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A Despedida de um Mito

"Jornada nas Estrelas VI - A Terra Desconhecida" foi a despedida da Série Clássica das telas de cinema. Ela marcou o fim de uma etapa vitoriosa de 25 anos como um fenômeno singular da indústria cultural do século 20. Para muitos, este é, até hoje, o melhor filme de Jornada já realizado. Porém, não era somente a tripulação da Enterprise que estava se despedindo de sua missão no ano de 1991.

Eugene Wesley Roddenberry faleceu dias depois de ter visto a última manifestação de sua obra, que lhe deu muitos méritos, dinheiro e reconhecimento, a ponto de ser considerado como o Júlio Verne do nosso século.

Ele era chamado de "utopista ferrenho", turrão etc., mas soube como poucos defender os princípios básicos de sua obra, apesar de considerá-la como uma "obra aberta", pois teve a colaboração de muita gente talentosa para criar o universo de Jornada.

Mesmo assim, ao sair da sala de projeção com os polegares para cima, demonstrando que aprovou o filme, listou uma série de pontos contrários e mandou o seu advogado apresentar queixa judicial contra a Paramount.

Nick Meyer tinha sido escolhido novamente o diretor e escreveu o roteiro básico com Leonard Nimoy. Eles tiveram algumas reuniões de preparação onde Meyer anotava todas as sugestões de Gene Roddenberry e assentia com a cabeça.

O resultado foi inferior ao esperado, daí Roddenberry ficar furioso com ele a ponto de gerar um seríssimo bate-boca, depois contornado, mas que deixou mágoas profundas. De todas as coisas, as mais problemáticas eram a traição de alguns oficiais aos interesses da Federação em fazer a paz com o Império Klingon e o ditado Vulcano "Somente Nixon poderia ter ido à China".

Roddenberry era do Partido Democrata e nasceu, cresceu, viveu e morreu combatendo os republicanos de Nixon. Isto era intolerável de aparecer junto com o seu nome, sempre próximo dos ideais progressistas e liberais do mundo contemporâneo. O "Grande Pássaro da Galáxia", nascido no Texas, passou mal na Califórnia e resolveu voar pelo Universo...

A primeira versão do filme foi escrita por Harve Bennett. Ela contava como Kirk, Spock e McCoy se conheceram, ainda jovens na Academia, e se tornaram amigos. Kirk já velho e prestes a se aposentar relembrava essas coisas para os jovens cadetes.

Mas os chefões da Paramount não gostaram da idéia de ter outros atores representando os três amigos da Enterprise e vetaram a proposta, para desespero de Bennett, que pediu demissão e tomou um porre para esquecer de tudo.

A proposta vitoriosa foi a de Meyer e Nimoy e era bastante próxima do que vimos nas telas, com alguns ajustes inevitáveis. Isto gerou outra batalha judicial, por conta de Mark Rosenthal e Lawrence Konner, que foram empurrados como participantes por um dos diretores do estúdio.

Eles deram uma de espertos e alegaram ser deles algumas das idéias que viram Nimoy e Bennett expressarem. Por esta razão na ficha técnica de abertura seus nomes aparecem. O filme foi feito a toque de caixa e com o orçamento apertado de US$ 25 milhões, com o objetivo de comemorar os também 25 anos de Jornada.

O título já tinha sido proposto por Meyer para Jornada II, baseado em Hamlet, de Shakespeare, e caiu muito bem com o tipo de aventura cotada. A cena de abertura da explosão da lua é maravilhosamente bem feita. O roteiro fala da missão de despedida da Enterprise e da construção do futuro. O fim do trabalho de uma equipe muito bem sucedida em sua carreira, a ponto de transformar sua nave em nave capitânea e no próprio símbolo da Frota Estelar.

Eles são convocados ao Quartel-General da Frota para receber ordens de conduzir o chanceler Klingon, Gorkon, para uma viagem de negociação do tratado de paz com a Federação, depois de perderem a sua principal fonte de energia na lua Praxis. Aqui está explícita a relação com a ex-URSS, já que "Praxis" é um dos conceitos fundamentais da filosofia do marxismo-leninismo, adotado durante anos por aquele país. Ao mesmo tempo, a figura de Gorkon é uma alusão ao empenho de Mikhail Gorbatchev em acabar com a Guerra Fria entre EUA e URSS, que durou várias décadas.

Kirk é empurrado para esta situação, embora não goste dos Klingons, responsáveis pela morte de seu filho David. O capitão assume uma postura relutante no início, mas é convencido por Spock de que ele é o mais indicado para comandar essa missão. Assim, é levado a superar seus traumas em função de um bem maior e coroar a sua carreira com um grande feito. Junto com Spock, ele debateu sobre a aposentadoria iminente, cujo significado é semelhante à expulsão do paraíso, numa cena tocante no alojamento do Vulcano. Mas a situação muda completamente com o assassinato do chanceler. Ele se oferece como refém para não prejudicar as negociações, é julgado, condenado quase sumariamente como preso político e confinado a um asteróide penal Klingon junto com o Dr McCoy. Daí, articula um plano de fuga e salva a pátria mais uma vez, impedindo o êxito dos traidores da Federação e do Império Klingon que não queriam a paz.

Como deveria ser, é dele a fala final do filme, em alusão ao passado, presente e futuro da Enterprise, dando a deixa para Picard e a Nova Geração.

Spock é o mentor intelectual da negociação de paz, já admitindo sua habilidade diplomática posteriormente desenvolvida na unificação tentada com o Império Romulano. Desse modo, segue o caminho de seu pai, o embaixador Sarek. Mas seu lado humano se sente responsável por ter metido seus amigos numa encrenca. Por isso, empreende uma operação de resgate para libertá-los, ao mesmo tempo em que vai atrás dos líderes do motim.

Sua decepção aumenta ao saber que sua pupila, a tenente Valeris (Kim Katrall), faz parte da trama. Depois de tudo resolvido, é dele a melhor forma de expressar o sentimento de perplexidade de toda a tripulação da nave ao receber a ordem de voltar definitivamente para a Terra: "Se eu fosse humano, diria, vão para o inferno." Simplesmente genial!!!

McCoy segue passo a passo o caminho de seus companheiros, depois de ter tentado salvar a vida do chanceler. Sente que está ficando velho e cansado mas persiste em participar ativamente, livrando Kirk da morte, buscando os culpados, ajudando a prendê-los e até "operando" um torpedo fotônico lançado contra a nave Klingon.

Os personagens coadjuvantes têm participação mais efetiva. Sulu é o capitão da Excelsior e foi fundamental para o desfecho bem-sucedido da missão de paz. Junto com ele está a ex-ordenança Janice Rand, agora no posto de comunicações. A tenente Uhura abre e fecha as comunicações muito bem, mas tem que aprender a falar Klingon, a fim de driblar um posto de vigilância na entrada da Zona Neutra.

Scotty quase arrebenta os motores da nave, mas consegue as provas escondidas. Afinal de contas, mesmo com um diagrama na mão, ninguém conhece melhor o desenho da nave do que ele. Chekov conduz a investigação a bordo e prende os criminosos, mas comete uma grande gafe politicamente incorreta no jantar de confraternização com os Klingons. Foi vítima do efeito da cerveja romulana.

Da parte dos Klingons, o general Chang é o máximo de vilão e contraponto --e ao mesmo tempo complemento-- dos oficiais da Federação. Tinha mesmo que ser interpretado pelo grande Cristopher Plummer. Ele merece. A filha do chanceler e o próprio eram menos expressivos, mas importantes desde o início, participando bem do caso.

Não podemos deixar de mencionar nosso querido Michael Dorn, interpretando o coronel Worf, advogado de Kirk e McCoy. Ele é o avô do tenente Worf de A Nova Geração e Deep Space Nine.

Rene Auberjonois, o Odo de DS9, faz o coronel West, um dos traidores da Federação. A atriz-modelo Iman é a camaleóide sensual que é a isca dos Klingons para deter a fuga de Kirk e McCoy.

A cena de despedida com a tripulação da ponte de pé enquanto o capitão fala as últimas palavras é comovente a ponto de deixar a gente com os olhos cheios de água, para não falar das assinaturas do elenco principal em cores azuis.

Afinal de contas, é um grande exemplo de como a televisão e o cinema podem ser ao mesmo tempo inteligentes e divertidos, influenciando muita gente pelo mundo e dando um bocado de bons frutos. Mas, afinal, alguém poderia me dizer por que aquelas panelas na Enterprise?!?

 

Cláudio Silveira escreve quinzenalmente sobre os filmes com exclusividade para a Trek Brasilis