elenco, cinematografia, direção etc.), "Line Producers", "Associate Producers" e outros de forma que a máquina responsável pela feitura dos episódios, exatamente como em uma linha de montagem, funcione de forma organizada e de acordo com a sua particular visão e ainda fiscalizar para que tal coisa de fato aconteça. Vai ter que aprovar toda e cada decisão criativa de toda esta equipe estendida de produção. 

Obviamente a "visão" do "Roteirista Chefe" não pode contrariar aquela das pessoas que estão acima dele na cadeia de comando da série. Muitas vezes a mente criativa do programa se adapta ao que é pedido e negocia e faz compromissos com a sua visão, mas em outros casos extremos ele é demitido ou pede demissão. A verdade é que as pessoas com poder decisório (o "pessoal da grana") não têm (de fato) uma "visão" como requerida em um legítimo processo artístico-criativo. Eles enxergam o programa meramente como uma dinâmica "caixa preta" em um diagrama, em que entra dinheiro dos investidores, sai dinheiro para o funcionamento da dita "caixa" e dinheiro é produzido como resultado do seu funcionamento. Quando o balanço destas três quantidades não satisfaz aos "engravatados", eles decidem que "algo tem que ser feito" e incapazes (realmente) de dizer o que de fato tem que ser feito, eles pressionam os responsáveis pela parte criativa da série a apelarem para a tática mais rasteira possível: "Mais sexo e ação!" 

Muitas vezes um "Roteirista Chefe" é visto como uma figura romântica pelos fãs de uma dada série, uma vítima da completa falta de visão dos "engravatados" dos estúdios e produtoras, como descrito acima. Mas existem situações, menos flagrantes e por isto menos comentadas, em que ao contrário o "Roteirista Chefe" é sim o vilão da história. Não fica difícil de perceber neste ponto que direta ou indiretamente o "Roteirista Chefe" vai escrever ou reescrever cada roteiro posto em produção, podendo se tornar uma espécie de "gargalo" no processo. Não importa a qualidade e a criatividade da equipe de roteiristas que ele comanda, se as habilidades profissionais e ambições artísticas do "Roteirista Chefe" forem limitadas, isto irá restringir e definir o trabalho de toda a equipe. Este é um dos motivos para termos um mesmo roteirista com roteiros brilhantes em uma dada série, péssimos em uma outra e em algum lugar entre os extremos da qualidade em uma terceira produção. O chefe de um roteirista é (curiosamente) peça fundamental na qualidade do seu trabalho final. Um "Roteirista Chefe" tem um "espaço para manobrar" com os executivos (devido aos inúmeros aspectos criativos da produção que ele administra) que um roteirista típico não tem para lidar com ele, daí a clara e cristalina caracterização do citado "gargalo". 

Uma figura, ao contrário da pompa que recebe no cinema, apagada em termos de visão pessoal impressa no produto final é a do diretor de um dado episódio. Uma versão inicial de cada episódio é tipicamente feita pelo seu respectivo diretor e pelo "montador júnior" da produção do programa. Daí o "Roteirista Chefe" produz a sua versão (em que muitas vezes mexe bastante na montagem inicial) com o "montador sênior" para somente a partir daí o "Responsável Pela Produção" dar os últimos retoques e "decretar" o episódio como realmente finalizado.