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A nova cara de Enterprise

Como dizem por aquelas bandas, é tempo de "make or break" para Enterprise. A série adentra sua terceira temporada com a missão de fazer tudo que não conseguiu até agora -- manter a audiência interessada semana após semana.

No começo do primeiro ano, após uma estréia espetacular para a moribunda rede de TV da Paramount nos EUA, Enterprise foi aclamada como a chance de ressurreição para a desgastada franquia. A queda de audiência ao longo da primeira temporada foi paulatina, mas ao final, até mesmo as publicações especializadas consideravam a série um sucesso de público, dada a baixa cobertura e audiência média da UPN.

Mas os índices não se estabilizaram num número razoável, como os produtores torciam para que acontecesse. Em vez disso, continuou caindo consistentemente ao longo da segunda temporada, enterrando a série atrás dos pífios números obtidos por Voyager em suas últimas temporadas.

O fracasso completo de "Nêmesis" nos cinemas americanos não ajudou a restabelecer a confiabilidade da franquia e provavelmente fechou um ciclo de produções cinematográficas de Jornada nas Estrelas (se um novo ciclo será aberto no futuro e quando, é impossível prever).

Rick Berman e Brannon Braga finalmente chegaram à conclusão de que sua estratégia para recuperar o prestígio perdido com a nova série não estava funcionando. Decidiram então "reinventá-la", criando um mecanismo que em tese deveria prender o público com o passar dos episódios --um arco contínuo de histórias.

Num nível mais superficial, o que ocorre com Enterprise no início de sua terceira temporada não é muito diferente do que vimos na série de Jornada que Berman & Braga adoram esquecer, Deep Space Nine. Nunca é demais lembrar: DS9 caminhou por duas temporadas numa trilha mais ou menos incerta, até que, ao final do segundo ano, o conceito do Dominion, com seus generais e diplomatas Vortas e seus guerreiros Jem'Hadar, produziu um senso de continuado propósito a Sisko e seus comandados: defender o quadrante Alfa de uma invasão iminente.

Se há um paralelo entre o que ocorreu em DS9 e em Enterprise, então as mudanças operadas na série de Archer e cia. em sua terceira temporada são motivo de comemoração. São poucos os que questionam o incrível salto de qualidade dado pelo programa protagonizado por Sisko e seus comandados (um fenômeno que, por diferentes razões, também ocorreu em A Nova Geração, a partir do terceiro ano).

Acontece que as duas situações só são semelhantes quando se vê a superfície. Ao mergulharmos mais nos detalhes, percebemos que talvez seja muito mais o caso de temermos pelo pior -- o cancelamento prematuro da série, uma coisa que não ocorria em Jornada desde 1969.

Por quê? Simples. Em Deep Space Nine, as mudanças introduzidas a partir do terceiro ano serviram para direcionar um curso previamente estabelecido -- era uma correção de rota de algo que em nenhum momento seria abandonado. Tome por exemplo o que ocorre no piloto da série, "Emissary": a trajetória de Sisko como o emissário dos Profetas é um tema que seria consistentemente abordado até o episódio final. Num outro exemplo, a introdução da Defiant (ocorrida ao final do segundo ano) não impediu que a estação continuasse sendo o palco central dos eventos da série.

No caso de Enterprise, o que Berman e Braga fizeram foi simplesmente reiniciar a série, abandonando completamente a premissa original: as viagens de exploração da primeira nave interestelar de longo alcance da Frota Estelar. Agora, a partir de "The Expanse", a série passa a ser: a corrida da NX-01 para impedir os Xindis de destruírem a humanidade.

A não ser que alguém considere que a Guerra Fria Temporal, não a histórica missão da NX-01, seja o foco de Enterprise, é impossível dizer que estamos vendo o fluxo natural dos eventos mostrados no início da série.

"The Expanse" tem toda a cara de segundo piloto. A Enterprise volta à Terra, "reseta" sua missão, parte atualizada da doca seca (a tomada de efeito visual é a mesma vista em "Broken Bow"!) e ruma para a Expansão Délfica, onde um novo objetivo e uma nova premissa devem nortear a série.

No caso de DS9, foi uma correção e maior especificação de curso. Em Enterprise, é quase um ato de desespero.

Claramente, os produtores estão fazendo qualquer negócio para tentar revigorar o interesse pela série e restaurar os índices de audiência. Esse é o tom das modificações. Veja por exemplo a troca de uniforme e penteado de T'Pol, que agora está mais sensual do que nunca (ela é uma Vulcana, não se esqueça!). Descubra agora de onde veio isso.

Em entrevista à Associated Press, a presidente da UPN, Dawn Ostroff, declarou que Enterprise foi uma decepção no ano anterior, mas que mudanças estão previstas para a nova temporada. Segundo ela, T'Pol, interpretada pela "babe" Jolene Blalock, irá "explorar seu lado sexual". "Ela vai se soltar um pouco", diz.

Eu não tenho nada contra mulher bonita, mas, honestamente, não vejo Enterprise (ou Jornada nas Estrelas em geral) pelas formas, e sim pelo conteúdo. Esse tipo de movimento deve alienar ainda mais os fãs tradicionais, que já foram ultrajados pela retirada das palavras "Star Trek" do título. 

Mas tudo isso não quer dizer que a série vá piorar ou que devamos perder a esperança nela. Algumas vezes, um time em desespero que escala seis atacantes consegue marcar um gol e vencer uma partida. A má notícia é que, na maioria das vezes, a equipe toma o gol, em vez de fazê-lo.

Enterprise corre o mesmo risco. A nova temporada tem potencial e há uma série de histórias interessantes que podem advir da ameaça Xindi (o próprio conceito multiespecífico desses alienígenas é interessante) e de sua relação com a já apresentada (mas muito mal explicada) Guerra Fria Temporal.

Por outro lado, tudo isso vai depender da qualidade dos roteiros e das histórias. Infelizmente, o retrospecto não é positivo para Enterprise. Não que a série seja ruim -- ela é, pelo menos até agora, excessivamente "mediana". Não há muitos episódios insuportáveis, nem muitos segmentos espetaculares.

Pode até dar certo. Vou acompanhar as modificações com algum otimismo -- afinal, pela primeira vez Berman e Braga mapearam uma temporada inteira com antecedência, coisa que não era feita desde, adivinhe, Deep Space Nine, que tinha participação mínima de Berman e nenhuma de Braga. Mas não podemos nos iludir e achar que, com certeza, tem tudo para dar certo.

Para quebrar a monotonia de duas temporadas sem rumo certo, os produtores decidiram radicalizar. A introdução dos MACOs ("marines" do espaço, vindos do exército terrestre diretamente para a NX-01) deve dar uma nova dinâmica ao elenco principal, assim como a postura mais agressiva de Archer e Trip. Mais ainda do que aconteceu nas duas temporadas anteriores, Enterprise deve estar direcionada aos interessados em ação e aventura.

Se será para o bem ou para o mal, vai depender mais dos roteiristas e produtores do que de seu público. O resto é conseqüência.


Salvador Nogueira, jornalista, escreve regularmente sobre a nova série de Jornada nas Estrelas para o Trek Brasilis.