por Fernando Rodrigues

Era inevitável.

Com o sucesso da Série Clássica de Jornada e suas incontáveis reprises, o interesse por qualquer material novo crescia exponencialmente. Por conseqüência, o mercado de quadrinhos dos Estados Unidos, que movimenta números infinitamente superiores aos do mercado brasileiro, viu a possibilidade de explorar um pedaço desta franquia tão lucrativa. Assim, nos últimos 35 anos (com algumas interrupções ao longo dos anos), Jornada nas Estrelas teve espaço garantido no universo dos quadrinhos.

A história da publicação dos quadrinhos de Jornada pode ser dividida em fases, de acordo com a editora que as publicou. São elas: Gold Key Comics (julho de 1967 a fevereiro de 1979), Marvel Comics (dezembro de 1979 a fevereiro de 1982), DC Comics (fase 1, fevereiro de 1984 a novembro de 1988), DC Comics (fase 2, setembro de 1989 a dezembro de 1995), Malibu Comics (apenas DS9, de 1993 a 1995), Marvel Comics (1996 a 1998) e, finalmente, Wildstorm Comics (1999 a 2001).

Os primeiros quadrinhos de Jornada foram publicados pela Gold Key Comics, quase simultaneamente ao final da primeira temporada da Série Clássica. As primeiras edições guardavam pouca semelhança com a série de televisão, e a publicação era realizada em intervalos irregulares. A maior característica destes quadrinhos era a forte tendência a histórias com mais apelo ao público infanto-juvenil, apresentando monstros espaciais e fenômenos sem qualquer fundamento científico.

A Gold Key publicou 61 edições dos quadrinhos de Jornada, ao longo de 12 anos, até perder os direitos de publicação.

O lançamento de "Jornada nas Estrelas: O Filme", em 1979, deu aos quadrinhos da franquia um novo lar -- a poderosa Marvel Comics. Com a publicação da quadrinização oficial do filme, a Marvel deu início a uma série própria de Jornada, originando 18 edições. A adaptação do filme ficou a cargo que ninguém menos que Stan Lee, gênio criador de personagens como o Homem-Aranha e os X-Men. A Marvel encarregou dois fãs de Jornada, Mary Wolfman e Dave Cockrum, de cuidar das demais edições.

Os direitos adquiridos pela editora, porém, diziam respeito apenas aos personagens, cenários e épocas citados em "Jornada nas Estrelas: O Filme", limitando assim as possibilidades criativas dos artistas. Apesar dos esforços destes e outros artistas -- entre eles, Martin Pasko, Luke McDonnell, Joe Brozowski e Michael Nasser -- para contar histórias sólidas dentro das limitações envolvidas, as tiragens venderam muito menos que o esperado, levando a Marvel a cancelar o título após 18 edições, em 1982.

Após o primeiro filme, o futuro de Jornada era incerto. Apesar de ter uma bilheteria considerada razoável, recebera duras críticas, e os investidores tinham dúvidas se aquela venerada série de TV poderia se transformar em uma franquia de filmes, ao estilo James Bond. A Paramount arriscou, e apostou suas fichas em "Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan".

Após assistir a esse filme, um empolgado Mary Wolfman, antigo responsável pelos quadrinhos de Jornada, contactou a DC Comics e convenceu a editora a adquirir os direitos de publicação junto à Paramount. Desta vez, porém, Wolfman foi cuidadoso o bastante para garantir que os direitos assegurassem o uso de personagens e situações mostrados na Série Clássica. Em outubro de 1983, Jornada estava de volta aos quadrinhos.

A primeira fase dos quadrinhos de Jornada na DC durou oito anos. As histórias resgatavam o clima das aventuras originais da série. Havia um senso de continuidade nas tramas, deixando totalmente para trás a fase infanto-juvenil dos quadrinhos. O grande diferencial, porém, era a oportunidade de se utilizarem todos os eventos mostrados anteriormente na série e nos filmes. Assim, Romulanos, Andorianos, Tholianos e outras raças mostraram sua cara nas histórias, bem como velhos personagens conhecidos dos fãs, como Harry Mudd (que já havia aparecido em histórias da Gold Key). Personagens criados especialmente para os quadrinhos ganhavam espaço próprio e enriqueciam a trama.

As primeiras oito edições preocuparam-se em estabelecer uma continuidade entre "A Ira de Khan" e "À Procura de Spock", e por este motivo Spock não participava das tramas. A partir da edição número 9, as histórias se passavam entre os eventos mostrados em "À Procura de Spock" e "A Volta para Casa". A partir da edição 37, as tramas dão continuidade aos eventos mostrados no quarto filme da série. Em 1987, com o surgimento de A Nova Geração, a DC criou uma linha nova de quadrinhos, voltados apenas para as aventuras de Picard & cia.

A Nova Geração foi lançada em quadrinhos antes mesmo da estréia da série na televisão, em uma minissérie especial com seis edições. Em 1988, a DC interrompeu a publicação dos quadrinhos por 10 meses, enquanto renegociava com a Paramount os direitos de publicação. 
Em 1989, porém, os quadrinhos de Jornada voltaram a ser publicados pela DC, com uma linha própria da Nova Geração, e com novos editores e novos roteiristas. Esta nova fase caracterizou-se por participações de personalidades envolvidas com o mundo da ficção científica, como Howard Weinstein, A.C. Crispin, Bill Mummy, Peter David e até mesmo atores como George Takei e John DeLancie.

É desta fase, também, a publicação de edições anuais especiais, que apresentavam histórias em outros períodos de tempo, usualmente focando os principais eventos na continuidade das séries. A primeira edição anual, por exemplo, mostrava a última missão cumprida pela Enterprise de Kirk, concluindo assim os cinco anos de exploração previstos. Neste período, também, foi publicada a primeira Graphic Novel de Jornada, "Debt of Honor", publicada no Brasil em 2002.

Em 1993, Jornada nas Estrelas ganhava uma nova série na televisão, Deep Space Nine, e, deixando a poderosa DC para trás, a Malibu Comics negociou e adquiriu junto à Paramount os direitos de publicação. A Malibu trouxe novas técnicas de marketing para os quadrinhos de Jornada, como capas expandidas, capas fotográficas e capas holográficas. No total, a Malibu publicou 32 edições de Deep Space Nine, duas edições anuais especiais, três minisséries, incluindo um encontro entre as tripulações de Deep Space Nine e da Nova Geração, em parceria com a DC.

A Malibu havia adquirido os direitos para os quadrinho de Voyager, mas acabou não o fazendo, eventualmente desistindo dos direitos de publicação de ambas as séries em dezembro de 1995. A DC Comics, neste mesmo mês, abriu mão dos direitos de publicação da Série Clássica e da Nova Geração.

Em 1996, comemorando os 30 anos de Jornada, a Marvel uniu-se à Paramount para a publicação de uma nova linha de quadrinhos. Todas as séries de Jornada criadas até então tiveram seu espaço. Deep Space Nine e Voyager ganharam títulos próprios, enquanto a Série Clássica e A Nova Geração alternavam-se mês a mês em um título chamado "Star Trek - Unlimited". E as aventuras da tripulação da Série Clássica na segunda missão de cinco anos foram mostradas em uma minissérie chamada "Star Trek - Untold Voyages"

                                

O grande diferencial desta linha da Marvel, porém, foi a criação de dois títulos orginais. O primeiro deles, "Starfleet Academy", mostrava o dia-a-dia de um grupo de cadetes na Academia da Frota -- entre eles, Nog, o Ferengi sobrinho de Quark, de DS9. O segundo título, "Early Voyages", contava as aventuras da Enterprise sob o comando de Christopher Pike, que comandou a nave antes de Kirk, como mostrado no episódio "The Menagerie", da Série Clássica. Desta fase, também, surgiu o primeiro crossover oficial entre os personagens de Jornada e um outro universo ficcional, com a publicação de "Star Trek - X-Men".



Em 1998, com problemas financeiros, a Marvel desistiu de sua participação nas publicações, com o consentimento da Paramount. Houve um novo intervalo de quase um ano sem a publicação de quadrinhos de Jornada. Em 1999, a Wildstorm, uma divisão da DC Comics, adquiriu os direitos. A Wildstorm optou por não publicar revistas periódicas, concentrando-se em minisséries e edições especiais, dando-lhes maior liberdade para contar com a participação de autores com experiência no campo da ficção. A Wildstorm participou, também, de modo breve, da campanha de relançamento de Deep Space Nine, originada em livros pela Pocket Books, que mostravam os eventos ocorridos após o último episódio da série.

A partir de julho de 2001, a Wildstorm deixou de publicar os quadrinhos, alegando que as vendas haviam sido baixas. Desde então, não houve nenhuma nova aventura de Jornada no mercado.


Quadrinhos de Jornada no Brasil

A publicação de quadrinhos de Jornada no Brasil foi escassa e a intervalos irregulares. As primeiras revistas foram lançadas pela Editora Ebal, a partir de 1969, publicando então histórias lançadas pela Gold Key, no preto-e-branco característico das publicações da editora. Esta série durou meros 14 números.

Na segunda metade da década de 70, a Editora Abril lançou uma série própria de quadrinhos, também traduzindo edições da Gold Key, desta vez em cores. Foram lançados poucos números, e algumas edições especiais. As edições especiais caracterizavam-se pela presença de pequenos artigos de ciência e astronomia, em gritante contraste com os absurdos mostrados pelas histórias da Gold Key.



Quase quinze anos de passariam antes que os quadrinhos de Jornada voltassem a ser publicados no Brasil. Em 1991, a Editora Abril deu início a um título próprio da série, em edições que preservavam o formato original da revista, fugindo do "formatinho".

As edições traziam histórias da Série Clássica, da segunda fase da DC, e histórias da Nova Geração. Na contra-capa, fotos de episódios de série clássica e do sexto filme da série, então prestes a ser lançado. Após nove números, a revista foi cancelada, por problemas editoriais da Abril -- um contra-senso, já que alguns números da revista venderam mais que o campeão de vendagem "Batman".

Outros 10 anos se passariam sem novas publicações de quadrinhos no Brasil, até a publicação, em 2002, pela editora Brainstore, de "Jornada nas Estrelas - Dívida de Honra", adaptação da primeira Graphic Novel da história de Jornada.


Referências:
http://www3.sympatico.ca/norb.stachowski/ST.htm
http://www.cs.uu.nl/wais/html/na-dir/star-trek/comics-checklist/part1.html
Coleção particular do autor
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Você pode baixar uma apresentação para Power-Point sobre HQs de Jornada nas Estrelas que foi utilizada na palestra sobre o tema, ministrada pela equipe do Trek Brasilis no evento "O Mundo dos Quadrinhos" realizado pelo SENAC de São Paulo em 5 de julho de 2003. Para fazer o download do arquivo, que contém muitas capas de revistas e informações diversas, basta clicar aqui. Ele tem cerca de 4 Mb.