| 
                
              por
              Fernando Penteriche 
              
              Ser colunista da Nova Geração
              e não escrever um artigo sobre os Borgs é algo difícil. Eu
              havia prometido a mim mesmo que não faria um artigo tão óbvio,
              mas acabei não resistindo. O verdadeiro culpado de tudo é o
              Locutus, um bonequinho do alter-ego de Picard que fica sobre meu
              CPU e está sempre me observando, parecendo dizer: escreva sobre
              mim... resistir é inútil... 
               
              Então, para alegria do Locutus e por desencargo de consciência,
              fiz o que prometi não fazer. 
               
              Antes de começar, um pouco de nostalgia. Apesar de ser fã de Jornada
              nas Estrelas desde os 12 anos (1988), até o ano de 1992 eu
              nem sabia da existência de Borgs. O problema é que naquela época,
              sem Internet e sem grana para comprar revistas importadas como
              Starlog e Cinefantastique (escassas em São Paulo naquele tempo),
              ficava difícil saber o que estava rolando com a Nova Geração
              nos EUA, pois o que tínhamos de mais recente desta série na TV
              era o primeiro ano (um fato que perdurou até 1997). Mesmo notícias
              sobre os filmes de cinema V e VI não eram encontradas tão
              facilmente. E clubes como Jetcom e Frota Estelar Brasil ainda não
              me haviam sido apresentados. 
               
              Foi aí que o saudoso programa dos domingos à noite da Rede
              Record "TOP TV" trouxe alguma luz no fim do túnel. O
              programa, que era muito bom e cultuado, fez um especial sobre Jornada
              nas Estrelas. Para alguns, foi a primeira chance de ver
              trechos de episódios como "Yesterday's Enterprise",
              "Q Who?" e "The Best of Both Worlds"
              e ainda "Unification". Isso em 1993... Consegui a
              fita de alguns destes episódios apenas em 1995, ou seja, passei
              dois anos colhendo informações em cards, fanzines e HQs
              importadas de Jornada para descobrir mais sobre esses tais
              Borgs. Quando consegui a fita, devo tê-la assistido umas três
              vezes em seguida. A imagem estava terrível, mas e daí?  
               
              Pude ver "Q Who?", "I, Borg" e
              principalmente "The Best of Both Worlds I & II"
              após 24 meses de ansiedade. Algum tempo depois a CIC lançou a
              fita dos Borgs aqui no Brasil, comecei a adquirir as fitas seladas
              importadas com os outros 170 e poucos episódios e daí é história...
              Meu Locutus aqui me olhando que o diga. 
               
               
              "We are the Borg" 
               
               Quando
              eles surgiram, em "Q Who?", mostraram a que
              vieram. Os Borgs, seres que reúnem "o melhor de dois
              mundos": biologia e tecnologia. Uma mente coletiva, onde não
              existe o "eu" e sim o "nós". Se um é
              atingido, o outro já sabe como se defender, aproveitando a mente
              única que liga todos os Borgs em uma só coletividade. Não
              existe hierarquia, não existem indivíduos, e não existe quem
              possa resistir a eles. Resistência é inútil. Você será
              assimilado. 
               
              Este episódio da segunda temporada foi o que exerceu a maior
              influência no futuro da Nova Geração. Escrito por
              Maurice Hurley, marca a terceira aparição de Q (John deLancie).
              Mas a principal contribuição para a série são os mais sórdidos
              vilões até então, os Borgs. 
               
              Os Borgs, cujo nome é derivado de "cyborgs", surgiram
              com a missão de serem o que os Ferengis nunca conseguiriam ser:
              um inimigo mortal, sem o sentimento de remorso, que não aceita
              argumentos, e virtualmente impossível de ser derrotado. 
               
              A presença Borg vinha sendo indicada desde o episódio final da
              primeira temporada, "The Neutral Zone". No
              decorrer de "Q Who?", descobrimos que os Borgs
              foram os responsáveis pelo desaparecimento dos postos avançados
              Romulanos mencionados naquele episódio. Na verdade, os Borgs em
              si já deveriam aparecer neste episódio de final de temporada, e
              a trama se estenderia pelo segundo ano da série, mas a greve dos
              roteiristas de Hollywood no final da década de 80 atrapalhou os
              planos. 
               
              O orçamento da Nova Geração acabou restringindo o visual
              dos novos vilões. Originalmente Hurley os imaginava como uma raça
              insectóide, embora o conceito de colméia sobrevivesse para
              tornar-se um opressivo grupo de mentes conhecido como coletividade
              Borg. E a enorme nave, com um design cúbico único e uma primeira
              aparição marcante, contribuiu para que os Borgs ascendecem ao
              topo da lista de raças inimigas preferidas pelos fãs, justamente
              como planejado. 
               
              Ao final de "Q Who?", a tripulação da
              Enterprise, ainda meio que abalada com o primeiro contato
              proporcionado por Q, percebe que, agora que os Borgs sabem da
              existência da Federação, não vai demorar para uma visitinha
              acontecer. E essa visita catastrófica aconteceria uma temporada e
              meia depois, no episódio final do terceiro ano, "The Best
              of Both Worlds". 
               
               
              "I am Locutus of Borg" 
               
               Este
              espetacular episódio duplo (o primeiro na série depois do
              piloto) é provavelmente a maior realização da Nova Geração.
              O escritor do episódio, Michael Piller, estava à procura de um
              roteiro para o último episódio do terceiro ano que contasse com
              um gancho que prendesse o telespectador no período de hiato entre
              as temporadas. Aproveitando que estava atrás de um outro bom
              roteiro para a volta da raça de cyborgs, Piller criou uma história
              com os Borgs sequestrando Picard. 
               
              Como o roteiro pedia uma "abelha rainha" para a
              Coletividade Borg, Piller encontrou a idéia da abdução de
              Picard. Porém, originalmente, ele estava com a intenção de
              utilizar Data e Picard transformados em uma unidade Borg. A última
              adição ao roteiro foi a história da indecisão de Riker sobre
              sua carreira. 
               
              Michael Piller costuma dizer que quando começou a escrever, não
              tinha a mínima idéia de como o episódio iria acabar, e nem
              sabia ainda se ele próprio estaria por lá na próxima temporada.
              Ele conta que Gene Roddenberry foi quem o assegurou no cargo,
              dizendo que, agora que a série estava entrando nos eixos, Piller
              seria imprescindível para o próximo ano. 
               
              Sobre "The Best of Both Worlds", é desnecessário
              contar a trama (embora eu o faça mesmo assim, só para lembrar os
              velhos tempos): um cubo Borg vem de encontro ao setor 001, o nosso
              Sistema Solar, e ninguém consegue detê-lo. Para piorar a situação,
              Picard é assimilado, transformando-se no borg Locutus e liderando
              a invasão, e a Enterprise é a única nave que pode deter o
              imenso cubo. 
               
              Ao final da primeira parte, e com os três meses de reprises antes
              da conclusão, boatos davam conta de que Patrick Stewart não
              renovaria seu contrato com a Paramount. Os fãs especulavam em
              fanzines: a recém apresentada perosnagem Shelby seria a nova
              primeira-oficial da Enterprise, agora sob o comando do capitão
              Riker? Picard morreria heroicamente? Shelby morreria ao salvar
              Picard? 
               
               Na
              volta da temporada, todos os problemas solucionados. Picard é
              resgatado, e a interdependência dos Borgs acaba por salvar a
              Federação, graças ao esforço de Picard/Locutus e Data, ao
              inserir um comando em uma subrotina Borg, o que causa um
              mal-funcionamento e a autodestruição da gigantesca nave. A
              comandante Shelby se despede para nunca mais voltar e Riker volta
              a ser o Imediato de Picard. 
               
               Sobre
              os efeitos especiais, são bons para a época, mas hoje em dia estão
              completamente defasados. Qualquer episódio de ação de Voyager
              tem mais efeitos especiais do que metade de uma temporada da Nova
              Geração. E por motivos econômicos, a batalha de Wolf 359 não
              foi mostrada, apenas suas sequelas. No episódio-piloto de Deep
              Space Nine, "Emissary", vemos uma sequência
              da mesma, e em "The Drumhead", da quarta
              temporada, é revelado que em Wolf 359 a Frota Estelar perdeu 39
              naves, com a morte de aproximadamente 11 mil tripulantes. 
               
              "The Best of Both Worlds" obteve indicações ao
              prêmio Emmy de melhores efeitos especiais e de melhor direção
              de arte, e não ganhou. Porém venceu na categoria de melhor edição
              de som e melhor mixagem sonora. A trilha sonora de Ron Jones é
              muito boa, e posteriormente foi lançada em CD. 
               
               
              "My name is Hugh" 
               
              O clamor por outro episódio com os Borgs aumentava todo mês, porém
              a equipe de produção e o time de roteiristas estavam com um
              dilema: como superar em qualidade um episódio como "The
              Best of Both Worlds" e ainda fazer outro "borg-show"
              sem ser repetitivo? A resposta foi simples: fazer um episódio
              diferente dos anteriores, onde desta vez, a assimilação seria
              inversa. 
               
              Assim como com a presença de Worf na série os Klingons teriam
              que serem olhados de outra maneira pelos fãs, trazer um Borg a
              bordo e explorar sua individualidade conseguiria fazer com que os
              fãs vissem um outro lado dos famosos inimigos. René Echevarria
              escreveu e Robert Lederman dirigiu o episódio, que faria com que
              os fãs nunca mais pudessem olhar os Borgs da mesma maneira. O título,
              "I, Borg". 
               
               No
              episódio, a Enterprise encontra uma nave de patrulha Borg
              acidentada em um planeta, com apenas um sobrevivente, um jovem
              zangão, designado como "3 de 5". Picard concorda em
              trazer o Borg ferido a bordo após insistência da dra. Crusher. E
              aí é que está a diferença do episódio para o anterior. Sem a
              iminente ameaça de uma ataque, a tripulação da Enterprise
              finalmente tem condições de observar e de se comunicar com um
              Borg, e assim todos descobrem (principalmente Picard e Guinan) que
              ele, agora rebatizado de Hugh por La Forge, não é diferente
              deles próprios. E se eles não são diferentes, como podem ser
              inimigos? 
               
               Com
              Hugh a bordo da Enterprise e desconectado da Coletividade, sua
              individualidade começa a surgir, graças à insistência da dra.
              Crusher e de La Forge em não o verem como o "mal
              encarnado". Ao final do episódio, um famigerado cubo Borg
              aparece para resgatar o que restou da nave de exploração
              acidentada, e Hugh decide partir com eles, levando sua
              individualidade para dentro da coletividade. Como disse Picard,
              "talvez isso seja mais poderoso do que qualquer vírus". 
               
              O que veio em seguida foi o episódio duplo "Descent",
              na virada do 6º para o 7º ano. Em minha opinião, é o mais
              fraco episódio com Borgs da Nova Geração, algo que com
              certeza é difícil de discordar. Até o episódio de Hugh, os
              Borgs havia sido tratados com imenso respeito pelos roteiristas.
              Porém, em "Descent", temos uma colcha de
              retalhos, que envolve desde o cientista prof. Stephen Hawking até
              Lore, o irmão malvado de Data, passando por Hugh e a dra. Crusher
              no comando da Enterprise. Um freak-show! 
               
               
              A pior sequência 
               
              Já que em "I, Borg" Hugh havia levado para a
              Coletividade o "vírus" da individualidade, nada mais óbvio
              do que "Descent" mostrar Borgs completamente
              diferentes dos que já havíamos visto. Deixando a coisa bem ameaçadora,
              agora os Borgs do episódio não eram mais seres movidos pelo
              impulso de assimilar toda e qualquer tecnologia. Eram apenas seres
              bem malvados, comandados por Lore, o não-menos-malvado irmão gêmeo
              de Data. Para completar, uma inexplicada espaçonave gigante (bem
              diferente do padrão cúbico tradicional) estava a serviço dos
              zangões. 
               
              Em "Descent", a Enterprise se mete com um bando
              de Borgs desgarrados comandados por Lore, mais conhecido por lá
              como o "One". 
               
               Após
              Hugh levar o "vírus" da individualidade para a
              coletividade, muitos Borgs ficaram extremamente confusos ao se
              verem livres, e muitos grupos dissidentes se formaram. Lore (com o
              chip de emoções de "Brothers" instalado e
              ativado) encontrou um dos grupos de Borgs desgarrados, e serviu de
              líder e inspiração para os mesmos. Claro, como Lore não é
              bobo, tratou de aproveitar a situação para tentar enganar Data e
              trazê-lo para o seu lado. No meio de tudo isto, temos a brilhante
              participação do prof. Hawking atuando como ele mesmo em um jogo
              de pôquer no holodeck, que envolve Data, Isaac Newton e um
              mal-caracterizado Albert Einstein (não gostei nada da maquiagem).
              Temos também a dra. Crusher comandando a Enterprise na ausência
              da tripulação senior,  
              com muitos alferes e tenentes de primeira viagem prontos para
              ajudar no caso da gigante nave utilizada pelos Borgs resolver
              atacar. 
               
               Hugh
              aparece, liderando um grupo anti-Lore, e diz a Riker que a atitude
              de Picard, devolvendo-o aos Borgs como um indíviduo, foi a pior
              coisa que poderia acontecer. Ao final do episódio, com Lore
              derrotado, Hugh assume a liderança do grupo de Borgs-indivíduos. 
               
              Picard estava certo, foi pior do que qualquer vírus. Muitos Borgs
              não estavam preparados para serem indivíduos, e um caos
              generalizado deve ter ocorrido na coletividade. Mas a julgar pelo
              próximo capítulo desta saga, o filme para cinema "Jornada
              nas Estrelas - Primeiro Contato", o caos não foi tão
              grande assim, pois o que vemos lá é a volta dos Borgs em seu
              estado bruto, e com um elemento novo e extremamente incoerente
              introduzido pelo quarteto Rick Berman, Brannon Braga, Ron Moore e
              Jonathan Frakes: a Rainha Borg. 
               
               
              A Rainha da incoerência 
               
              Seis anos após "The Best of Both Worlds", os
              Borgs voltam a atacar a Federação. Contra ordens da Frota, a
              Enterprise segue para a Terra e com seus conhecimentos da
              coletividade, Picard consegue destruir o cubo e salvar o dia. Porém
              uma pequena nave esférica Borg escapa e volta no tempo para
              tentar assimilar os humanos do século 21, e assim impedir o que
              no futuro exista a Federação. Desnecessário dizer que a novíssima
              Enterprise-E também volta no tempo e impede o plano Borg. 
               
              Michael Okuda (o homem da cronologia de Jornada) deve ter
              ficado de cabelos em pé quando soube que Rick Berman havia
              decidido que além da aparição dos Borgs no segundo filme para
              cinema da Nova Geração, "Jornada nas Estrelas -
              Primeiro Contato", teríamos na história uma volta no
              tempo estilo "Jornada nas Estrelas IV", e ainda
              envolvendo um personagem como Zefram Cochrane. Neste filme, um
              sucesso de público e crítica, os verdadeiros Borgs de "Q
              Who?" e "The Best of Both Worlds" estão
              de volta, trazendo ainda consigo a Rainha Borg, interpretada por
              Alice Krige. 
               
              A maquiagem também muda, dando um salto na qualidade. Agora os
              zangões têm um aspecto mais sombrio, e as marcas deixadas pela
              assimilação são mais visíveis. O engraçado é que nas cenas
              de flashback com Locutus, Patrick Stewart utiliza a nova
              maquiagem, e não a da época dos Borgs da TV. 
               
               A
              Rainha Borg é uma contradição, como bem disse Data. Se a
              coletividade é formada por milhares de mentes, sem um centro único
              de comando, mostrar um indivíduo como uma espécie de líder Borg
              é uma grande contradição que fere tudo o que já conhecíamos.
              Claro que para um filme de cinema como esse, ainda mais com Borgs,
              a presença de uma insinuante Rainha é mais um motivo para chamar
              o público (e nesse filme as iscas para o público são muitas:
              nova Enterprise, um relacionamento entre o andróide Data e a
              Rainha Borg, sequências de batalha, Picard e Worf discutindo no
              trailer, novos uniformes, a chance de ver o primeiro contato dos
              humanos, e por aí vai). No roteiro, a desculpa para inserir a
              nova Borg não soa bem clara, pois segundo ela, "quem é uma
              contradição é você, Data, um andróide que quer ser
              humano", ou "sou o começo, o fim. Eu sou o Borg",
              "eu trago ordem ao caos" e frases do gênero, com o
              intuito de não explicar nada ao fã, e ainda confundi-lo mais. 
               
              Ao final do filme, o plano Borg é sabotado por Picard e a Rainha
              é praticamente desintegrada, vindo a morrer. Achei interessante a
              menção de que no século 21, os Borgs ainda estão no quadrante
              Delta, algo que seria muito, mas muito explorado na série Voyager,
              que cansou de encontrar os Borgs (inclusive a própria Rainha por
              duas vezes) por lá. A aparição da primeira esfera Borg também
              gera curiosidade. Existirão outras naves Borgs com mais formatos
              além destes dois? As respostas estão em Voyager. Assista "Dark
              Frontier" e "Unimatrix Zero" para
              conferir. 
               
              Os Borgs cumpriram seu papel na Nova Geração.
              Ultrapassaram de longe os Ferengis, como era a proposta inicial, e
              hoje em dia tão populares quanto os Klingons. Dos novos vilões
              de Jornada, apenas Q tem uma popularidade tão grande (e Q
              às vezes nem vilão é). Podem vir Jem'Hadares, Transmorfos,
              Vortas e toda a sorte de vilania, mas os Borgs conquistaram o coração
              dos fãs de Jornada. A Nova Geração os apresentou,
              Deep Space Nine os ignorou, e Voyager até
              extrapolou, mas o charme desses seres meio-homem, meio-máquina
              está bem longe de acabar. 
              
         
         |