André Bormanis: cientista e roteirista de Jornada

Por Salvador Nogueira

Como transformar ciência em ficção científica? Pergunte a André Bormanis. Ele iniciou sua carreira profissional como físico e acabou se tornando um roteirista de Jornada nas Estrelas. André se envolveu pela primeira vez com Jornada como consultor científico para Deep Space Nine e Voyager, mas quando Enterprise começou ele foi promovido a escritor para a série. E a mudança da realidade para a fantasia valeu a pena, pelo menos segundo seus colegas cientistas. "A maioria deles morre de inveja!", ele diz bem-humorado.

André está trabalhando a todo vapor na segunda temporada de Enterprise, em que seu primeiro trabalho é o episódio "The Communicator". Leia o que ele tem a dizer sobre a voz da série, futuros planos para o programa (ou a falta de, melhor dizendo) e o lado bom e ruim de trabalhar na série que ele apreciava desde a exibição da Clássica, em mais uma entrevista exclusiva do Trek Brasilis.


 









 

 

 

 

 

 

 

 

 
Trek Brasilis - Muitas pessoas tendem a criticar o status de Jornada nas Estrelas como um "bom programa de ficção científica", dizendo que a ciência (a base para textos de ficção científica) não é tratada consistentemente pelo show, desde a Série Clássica. Sendo tanto um escritor de Jornada como um cientista, você poderia nos dizer qual você acha que é a verdadeira relação entre ciência e Jornada nas Estrelas, e como isso se relaciona com o que podemos ver como "boa ficção científica"?

André Bormanis - Jornada nas Estrelas nunca tentou ensinar ciência, ou estar rigidamente fixada nas fronteiras da ciência como a entendemos hoje, mas claramente inspira muita gente a se interessar mais por ciência e tecnologia. Muitos dos cientistas que eu conheço e com quem trabalhei ao longo dos anos citaram Jornada nas Estrelas como uma das principais coisas que os levaram a se interessarem por ciência quando crianças. Foi certamente uma boa parte do que fez me interessar por ciência.


TB - Mais do que qualquer outra série de Jornada (até a original), Enterprise parece ser uma "série de autor", já que Rick Berman e Brannon Braga são responsáveis pela maioria das histórias da série, e muitos dos roteiros. Você concorda com isso? E, se esse é o caso, isso se traduz numa dificuldade para o escritor regular emplacar sugestões mais significativas na série?

Bormanis - Rick e Brannon claramente moldaram e guiaram essa série desde o início e são responsáveis pela maioria das histórias que fizemos. Mas a equipe de roteiristas tem uma grande dose de responsabilidade no desenvolvimento das histórias e na evolução de nossos personagens, e é claro que a equipe é responsável pela roteirização da maioria das histórias que filmamos.


TB - Ainda no mesmo tema, os roteiros de todo mundo (incluindo os seus) foram muito rescritos durante a primeira temporada pelos produtores? E qual é a situação agora?

Bormanis - Quando um roteirista termina a primeira versão de um roteiro, ele ou ela recebe notas de Rick e Brannon e faz as mudanças sugeridas. Se o roteiro ainda precisar de trabalho, Brannon irá se envolver mais diretamente. Esse é o jeito que funciona em praticamente toda série de televisão.


TB - Até agora sete episódios da segunda temporada foram exibidos nos EUA, nenhum escrito por André Bormanis. O que você pode nos dizer do trabalho que fez até agora na temporada dois? Eu ouvi dizer que "The Communicator" é seu (de novo, de uma história de Berman & Braga), isso é correto?

Bormanis - Sim, eu escrevi o roteiro para "The Communicator", e contribuí com algumas idéias importantes para a história. Estou tentando desenvolver outra história agora para meu próximo roteiro. Eu também tenho ajudado com notas e trabalhos de polimento em alguns dos outros roteiros dessa temporada, ajudando nas reuniões de "quebra das histórias", onde a equipe senta para resolver os detalhes cena-a-cena de uma história, e analisando sugestões de histórias de escritores free-lancers.


TB - Contando "The Communicator" (que parece partir de onde "A Piece of the Action", da Série Clássica, terminou), muitos outros segmentos de Enterprise parecem muito com episódios das outras séries. Apenas para citar exemplos rápidos, há "Strange New World" (meio parecido com "The Naked Time", "The Naked Now"), "Oasis" ("Shadowplay"), "Vanishing Point" ("The Next Phase", "The Inner Light") e "Precious Cargo" ("The Perfect Mate"), que parecem ser mais que apenas um déja vù. Existe uma intenção deliberada dos produtores de voltar a essas histórias apenas para reformulá-las com uma nova abordagem, usando o novo ponto de vista de Enterprise?

Bormanis - Dado que há mais de 600 episódios de Jornada nas Estrelas produzidos, seria difícil não encontrar similaridades entre episódios de Enterprise e das outras séries. A premissa de "The Communicator" na verdade veio a mim quando eu perdi meu telefone celular uns poucos meses atrás. Eu não estava pensando em "A Piece of the Action", mas claro que há um paralelo aí.


TB - Qual é sua posição a respeito da opinião dos fãs na internet? Sabemos que Braga lê alguma coisa, Berman parece não dar atenção a isso. E você?

Bormanis - Eu leio as páginas de fãs tanto quanto posso. Quando seus comentários e suas opiniões são bem embasadas, eu definitivamente presto atenção, e tento usar aquele feedback para melhorar meu próprio conceito de Enterprise em termos do que está funcionando e do que não está. Alguns dos reviews de fãs são incrivelmente inspirados. Uma mulher chamada Michelle Green, por exemplo, escreve sobre todos os episódios da série, e embora eu não concorde sempre com ela, ela escreve críticas bem interessantes e iluminadoras. Esse tipo de feedback me ajuda a ver a série de uma perspectiva diferente, o que é bem valioso para mim enquanto escritor.


TB - Estamos agora, do ponto de vista da produção, na metade da temporada dois. Você acha que Enterprise já encontrou sua voz? Ou a série ainda está procurando por seu tom e direção exatos?

Bormanis - Acho que encontramos nossa voz. Não estou certo de que possa sintetizá-la em umas poucas palavras, mas Enterprise é muito uma série sobre pessoas, exploradores, que são muito acessíveis, pessoais, nobres mas não perfeitos, de muitos modos como astronautas e outros aventureiros de hoje. Temos um foco um pouco menor nos elementos de ficção científica de viagem espacial que as séries anteriores de Jornada nas Estrelas, mas, agora que temos um senso melhor da personalidade da nossa tripulação, acho que vocês verão mais desse tipo de história. 


TB - Uma das coisas mais interessantes para os fãs até agora tem sido esse esforço de reimaginar espécies vistas ou mencionadas na série original. Fomos apresentados aos novos Andorianos, e Brannon já mencionou que provavelmente encontraremos os Telaritas em breve. Como você se sente sobre o trabalho feito até agora com essas espécies? Sobre o futuro, você acha que os Órions, ou os Tholianos, vão acabar voltando?

Bormanis - Eu adoro os Andorianos. Acho que eles são ótimos. Parte da diversão de Enterprise é a oportunidade de ver como a humanidade encontra pela primeira vez alguns dos alienígenas que se tornaram familiares à audiência nas séries anteriores. Se pudermos criar boas histórias para os Telaritas ou os Órions, estou certo de que os veremos.


TB - Chris Black foi recentemente promovido a co-produtor-executivo. John Shiban veio a bordo como co-produtor-executivo. Nesses dois casos, os títulos realmente correspondem a uma definição da função, ou é apenas um mecanismo na indústria para dar a eles maior status e salário? Em outras palavras, eles são realmente chefes seus, do Phyllis, do Mike e dos outros, ou são apenas colegas que por acaso têm um título mais alto?

Bormanis - Somos todos escritores, trabalhamos todos juntos. Brannon, claro, é o escritor principal, e Chris e John têm um pouco mais de envolvimento nos aspectos de produção da série, mas os títulos principalmente indicam experiência. Chris e John já foram escritores de televisão em tempo integral por sete ou oito anos. Mike e Phyllis estão em sua quarta temporada, e eu na minha segunda.


TB - Mesmo não sendo efetivos como produtores-executivos, ter quatro produtores-executivos formais numa série é um evento que, até onde sei, nunca ocorreu em Jornada nas Estrelas. Existe algum barulho no estúdio a respeito de algum outro projeto de Jornada, talvez uma nova série, que justificasse esse aumento na "equipe de chefes"?

Bormanis - Não que eu saiba.


TB - Tivemos vários roteiristas da primeira temporada que não estão mais na série. Perdas notáveis são Fred Dekker e o casal Andre e Maria Jacquemetton. O que aconteceu nesses dois casos? E, além deles, Antoinette Stella e Tim Finch também partiram. Em todos esses, foi decisão dos produtores não mantê-los na equipe?

Bormanis - No negócio da televisão, escritores frequentemente se mudam de série para série. É meio incomum ficar numa série por mais que uma temporada ou duas. Se um dado escritor vai ou não ficar depende de vários fatores, e eu realmente não sei de todos os detalhes sobre o porquê de certos escritores terem ficado ou partido, então não sinto que possa falar disso.


TB - Além de seu trabalho como escritor, você também serve a Enterprise como editor de histórias e, informalmente, consultor científico. Deve ser um trabalho bem intenso! Você poderia nos contar um pouco sobre como é a rotina de André Bormanis em Enterprise?

Bormanis - Na verdade não há uma rotina. Cada dia é diferente. Boa parte do tempo eu estou pensando em idéias para novas histórias. Alguns dias eu faço um pouco de pesquisa em um elemento "tech" de um roteiro. Felizmente, não fazemos tanta tech em Enterprise como fazíamos em Voyager, então isso usualmente não toma mais que um par de horas por semana. Quebras de história geralmente consomem metade de um dia por vários dias, e quebramos uma nova história a cada duas semanas, em média. Quando estou escrevendo a primeira versão de um roteiro, sou deixado em paz por cerca de duas semanas e não faço nada além daquilo. O resto do tempo é gasto fazendo anotações ou ajudando a polir roteiros conforme vamos os preparando para a produção.


TB - Enterprise parece, junto com Deep Space Nine, a série com mais potencial para mergulhar na política de Jornada nas Estrelas, dado que uma Federação Unida de Planetas deveria emergir em uma década do início da série. Na sua opinião, a série já começou a explorar esse potencial? Ela irá mergulhar mais nessas questões? Você se sente pessoalmente inspirado por esses temas (como o seu "Desert Crossing" parecia sugerir...)?

Bormanis - Eu realmente não sou terrivelmente interessado pela política da Federação. Histórias políticas tendem a ser um pouco secas e acadêmicas. Além disso, estou muito deprimido com o estado da política americana e mundial para querer entrar nesse assunto muito mais!


TB - O jeito de Enterprise está muito mais ligado com a NASA e com o programa espacial atual do que as outras séries. Quem é o grande fã da NASA na equipe de produção que continua nos alimentando com essas pistas de nossas origens no espaço, como a cena em que a tripulação de Archer responde a questões enviadas por estudantes da Terra, de forma similar a que astronautas de hoje fazem a bordo do ônibus espacial?

Bormanis - Como alguém que costumava ser pago pela NASA para fazer pesquisa de ciência espacial, assim como um beneficiado por uma bolsa da NASA, eu sou obviamente um grande fã da NASA. Assim também é nosso supervisor de artes de cenário Mike Okuda. Mike Sussman cresceu na Flórida e tem um profundo interesse no programa espacial atual. Rick e Brannon são os que queriam que nossos personagens parecessem mais com astronautas contemporâneos, e ambos são grandes apoiadores da NASA.


TB - Falando de NASA, você não acha que algumas cenas como Gagarin, a estação espacial Mir ou o Sputnik (e "Carbon Creek" não deve ser uma desculpa... ;-)) estão faltando no tema de abertura?

Bormanis - Teria sido legal ver algo do velho programa soviético, que forneceu tanto do ímpeto para o programa espacial americano.


TB - Você já era um fã de Jornada nas Estrelas antes de se envolver com a série? Se sim, como se envolver profissionalmente com ela alterou sua apreciação da série?

Bormanis - Eu adorava a série original quando era garoto, vi a maior parte de A Nova Geração quando foi ao ar, vi todos os filmes no dia da estréia. Trabalhar na série me fez apreciar o quão incrivelmente difícil é produzir 26 horas de televisão todo ano. É um milagre que consigamos fazer, o que não se dirá de fazermos tão bem.


TB - Por outro lado, como seus amigos e colegas que você fez durante sua carreira como físico viram essa sua transição, da ciência real para a ficção científica?

Bormanis - A maioria deles morre de inveja!


TB - Brannon Braga já foi considerado uma espécie de "rebelde" em Jornada nas Estrelas. Ele ainda mantém essa reputação?

Bormanis - Não estou certo de que a palavra "rebelde" seja acurada, mas ele é incrivelmente criativo e passional pela série. Ele vê Enterprise como uma oportunidade tanto de reinventar Jornada nas Estrelas para a audiência do século 21 (que ficou um pouco enjoada de viagem espacial) e levá-la de volta às origens, no espírito da Série Clássica.


TB - Agora, vamos a uma lista de perguntas dos leitores do Trek Brasilis.

Questão - Roland, de São Paulo (SP), pergunta: Ouvi dizer que Gene Roddenberry era muito seletivo para aprovar novos episódios para A Nova Geração -- o episódio precisava estar alinhado com o espírito de Jornada nas Estrelas. Como vocês, da equipe de produção, lidam com isso em Enterprise? Há um trabalho consciente para manter esse espírito? Quem parece mais preocupado com isso, Rick Berman ou Brannon Braga?


Bormanis - Rick e Brannon ambos têm respeito infinito por Gene, como todos nós. Sempre tentamos fazer episódios de que Gene se orgulharia. Espero que estejamos.


Questão - Vimos muitos Vulcanos em Enterprise. Apesar disso, nenhum deles usa aquele famoso e popular gesto de mão. Por quê? Os produtores não gostam dele?

Bormanis - No interesse de tentar ter uma abordagem nova para Jornada nas Estrelas, queremos ser cuidadosos sobre usar elementos das séries anteriores que acabaram se tornando um clichê. Os Vulcanos do século 22 não são tão abertos ou tolerantes quanto os Vulcanos das eras seguintes. Quando e se fizermos a saudação, queremos fazê-la num contexto que faça parecer especial, não rotineiro. E se você pensar sobre isso, estou certo de que Spock a fez não tantas vezes, talvez meia dúzia? Em "Fallen Hero", ouvimos V'Lar dizer "vida longa e próspera".


Questão - Embora os produtores digam que Enterprise é uma série mais "pé no chão" da família de Jornada nas Estrelas, ironicamente não vemos a Terra muitas vezes. Isso é especialmente estranho dada a missão vaga da nave. Se essa é a principal nave da Terra, eu esperaria que tivesse uma lista mais específica de alvos, missões e objetivos do que simplesmente ir improvisando no caminho, o que Archer parece estar fazendo um bocado, ao menos na primeira temporada. Há algum plano, para o futuro, de envolver a Enterprise em "tarefas" mais importantes em favor do governo terrestre, tanto dando um melhor senso de propósito para a nave como uma olhada mais significativa na posição da Terra na vizinhança interestelar?

Bormanis - O propósito da Enterprise é exploração. É a expedição de "Lewis e Clark" do século 22. Já que toda a premissa é a de que não sabemos o que há lá fora, é meio difícil ter planos mais específicos, ou tomar posse de novos (para nós pelo menos) planetas. Não queremos voltar para a Terra por um bom tempo, porque queremos que a audiência continue a ter a impressão de que a Enterprise está mais longe do que qualquer outra nave da Terra já viajou. A tripulação precisa improvisar às vezes porque quando eles deixaram a Terra, eles tinham muito pouca idéia do que esperar.


Questão - MoI, de Mogi Guaçu (SP), pergunta: Quanto vocês, da equipe de roteiristas, estudam para evitar erros de continuidade relativos a dados estabelecidos nas outras séries? Depende de cada roteirista ou tem alguém que checa os roteiros depois que os roteiristas os finalizam?

Bormanis - Nós todos tentamos prestar atenção à continuidade. Depois de cinco séries e dez filmes, é mais do que qualquer um possa acompanhar. Vamos à "Star Trek Encyclopedia" e assistimos a fitas de velhos episódios quando não estamos certos de algo, mas ainda cometemos erros de vez em quando.


Questão - Spider pergunta: Quando vamos ver um brasileiro como oficial sênior e com uma função importante a bordo da nave?

Bormanis - Nós raramente mencionamos a nacionalidade dos tripulantes. No século 22, a Terra está unificada, e nacionalidade não é uma questão tão importante quanto é hoje. Estou certo de que há pelo menos um ou dois brasileiros na Enterprise, e muitos mais na Frota Estelar. O avô de Brannon Braga, por coincidência, é português.


Questão - Lucas Sasdelli, de Belo Horizonte (MG), pergunta: Há um velho rumor desde Voyager sobre uma possível relação homossexual em Jornada nas Estrelas. Qual sua opinião pessoal sobre isso? Você acha que poderia ser uma boa? Você a escreveria? Em caso positivo, que personagens você usaria?

Bormanis - Eu esperaria que no século 22 a homossexualidade não fosse estigmatizada tantas vezes como ainda é hoje. Como é uma questão política e social no mundo de hoje, se fôssemos contemplá-la em Enterprise, provavelmente faríamos de um jeito que mostrasse a questão de algum modo interessante e inesperado. Ficaria feliz de escrever um roteiro assim, mas não estou certo de quais personagens eu iria envolver. Iria realmente depender da história.


Questão - Christian Tavares pergunta: Embora o estúdio tenha abandonado sua política de receber roteiros dos fãs, seria possível sugerir uma história que pudesse servir de inspiração ou de idéia para um episódio futuro de Enterprise?

Bormanis - Odeio desapontá-lo, mas, a menos que você tenha um agente, não podemos receber uma sugestão de história sua. Se você escreveu roteiros por si mesmo, você pode mandá-los a agentes e, se eles gostarem do seu trabalho, eles o terão como cliente. Foi assim que eu comecei.


Questão - Alen Hunka Boksic, de Maceió (AL), pergunta: A audiência de Enterprise mostra que a série não repete o sucesso atingido por outras séries de Jornada -- mesmo Voyager teve números melhores em suas primeiras temporadas. Você acha que o público já está um pouco cansado de Jornada nas Estrelas, especialmente pela promessa dos produtores de 'ar fresco' para Enterprise não ter se concretizado, dado que alguns novos episódios parecem conceitos reciclados criados para as outras séries?

Bormanis - Ouch! Na verdade, acho que nossos números este ano estão melhores que os números de Voyager nas últimas duas temporadas. Eu me preocupo menos com a audiência do que com simplesmente tentar escrever os melhores roteiros que eu puder. Com todos esses diferentes canais de cabo e satélite, há muita competição pelos telespectadores hoje em dia.


Questão - Daniel Cassús, do Rio de Janeiro (RJ), pergunta: Fazendo algumas contas a partir dos dados fornecidos pelas outras séries, alguns eventos importantes dentro do conceito de Enterprise (por exemplo, as Guerras Terra-Romulus, ou a fundação da Federação) acontecem além dos sete anos em que a série provavelmente deve se desenrolar. Isso aponta para uma possível mudança para a telona depois do fim da série, mas por ora é apenas uma possibilidade entre incontáveis outras. A questão é: até que ponto o futuro desenvolvimento da série está planejado? Claro, não falo de finales de temporada ou algo tão específico, mas o planejamento feito por temporada, como em A Nova Geração ou, lidando com uma prequel, você toma mais cuidado do que com as outras séries?

Bormanis - Nós realmente não temos um plano abrangente para a série, ou mesmo a temporada. Nós basicamente a encaramos episódio por episódio. Como um escritor, estou muito mais interessado em ver onde a série está me levando, como sua evolução está guiando minha imaginação, em vez de tentar ditar do início exatamente onde ela vai até o seu fim.


Questão - Gustavo Leão, de Los Angeles, EUA, pergunta: Com tudo que vemos em termos de design para Enterprise -- os uniformes, o efeito do transporte, a aparência geral da NX-01 e seus shuttlepods --, a série parece que foi feita para o século 24, não o 22. Eu não vejo nada relacionado ao estilo retrô das eras de Pike e Kirk, não há homenagem a Matt Jefferies ou Roddenberry, como a USS Pasteur no episódio final de A Nova Geração (um bonito tributo à classe Daedalus criada por Jefferies e adotada como a principal nave do século 22 em vários episódios de A Nova Geração e Deep Space Nine). Além desses aspectos visuais, nós também podemos citar o uso precoce de holodecks, Ferengis, Romulanos, cruzadores Klingons idênticos aos da era de Kirk... a lista continua. É possível que a Jornada nas Estrelas do século 21, numa tentativa de revigorar e re-imaginar o futuro, tenha perdido sua própria tradição e seu sentido de história e cronologia?

Bormanis - Acho que você pode ter razão em termos do exterior da nave, mas acho que o interior reflete um trabalho maravilhoso em equilibrar duas necessidades conflitantes: a) sugerir o futuro da tecnologia espacial atual, e b) sugerir uma nave que exista no passado de todas as outras. Se tentássemos fazer a nave parecer muito "retrô", correríamos o risco de fazer a série parecer um atraso com relação aos anos 1950 e 1960. Eu duvido que a tecnologia espacial Klingon evolua tão rapidamente. Como os russos, que têm voado essencialmente as mesmas cápsulas Soyuz pelos últimos quarenta anos, os Klingons encontraram um design que funcionava e ficaram com ele.


Questão - Alexandre Bortuluci, de Vitória (ES), pergunta: Você trabalhou em Jornada nas Estrelas durante as três últimas séries. Quais você acha que são as principais diferenças entre as equipes de roteiristas de DS9, Voyager e Enterprise, em termos de concepção e debate sobre as histórias durante as reuniões e durante todo o processo de produção de um episódio?

Bormanis - Não posso dizer que vejo muitas diferenças. Todos os roteiristas com quem tive a boa sorte de trabalhar foram pessoas talentosas e divertidas. Aprendi muito com todos eles.


Questão - Trabalhando como um roteirista para Enterprise, você está lidando diretamente com a organização da série e de seus episódios. Todos sabemos que os produtores tomaram algumas decisões arriscadas, como trazer os Ferengis à mistura ou trazer os Romulanos de uma forma que alguns consideraram ofensiva ao que havia sido estabelecido antes. O que você pensa do modo com que os produtores estão lidando com tudo isso? Se a decisão fosse sua, você tomaria a mesma rota?

Bormanis - Acho que lidamos com isso extremamente bem. Se fosse por mim, eu não teria trazido os Ferengis à mistura, mas eu ainda acho que foi um episódio divertido. Tomamos muito cuidado, é claro, para não revelar a aparência dos Romulanos, ou sugerir que T'Pol soubesse que eles eram primos distantes dos Vulcanos.


Questão - Qual é a melhor coisa de trabalhar para Jornada nas Estrelas? E a pior?

Bormanis - A melhor coisa é a oportunidade de trabalhar com um grupo de pessoas muito talentosas para criar histórias empolgantes e inspiradoras para nosso público. O escritor de ficção científica David Brin me disse recentemente que Enterprise é atualmente a única série na televisão que sugere que nossos filhos serão melhores do que nós, farão deste mundo um lugar muito melhor e podem fazer grandes coisas de que cada pessoa pode se orgulhar e participar. Eu acho que essa era a essência da visão de Gene Roddenberry para Jornada nas Estrelas, e estou feliz de ser parte disso. A pior parte é a pressão e as longas horas!


Entrevista realizada em 7 de novembro de 2002.