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               Capítulo
              5 - Acertando os ponteiros 
               
              
              Ao término da segunda temporada, as coisas não andavam
              bem no set de A Nova Geração. O último episódio
              produzido, “Shades of Gray”, tornara-se o pior episódio
              da série até então – nada bom para o último episódio da
              temporada. Além disso, a dança das cadeiras da equipe de
              roteiristas custou a saída de dois importantes colaboradores - Tracy
              Tormé e Maurice Hurley. Sem um chefe para a equipe de roteiristas
              definido, o trabalho de produção de roteiros para a nova
              temporada simplesmente não andava. Foi então que Michael Wagner,
              que estava temporariamente comandando a criação dos roteiros,
              convidou um amigo com quem havia trabalhado na série “Probe”
              para escrever um roteiro. Este homem viria a se tornar responsável
              por reformular totalmente o modo de se produzir um episódio de Jornada
              nas Estrelas. Seu
              nome: Michael Piller. 
               A 
                partir de uma história sua e de Wagner, Piller escreveu o roteiro 
                de “Evolution”. Por iniciativa própria, Piller incluiu 
                na história uma trama sobre o retorno da Dra. Beverly Crusher, 
                mesmo sem saber ao certo em que ponto da temporada seu episódio 
                seria incluído. Terminado o trabalho, Piller se encaminhou para 
                a Paramount, onde se encontraria com Rick Berman e Gene Roddenberry. 
              “Eu
              posso contar como ouvi a voz de Gene pela primeira vez”, conta
              Piller. “Eu estava andando no terreno do estúdio, tendo
              entregue meu primeiro roteiro para a série, e estava vindo anotar
              os comentários dos produtores, algo normal para um escritor
              free-lance. Ao entrar no prédio, escuto uma voz retumbante
              dizendo: ‘Não há alienígenas suficientes neste show!’. Essa
              foi a minha introdução a Gene Roddenberry.” 
              Esta
              alegação de que não havia alienígenas o suficiente no show se
              mostraria o único empecilho para a finalização do roteiro. Gene
              acreditava que o personagem do cientista que vê o projeto de uma
              vida se perder em virtude de um mau funcionamento da Enterprise
              deveria ser alienígena. Porém, Piller havia escrito um discurso
              para o final do episódio, no qual faz analogia com um jogo de
              baseball, e todos na equipe pareciam gostar deste discurso, em
              especial Rick Berman – que, assim como Piller, é um grande fã
              do esporte. Se o personagem fosse um alienígena, não haveria
              como incluir este discurso. 
              “Rick
              Berman foi maravilhoso naquela reunião. Ele foi bastante político
              e argumentou com Gene, e no final o cientista voltou a ser humano,
              afinal”, relembra Piller. 
              Tendo
              vendido o roteiro, Piller acreditava que sua participação na série
              havia terminado. Ledo engano. “Meu roteiro era o único sobre o
              qual havia um consenso e que todos gostavam. Então, fui chamado
              por Rick e Gene, que me disseram: ‘Seu roteiro é muito bom, e
              obviamente você sabe escrever para esta série. Gostaria de
              comandar a equipe de roteiristas?’ E lá estava eu!” 
              A terceira temporada de A Nova Geração, se mostraria, porém,
              o maior desafio da carreira de Piller até então. 
                
              Em
              busca de roteiros 
               O
              primeiro problema de Piller foi lidar com a falta de roteiros para
              a temporada cuja produção já se iniciara. Em busca de idéias,
              Piller começou a vasculhar todas as propostas recebidas nos anos
              anteriores de roteiristas free-lancers, tentando encontrar
              qualquer coisa que pudesse ser trabalhada em forma de roteiro.
              Dentre as inúmeras propostas que analisou, uma lhe chamou a atenção.
              A história falava de um garoto que não consegue superar a morte
              da mãe e acaba recriando-a no holodeck. Gene tinha restrições
              quanto à trama. “É um roteiro muito bom, mas não funciona”,
              dizia. “No século 24, os filhos não lamentam a morte dos pais.
              A morte é considerada como parte da vida.” Piller então
              apresentou uma nova proposta. E se o garoto realmente se mostrasse
              apático quanto à perda da mãe – algo muito estranho de se
              assistir – e Troi tivesse de faze-lo lidar com essa perda? Gene
              gostou a idéia, e aprovou seu desenvolvimento, que eventualmente
              se tornou o episódio “The Bonding”. O autor do roteiro
              era um jovem inexperiente que eventualmente se tornaria parte da
              equipe de roteiristas de A Nova Geração e Deep Space
              Nine, e seria considerado por muitos como o melhor roteirista
              da história de Jornada. Seu nome: Ronald D. Moore. 
               Simultaneamente,
              Piller adotou uma abordagem pouco ortodoxa. A produção da série
              passou a aceitar propostas de roteiros de qualquer pessoa, mesmo
              amadores que não possuíssem agente ou advogados. Esta política
              – única em Hollywood até então – traria mais um nome de
              talento para a equipe: René Echevarria. Echevarria era até então
              um garçom em Nova York, que criou um roteiro onde Data criava
              para si uma filha. Piller se encantou com a idéia, e sugeriu
              apenas uma mudança, seguindo sua nova filosofia sobre o que
              deveria ser um roteiro de Jornada. “O roteiro de
              Echevarria, apesar de bastante sólido, se concentrava demais na
              personagem convidada, e não em data. Disse a ele que deveria
              reescrever a trama, transformando-a em uma história sobre Data.
              Qualquer trama, qualquer personagem da semana, deve trabalhar de
              forma a explorarmos os personagens principais”, conta Piller. O
              roteiro reescrito se tornou “The Offspring”. 
               Piller
              também criou a sistemática de reuniões diárias com toda a
              equipe de roteiristas, nas quais os projetos de todos eram
              discutidos, de modo que todos pudessem ajudar e colaborar com idéias
              nos roteiros dos colegas. Destas reuniões surgiram conceitos que
              se tornariam episódios bastante populares entre os fãs. “A
              Enterprise entra em um wormhole e de repente Tasha Yar está na
              ponte” (“Yesterday’s Enterprise”), “Q perde seus
              poderes se fica preso na Enterprise” (“Deja Q”),
              “um tripulante tem problemas de se relacionar com a tripulação
              e recria suas imagens no holodeck” (“Hollow Pursuits”). 
              Com
              Piller no comando, aos poucos a série foi encontrando seu rumo, e
              apresentando episódios cada vez melhores. Sua filosofia de que
              cada episódio deveria mostrar o desenvolvimento da equipe
              principal da nave criaria oportunidades de desenvolvimento para
              todos – em especial, Worf e Picard. 
              Acertando 
                o tom 
              Ao
              longo da temporada, com o aprofundamento dos roteiros, muitas
              mudanças começaram a surgir nos próprios personagens. Logo no
              início da temporada, com o retorno de Gates MacFadden ao papel de
              Beverly Crsher. Gates deixara a produção da série ao final da
              primeira temporada, descontente com o desenvolvimento de seu
              personagem. Após uma longa campanha por cartas, durante o segundo
              ano, Gene decidiu trazê-la de volta, com a promessa de que seria
              dado um novo rumo à doutora. “Diane Muldaur é uma atriz
              maravilhosa, e é óbvio que acredito nisso, pois trabalhei com
              ela várias vezes,” disse Roddenberry. “Mas tudo é química.
              Beverly tem aquela coisa a mais... de algum modo, o relacionamento
              do capitão com ela funciona muito melhor. Funcionava com Muldaur
              também, mas parece funcionar um pouco melhor com Crusher”. 
               Seu
              retorno à nave, conforme o roteiro escrito por Piller, já
              sinalizava estas mudanças de rumo para a personagem. Após passar
              um ano fora, Beverly tem dificuldades em adaptar seu
              relacionamento com Wesley, após este ter passado todo o período
              trabalhando na nave como alferes, e ter desenvolvido
              responsabilidades e sua própria autonomia. Assim, Beverly
              deixaria de ser apenas a “mãe de Wesley”, e se tornaria um
              membro da equipe, e importante apoio para Picard. 
              Picard
              também começaria a sofrer um desenvolvimento diferente nesta
              temporada. A bíblia da série deixava claro que o capitão da
              nave não poderia se colocar um uma posição de risco, o que
              limitava a sua participação nas tramas. “Eu fazia apenas três
              coisas: dava ordens na ponte, falava com a tela ou ficava em minha
              sala de leitura”, lembra Patrick Stewart. “De qualquer modo,
              tudo o que Picard fazia era falar – e isso estava começando a
              deixar o personagem empacado.” O segredo foi encontrar formas de
              colocar o capitão no centro da ação sem desrespeitar esta máxima.
              O primeiro modo encontrado tornou-se “Captain’s Holiday”,
              onde Picard, durante férias, se envolve na disputa por um
              artefato arqueológico. 
               Se
              algum personagem efetivamente encontrou sua voz na terceira
              temporada, foi Worf. Na primeira temporada, Worf não tinha uma
              função específica. Na segunda, como chefe de segurança, ele
              encontrara uma atividade muito mais afim com sua herança Klingon.
              Porém, até então, tudo o que esse herança trazia à série era
              a frustração de Worf em ter de ficar esperando antes de disparar
              os torpedos. Piller, porém, acreditava que havia uma grande
              oportunidade com Worf e seu sangue Klingon, e passou a abordar o
              personagem de uma forma completamente diferente, assustando a
              todos na equipe e até mesmo Michael Dorn. Em “The Enemy”,
              Worf é o único em toda a nave com sangue compatível com o de um
              Romulano ferido que está à bordo. No rascunho original, Worf
              doaria o sangue. Piller, co-autor do roteiro, achou que Worf, como
              Klingon, se recusaria a doar o sangue. Os Romulanos haviam sido
              responsáveis pela morte dos seus pais, e Worf, dando vazão à
              honra Klingon, jamais consentiria com esta transfusão. A sua
              frase, “então que ele morra”, foi controversa na época, mas
              Dorn acabou entendendo o ponto de vista de Piller – este é um Klingon,
              seus valores são diferentes dos humanos. 
              Esta
              abordagem “alienígena” para o personagem renderia ainda um
              grande episódio, “Sins of the Father”, no qual Worf não
              apenas conhece seu irmão, mas também viaja até K’onos e tem o
              nome da família desonrado. 
              Outras 
                melhorias 
               Dan
              Curry, supervisor de efeitos especiais da série, diz que na
              terceira temporada a equipe descobriu novos modos de realizar os
              mesmos efeitos, conseguindo uma qualidade final melhor. E esse é
              outro diferencial desta terceira temporada. A qualidade visual dos
              efeitos é muito superior ao das temporadas anteriores. E alguns
              dos efeitos solicitados pelos roteiros não eram em nada simples:
              um ser vivo do tamanho da Enterprise (“Tin Man”), em
              wormhole dentro do qual emerge a Enterprise-C (“Yesterday’s
              Enterprise”), a Enterprise se escondendo de um cubo Borg em
              uma nebulosa (“The Best of Both Worlds”). 
              Muito
              do trabalho foi facilitado pela construção de modelos em menor
              escala, incluindo a Enterprise-D, que permitiam maior mobilidade
              da nave em tela. Outras técnicas inovadoras foram empregadas –
              como o uso de nitrogênio líquido para a filmagem de cenas que
              envolviam nebulosas ou wormholes. 
               A
              própria Enterprise-C, vista em “Yesterday’s Enterprise”,
              foi um desafio conceitual à parte. Mike Okuda havia criado a
              filosofia de que qualquer nave de Federação vista em tela que
              fosse mais antiga que a Enterprise-D deveria trazer elementos das
              naves vistas no filme. No caso específico da Enterprise-C, Okuda
              e Rick Sternbach esforçaram-se em criar um amálgama entre a
              Excelsior e a Enterprise-D. O resultado, ainda que tendo sido
              visto apenas neste episódio, foi impressionante. 
              Ao
              mesmo tempo em que buscavam soluções para os problemas de concepção
              visual da série, Okuda e Sternbach eram cada vez mais solicitados
              por Michael Piller a explicarem detalhes funcionais do universo de
              Jornada. Esta consultoria, que já existia em menor escala
              nas temporadas anteriores, possibilitou a inclusão do nome de
              ambos nos créditos da série, como consultores técnicos. 
               Alguns
              efeitos que, vistos em tela, parecem bastante simples, tiveram sua
              própria carga de problemas logísticos. O roteiro de “Deja
              Q” dizia que Q apareceria flutuando nu na ponte da
              Enterprise. Para conseguir o efeito, John de Lancie passou várias
              horas em frente a uma tela azul, completamente nu. Os técnicos
              inverteriam a imagem depois, dando a impressão de que Q estivesse
              deitado no ar. “Mas, para conseguir isso, todo o tempo de tela
              azul tive de manter os braços levantados, como se estivesse dançando
              o Ula-Ula!”, conta de Lancie. 
              Mas
              as dificuldades com a cena não terminavam aí. Para mesclar Q na
              cena filmada na ponte, era necessário posicionar exatamente a
              cabeça de Patrick Stewart, de modo que a genitália de Q ficasse
              encoberta. Todo este trabalho por apenas poucos segundos de tela! 
              Atendendo
              às constantes reclamações dos atores, Robert Blackman criou um
              novo uniforme para a equipe da nave, substituindo o macacão usado
              nas duas primeiras temporadas. Apesar de resolver alguns problemas
              do modelo antigo (que eram quentes, justos e provocavam dores nas
              costas dos atores), algumas reclamações continuaram a existir,
              principalmente de Patrick Stewart, que sempre ajustava a posição
              de seu uniforme em cena (a famosa “manobra Picard”). Saiba
              mais sobre os uniformes usados na série clicando aqui. 
              O 
                Melhor de Dois Mundos 
              Ao
              ser contratado, Michael Piller dissera à Rick Berman e Gene
              Roddenberry: “Olha, o meu desejo é ficar em Miami e escrever
              roteiros para filmes. Fico com você por um ano.” Tendo assinado
              um contrato por um ano apenas, Piller começou a ver o término da
              temporada com sentimentos conflitantes. Enquanto trabalhava no
              roteiro de “The Best of Both Worlds”, Piller se sentia
              tentado a permanecer na série, apesar de considerar que o cinema
              seria uma carreira que lhe agradaria mais. Estes sentimentos
              acabaram incluídos no roteiro, onde Riker tem a oportunidade de
              se tornar capitão de sua própria nave (seu sonho de carreira),
              mas prefere ficar na Enterprise. 
               Com
              a perspectiva de sua partida, Piller decidiu que seu último
              roteiro deveria ser o seu melhor, e terminar a temporada com um
              estrondo. Assim, não apenas trouxe os Borgs de volta (vistos
              anteriormente em “Q-Who”, da segunda temporada), como
              transformou Picard em um deles. A cena final do episódio, com
              Riker mandando Worf disparar contra a nave Borg e, por conseqüência,
              em Picard, se tornou o melhor final de temporada de toda a
              franquia. 
              Com
              o roteiro finalizado, e o episódio já em pré-produção, Piller
              foi contatado por Gene Roddenberry. “Veja, essa série precisa
              de mais um ano para realmente pegar fogo. Significaria muito para
              mim se você voltasse para mais um ano.” Para Piller, emocionado
              com o fato de Gene lhe fazer o convite, não precisou muito para
              ele se decidir a retornar na temporada seguinte. 
              Ao
              fazer isso, porém, Piller teria de encarar um desafio muito
              grande: escrever a conclusão de “The Best of Both Worlds”.
              “Eu achei que não voltaria, havia escrito o roteiro sem pensar
              em nenhum momento em como faria para terminá-lo”, relembra
              Piller. “Eu não sabia como derrotar os Borgs, achei que seria
              trabalho para outra pessoa! Eu havia criado um problema sem solução!” 
               
        
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