por Salvador Nogueira



 









 

Capítulo 1 - Do fim a um novo começo
A criação de uma nova série num franchise moribundo


Em meados de 1999 os fãs viviam um clima de tensão: estariam eles vivendo os últimos suspiros de um franchise moribundo? As razões que os levavam a pensar assim não eram poucas. Primeiro, o final de Deep Space Nine, que deixava para trás um vazio naqueles que se acostumaram, durante os sete anos anteriores, a acompanhar as aventuras de Benjamin Sisko e sua tripulação.

Em segundo lugar, a rápida e traumática passagem de Ronald D. Moore por Voyager. Um dos roteiristas mais aclamados do franchise e fã confesso de todas as versões de Jornada nas Estrelas, Moore havia concluído seu trabalho em Deep Space Nine e agora se juntava aos roteiristas de Voyager.

A alegria dos fãs durou pouco. O trabalho do roteirista foi visto apenas em dois episódios da série (apenas um deles, "Survival Instinct", efetivamente roteirizado por ele), pois em questão de dias desentendimentos entre ele e a dupla Brannon Braga e Rick Berman, então os produtores-executivos do programa, fizeram com que Ron deixasse o franchise.

A história nunca foi muito bem explicada, mas o que circula é que provavelmente o roteirista quis chegar em Voyager em pé de igualdade com os dois produtores --desejo que obviamente não foi concretizado. Moore se sentiu desprezado por Berman e Braga, que, segundo ele, chegaram até a realizar reuniões secretas às costas do recém-chegado. Egos à parte, quem perdeu mais foram os fãs que não tiveram a chance de ver o que Ron seria capaz de fazer com os potencialmente interessantes (mas pouco desenvolvidos) tripulantes da nave perdida no quadrante Delta.

Além disso, a audiência de Voyager continuava descendo a ladeira, depois de uma estréia espetacular em 1995 (o piloto "Caretaker" foi o episódio com maior audiência da história da rede UPN). Durante os bons e velhos tempos de A Nova Geração, a audiência média de um episódio era de cerca de 12 milhões de pessoas. Em Voyager, o número era de apenas 3 milhões.

Para completar o quadro de insegurança, o último investimento cinematográfico de Jornada, "Insurreição", havia sido uma decepção --para a Paramount (com uma bilheteria nacional que só deu para pagar o filme) e para os fãs. Os atores da Nova Geração tinham um pré-contrato para apenas três filmes. A partir de agora, uma nova tentativa exigiria difíceis negociações com cada um deles. E, com o resultado do filme roteirizado por Michael Piller, alguns duvidavam até de uma nova investida nas telas grandes.

Ou seja, tudo levava a crer que Jornada nas Estrelas estava em crise. Muitos falavam que o melhor seria acabar Voyager e dar um respiro de alguns anos para revitalizar o franchise. Os mais radicais pediam até um fim prematuro para a série, antes que completasse suas planejadas sete temporadas. E o pior: alguns temiam que a Paramount pensasse o mesmo.

Para o bem ou para o mal, não foi assim que aconteceu. Aparentemente disposta a arrancar até o último tostão da galinha dos ovos de ouro de 35 anos do estúdio, a Paramount pediu a Rick Berman e a seu fiel escudeiro Brannon Braga que criassem mais uma série de TV para substituir Voyager e dar continuidade à saga de Jornada, já desgastada por uma crise de meia-idade.

Só que Rick e Brannon não esperavam encontrar um obstáculo que se fez sentir de forma tão avassaladora, um fator nunca antes enfrentado pelos produtores do franchise. A internet.

A última vez que Berman, sucessor do criador Gene Roddenberry no comando do franchise desde 1988, sentou-se com seus comandados para criar uma série de Jornada (momento em que Voyager foi concebida), estávamos em 1994, tempo em que a internet ainda usava fraldas.

Seis anos depois, a realidade era outra. Apesar de já estarem acostumados aos boatos acerca das séries em produção (Deep Space Nine e Voyager), o pessoal envolvido com Jornada simplesmente não estava pronto para lidar com o rolo compressor de boatos que giraria em torno do novo projeto, então chamado pelo codinome "Série V".

A cada dia que passava surgia um novo suposto "conceito de Brannon Braga e Rick Berman" para a quinta série do franchise. O primeiro boato que surgiu nasceu ainda em 1999, e dizia que a Série V teria o nome "Flight Academy" e sua premissa seria algo do tipo "Academia da Frota encontra o pessoal do Top Gun". Ou seja, um grupo de cadetes envolvidos em perigosas missões de pilotagem no melhor estilo de Star Wars.

Como não colou, outros boatos foram surgindo. Ouviu-se uma história sobre a série da Enterprise-F, sob o comando de William Riker. Outra apontava outra Enterprise, no século 25. Outra trocava o século pelo 26, e uma até ousou apontar uma "nave temporal Enterprise", do século 29. Alguns outros rumores apontavam uma série com base na Seção 31, uma força da Federação composta por espiões ultra-secretos.

Essas idéias iam e vinham, ao sabor do vento, alternando-se na crista da onda. A Berman e Braga só cabia combater os rumores --negando tudo. Até a verdade. Se esforçando ao máximo para tapar os ouvidos e ignorar os rumores malucos, a dupla tentou voltar ao trabalho. Mas havia gente disposta a mais uma vez atrapalhar os planos.

Aproveitando-se da insatisfação geral com o atual estado do franchise, um grupo de fãs resolveu revitalizar um sonho aventado desde 1991: ver as aventuras de Hikaru Sulu no comando da USS Excelsior. A idéia para uma série com o capitão Sulu foi sugerida pela primeira vez por Grace Lee Whitney (Janice Rand, a ordenança de Kirk na Série Clássica e então oficial de comunicações da Excelsior). Ela apresentou sua sugestão ao até então modesto George Takei, que gostou de se ver na cadeira de capitão por mais do que os 15 minutos de fama que teve em "Jornada nas Estrelas VI - A Terra Desconhecida".

O simpático ator e político engajado, mas pouco votado (ele chegou a disputar uma cadeira no Congresso dos EUA há alguns anos, mas perdeu), acabou convencido de que uma série com ele era de fato uma possibilidade viável. Só que ninguém acreditava nela --até 1996.

Nesse ano foi ao ar o episódio "Flashback", da terceira temporada de Voyager, em comemoração aos 30 anos de Jornada. Nele, a estrela convidada era ninguém menos que George Takei, como o capitão Sulu, a bordo da USS Excelsior.

A partir de "Flashback", Takei voltou a fazer campanha para sua série. Quando esteve no Brasil, para participar de uma convenção, em setembro de 1996, Takei chegou até a ir ao programa "Jô Soares Onze e Meia", do SBT, para fazer seu lobby pela série. Apesar dos esforços, repetidos pelo ator em todas as partes do mundo, pela segunda vez, a idéia não decolou. O que nos leva de volta à internet.

Já com quase 35 anos de idade, Jornada nas Estrelas foi colecionando, ao longo do tempo, milhares de fãs insatisfeitos com a direção que o franchise estava tomando. Aproveitando-se da atual fragilidade da marca, esses trekkers usaram a rede mundial de computadores para elaborar uma campanha capaz de trazer de volta os bons e velhos tempos da Série Clássica. Mas com Kirk morto e enterrado em Veridian III (apesar de também ter surgido na época uma campanha destinada a ressuscitar o capitão mais "galinha" da história da Frota Estelar), os saudosos fãs com um senso de realidade um pouco mais apurado resolveram se agarrar ao velho sonho de Takei e criar uma campanha por "Jornada nas Estrelas - Excelsior".

Arregimentando milhares de colaboradores espalhados pelo globo, a campanha conseguiu chegar à mídia, dentro e fora da internet. Mais de mil cartas foram escritas à Paramount a fim de convencer o estúdio de que Jornada deveria voltar às suas raízes, sob a batuta de Hikaru Sulu. O próprio Takei voltou a tomar parte no esforço, declarando ao Sci-Fi Channel que adoraria atuar novamente como Sulu e chegando a vestir uma camiseta da campanha durante o Grand Slam, maior convenção de Jornada nos EUA, em abril de 2000.

Uma vez mais, apesar da dedicação e do engajamento dos fãs, parecia que a Paramount iria optar pela alternativa de Rick Berman e Brannon Braga. Foi o próprio Braga que fez questão de enfatizar que não haveria série com Sulu, aproveitando para deixar um recado a todas as campanhas promovidas por fãs.

"Eu realmente gosto do Sulu", disse Braga ao Sci-Fi Wire, site de notícias do Sci-Fi Channel. "Fizemos um episódio do Sulu em Voyager. Se vai haver ou não algum tipo de projeto com o Sulu, está fora do meu domínio. Não estou sabendo de nenhum plano para isso. Eu ficaria muito surpreso. Também existe uma campanha 'Tragam Kirk de Volta'. Algumas pessoas querem ver a Academia da Frota, algumas querem uma série Borg. Estamos de olho nessas coisas. E há uma porção de rumores e campanhas acontecendo. Mas acho que nenhuma delas irá influenciar o que estamos fazendo."

No Grand Slam de 2001, Takei aceitaria sua derrota, dizendo que os produtores haviam optado por outra premissa. O ator desejou a Rick Berman e Brannon Braga boa sorte na nova investida e saiu graciosamente de cena. Rick e Brannon haviam prevalescido, deixando claro que o fandom não seria capaz de exercer pressão sobre a força criativa da dupla.

Restava aos dois voltar ao trabalho. Que não seria fácil, diga-se de passagem. Além do poder de persuasão dos fãs, Berman e Braga enfrentavam também outra dificuldade, desta vez na outra ponta da equação: business.

A rede de TV "oficial" de Jornada nas Estrelas desde 1995, data de sua criação, é a UPN (United Paramount Network), empresa que era de dois acionários: a Chris-Craft e a Viacom (empresa-mãe da Paramount Pictures).

Até aí, tudo bem. Só que, às vezes, a entropia é a maior lei na economia. Por conta disso, a Viacom decidiu comprar outra rede de TV, a tradicionalíssima CBS. Detalhe: a legislação americana proibía que um mesmo conglomerado tivesse duas redes de televisão.

Não satisfeita com a bagunça, a Viacom resolveu acionar uma cláusula em seu contrato de sociedade com a Chris-Craft, que a partir daquele momento seria obrigada a vender sua metade na UPN ou comprar a metade pertencente à Viacom. A UPN, e com ela, Jornada, tinham um futuro incerto.



Ao fim de intensas negociações, em março de 2000 a Chris-Craft optou por vender sua metade à Viacom. Ou seja, no fim tudo começou como terminou. A legislação americana também foi modificada para permitir à Viacom manter UPN e CBS na sua lista de posses (que inclui outras "empresinhas", como a Blockbuster e a Nickelodeon).

O único resultado dessa volta de 360 graus foi um atraso no cronograma de criação, aprovação e produção da quinta série de Jornada. De início, os produtores miravam uma estréia em setembro de 2000. Ela logo foi parar em janeiro de 2001 e finalmente em setembro de 2001. E até essa data foi ameaçada por potenciais greves de atores e roteiristas. Felizmente a ameaça acabou não se concretizando, pois escritores e produtores chegaram a um acordo, em maio de 2001, desestimulando os atores a carregarem, sozinhos, uma greve que abalaria as estruturas de Hollywood para a temporada 2001/2002.

Enquanto isso, Rick Berman e Brannon Braga estavam furiosamente a rabiscar suas idéias. Quando a poeira baixou, viu-se que talvez eles de certo modo preenchessem os anseios dos fãs da Série Clássica. A próxima série, criada pela dupla e aprovada pela Paramount, seguiria a moda instaurada pelas pré-sequências de Star Wars.

Jornada, em plena meia idade, olhava para trás e relembrava a própria infância. O quinto capítulo da saga televisiva criada por Gene Roddenberry contaria o começo da exploração espacial pela humanidade, antes mesmo do surgimento da Federação Unida de Planetas.

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