Bill Margol: Jornada em Edição Especial

Por Salvador Nogueira  

William Margol é um trekker de sorte. Trabalhando com televisão, ele conseguiu estar no lugar certo e na hora certa. Diretor de Projetos Especiais no Sci-Fi Channel americano entre 1996 e 1998, ele foi um dos que concebeu o projeto de Edição Especial da Série Clássica (Star Trek Special Edition), exibido pelo canal entre 1998 e 1999.

A Edição Especial fez de cada episódio uma apresentação de 1,5 hora, contando os bastidores da série com entrevistas e apresentações dos atores que fizeram de Jornada o sucesso que é hoje.

Para realizar o trabalho, o homem teve como triste obrigação trabalhar ao lado de gente como William Shatner e Leonard Nimoy. Agora, em uma entrevista exclusiva para o Trek Brasilis, Bill, que atualmente trabalha como Diretor de Desenvolvimento de Especiais na TNT, nos conta mais sobre como é trabalhar ao lado dos ídolos de infância e lendas vivas da série criada por Gene Roddenberry.


 









 

 

 

 

 

 

 

 

 

Trek Brasilis - Você é um fã de Jornada desde a infância. Como é de repente se ver envolvido com o seu seriado favorito e com os atores que deram vida a esses queridos personagens?

William Margol - Foi um acaso feliz, para ser sincero. O trabalho no Sci-Fi veio na hora certa na minha carreira. Sempre tive interesse em ficção científica, e isso me ajudou bastante no serviço. Em 1996, o Sci-Fi comprou os direitos da Série Clássica, e eu desenvolvi a idéia da Edição Especial junto com o Leonard Nimoy. Realmente, foi uma grande sorte ter acabado envolvido com tudo isso!


TB - Durante a produção da Edição Especial, você teve a oportunidade de trabalhar junto a vários atores de Jornada. Entre eles estava DeForest Kelley. No entanto, pouco material dele acabou indo para a tela... como ele estava?

Margol - De estava doente na época. Ele tinha acabado de passar por uma cirurgia séria um mês atrás e quando fizemos a entrevista, ele estava magro, frágil e com a voz ainda mais suave do que seu estilo habitual. Na verdade, ele nem ia fazer a entrevista, mas Leonard o convenceu de que era importante para o projeto e importante para o legado de Jornada nas Estrelas. Não tenho certeza, mas acho que foi sua última entrevista -- definitivamente foi a sua última entrevista extensa. Ele foi um dos destaques do projeto para mim, e um que eu nunca esquecerei. Ele é era um homem doce, gentil e inteligente e se dava bem com todo mundo.


TB - Ainda sobre a Edição Especial, houve algum ator ou atriz que não quis participar do projeto?

Margol - Bem, houve alguns atores convidados que não quiseram ser entrevistados sobre isso. Você tem que lembrar: como fãs, ainda os vemos naqueles papéis. Para eles, foi uma ponta que eles fizeram há 30 anos. Eles preferem ser lembrados pelo que fizeram desde então. Mas a maioria do elenco, estrelas convidadas e pessoal da equipe técnica estavam mais do que felizes em participar.


TB - Quanto custou para o Sci-Fi Channel produzir a Edição Especial?

Margol - O projeto, incluindo todos os custos de salários, produção e edição, gastou perto de US$ 1 milhão. É lamentável que a maior parte do trabalho não tenha ido ao ar. O projeto foi pego no meio da venda do USA Networks, a companhia-mãe do Sci-Fi Channel.


TB - Você trabalhou com as duas maiores lendas da Série Clássica, William Shatner e Leonard Nimoy, na produção dos roteiros para a apresentação da Edição Especial. Como foi a experiência com os dois? Com qual deles é melhor trabalhar?

Margol - Bem, para ser preciso, trabalhei com Leonard na preparação dos roteiros para os trechos dele. Quando eu terminei de pesquisar e escrever os 240 roteiros (3 para cada um dos 80 episódios) para as apresentações do Leonard, eu achei que não poderia falar mais nada sobre Jornada, então contratei um amigo para pesquisar e escrever os roteiros do Shatner. Depois, revisei esses roteiros. A experiência toda foi maravilhosa. Trocar idéias e pensamentos com eles foi uma experiência realmente única. Leonard e Bill têm modos particulares de trabalhar e foi um prazer trabalhar com eles, cada um a seu modo. Eu não seria capaz de dizer qual foi o "melhor".


TB - William Shatner tenta transmitir uma imagem de que ele gosta do franchise e dos fãs. É essa a impressão que ele passou ao trabalhar nesse projeto?

Margol - Sim, eu acho que o Bill ainda tem uma paixão por Jornada, embora eu ache que ele e o resto do elenco, para todos os efeitos, vêem Jornada pelo que ela é realmente -- um show de televisão. Eles não a idolatram como os fãs ou as analisam como especialistas. Bill é o tipo de ator que vê o que ele precisa fazer, aparece, faz direito e recebe o pagamento. Ele fez isso pelo nosso projeto. Foi divertido trabalhar com ele e ele trouxe elementos para o projeto que eu nunca poderia ter imaginado. Ele também é de deixar histérico. Ele tem um grande senso de humor e nos deixou rindo a maior parte do tempo no estúdio.


TB - Por que a sequência completa com Leonard Nimoy não foi exibida? Eu sei que você não estava mais no Sci-Fi Channel, mas você tem alguma idéia?

Margol - Bem, como disse antes, o projeto estava bem no momento da tomada do USA Networks pelo Barry Diller, um poderoso da mídia nos EUA. A nova administração aparentemente não viu o valor que a antiga atribuía ao projeto. Eu saí um pouco antes, e meu palpite é o de que eles viram o projeto como "retrô", ou não visionário o suficiente. Então eles tiraram o programa do ar antes de exibir todas as apresentações do Nimoy.


TB - Originalmente, a Edição Especial foi concebida como algo ainda maior, até com novos efeitos especiais para a série. Quais eram os planos exatos do projeto? Por que a idéia veio à superfície?

Margol - Isso não é exatamente a verdade. Nunca houve planos de refazer os efeitos especiais. Foi uma idéia sugerida logo no início do projeto como uma possibilidade, mas nós soubemos desde o comecinho que os custos seriam proibitivos. Além disso, tínhamos outras preocupações em fazer algo assim. Estávamos mais preocupados em mostrar a Série Clássica da melhor maneira possível, com novas cópias digitais e remixagem de áudio.


TB - Os novos efeitos foram abandonados só por questões de orçamento?

Margol - Como já disse, eles foram abandonados no comecinho do processo, principalmente por razões de custo.


TB - Há uma companhia chamada Digital Stream, que tem um projeto de refazer os efeitos de Jornada. O Sci-Fi Channel ou a Paramount tiveram algum contato com esse pessoal na época? Vocês viram o trabalho deles?

Margol - Não conheço essa companhia. Eu tive várias conversas com o Gary Hudsel, que trabalha nos efeitos nas séries atuais de Jornada. Ele trabalhou na recriação dos efeitos e filme para o episódio "Trials and Tribble-ations", de DS9. Gary propôs fazer a mesma coisa com toda a Série Clássica, mas todos sabíamos que seria muito caro. Não sei se o Gary está envolvido com a companhia que você mencionou.


TB - O que você acha de atualizar os efeitos da Série Clássica?

Margol - Acho que é um erro. Uma coisa é voltar e limpar arranhões, tirar marcas de pó e os problemas de contorno com fundo azul. Isso, eu vejo como restauração. Mas se você volta e substitui cenas com novos efeitos, você está mudando parte do que fez a série especial. A série, como está agora, é um reflexo da era em que foi produzida. Os efeitos, as roupas, a maquiagem, as histórias, tudo são reflexões dos anos 60. Vamos dar um passo além -- você voltaria e mudaria os roteiros sobre o Vietnã só porque a guerra do Vietnã já acabou? Você apagaria alguma coisa só porque não está mais na moda? Que tal assim -- esqueça sobre fazer isso em Jornada. Vamos olhá-la como uma obra de arte. Você voltaria e mudaria uma pintura de Picasso só porque hoje em dia há tintas melhores do que as da época em que ele pintou? Não. Você poderia limpar a pintura para trazer as cores que Picasso quis para o quadro originalmente, mas não mudaria as cores ou pintaria com guache em vez de óleo. Jornada é a mesma coisa. Limpar, sim. Alterar, não.


TB - Você acha que a Série Clássica ainda tem chance de disputar com as novas séries de ficção científica?

Margol - Se você está falando de efeitos especiais, claro que não. Mas se você está falando sobre o que realmente importa, história e personagens, eu acho que a Série Clássica poderia resistir a qualquer coisa que você jogue em cima dela. Ela tem roteiros inteligentes e convincentes. Tem personagens com os quais você se preocupa e que são bem desenvolvidos. Aponte outra história com que as pessoas se preocupam cerca de 30 anos depois que ela surgiu e acabou.


TB - Por que você saiu do Sci-Fi Channel?

Margol - Nada além de ter visto uma oportunidade melhor em outro lugar.


TB - Você teve problemas com algum ator dizendo: "Se o sr. X está envolvido, eu não estarei no programa", ou algo assim?

Margol - Não, ninguém nos deu um ultimato, se é o que quer dizer. Tivemos que ter cuidado para agendar entrevistas de modo que pessoas que não exatamente se amavam não se encontrassem acidentalmente no estúdio.


TB - Qual dos atores do elenco são os mais entusiasmados com Jornada, em sua opinião?

Margol - Eu acho que o Leonard ainda tem uma grande paixão pelo trabalho e pela integridade da Série Clássica e é muito defensor da série e do personagem Spock. Claro, eu trabalhei mais com ele do que com os outros, então é difícil de julgar. Mas eu não acho que nenhum deles tenha algum entusiasmo ou amor pelas novas séries de Jornada.


TB - Você é fã das novas séries (Nova Geração, Deep Space Nine e Voyager)?

Margol - Eu fui um fã da Nova Geração. Eu tentei DS9 e Voyager, mas eu acho que elas nunca entregaram a promessa de Jornada nas Estrelas. Havia muito pouco do "indo onde nenhum homem jamais esteve". No entanto, DS9 ainda era melhor que Voyager. Voyager é provavelmente uma das piores encarnações de Jornada já feitas. É triste. Eles tinham uma grande premissa.


TB - O que acha do Rick Berman?

Margol - Eu não conheço muito o Rick Berman. Tive um contato breve com ele durante o planejamento da Edição Especial. Diria que se eu fosse os executivos da Paramount e estivesse vendo os decrescentes retornos no franchise, eu iria primeiro olhar para a pessoa que está liderando. Rick fez um grande trabalho pegando o batente após a morte de Gene Roddenberry, mas talvez seja hora de injetar sangue novo em Jornada.


TB - Você tem um projeto pessoal sobre uma possível série de Jornada, "Star Trek - Legacy". Não parece um pouco com "Andromeda", a nova série baseada em anotações de Roddenberry, escrita por Robert Hewitt Wolfe (ex-DS9)? Coincidência?

Margol - Desenvolvemos o conceito para "Legacy" independentemente e sem qualquer conhecimento do conceito de Gene Roddenberry. Eu não vi nada sobre Andromeda, então não posso nem dizer quão perto está do nosso.


TB - O que você espera da próxima série, atualmente sendo desenvolvida por Rick Berman e Brannon Braga?

Margol - Alguém me disse uma vez: "Sempre torça pelo melhor, mas espere pelo pior". O que eu espero? Infelizmente, mais do que eles já estão fazendo. Pelo que eu torço? Bem, torço para que eles aproveitem a chance de realmente colocar Jornada em um novo território, da forma que fizeram quando A Nova Geração foi criada. Foi o que tentamos fazer com o nosso conceito "Legacy".


TB - O que você acha da campanha Excelsior, cujo objetivo é levar o capitão Sulu para a cadeira de comando em uma série semanal?

Margol - Acho que é um esforço nobre. Eu desejo que possamos ter esperança de que a Paramount possa ser influenciada por ele, mas Jornada é, antes de mais nada, um negócio. As decisões são feitas com base no dinheiro, não nas vontades e desejos dos fãs. Pessoalmente, eu não amo a idéia da Excelsior. Eu não sou partidário da série com o Sulu, porque eu prefiria ver um conceito novo, com novos personagens.

TB - Há alguma coisa de Jornada que você gostaria de fazer e ainda não fez? Alguma que você nunca fará?

Margol - Gostaria de ser chamado para criar a próxima série! Mas acho que não vai acontecer. No entanto, eu não me importaria de vender algumas idéias a eles! Falando sério, estou sempre aberto a novas experiências e não iria descartar algum futuro envolvimento.


TB - Você conhece o Brasil? Alguma mensagem pro pessoal daqui?

Margol - Não, não conheço nada do Brasil, mas não é de propósito! Acho que a única mensagem que poderia ter é a de que é muito legal ter a chance de falar a outras pessoas e de que é o apoio no mundo inteiro que manteve Jornada viva por todos esses anos.


Entrevista realizada em 26 de julho de 2000.