Data Estelar: 51658.2

A capitã Janeway adquire novos armamentos de um comerciante Entharan chamado Kovin e Seven of Nine é designada para ajudar na integração da tecnologia aos sistemas da Voyager. Quando o visitante critica seu trabalho e a afasta do terminal, a ex-Borg o agride fisicamente. Depois que Seven exibe um ataque de ansiedade na Enfermaria, o Doutor acredita que aquilo foi causado por memórias reprimidas tentando vir à tona. Ele acabou de adicionar uma sub-rotina psiquiátrica a seu programa e guia a colega por uma terapia hipnótica. Durante a sessão, Seven se recorda que Kovin realizou um procedimento cirúrgico nela e extraiu tecnologia Borg.

Enquanto o Doutor sonda suas memórias, Seven lembra que a intervenção se passou enquanto ela e Kovin testavam armas. Ao entrar em seu laboratório, o alienígena disparou um raio de thoron contra ela. Depois, ativou os tubos de assimilação em seu braço e extraiu as nanossondas. Outro Entharan estava deitado na mesa ao lado e foi assimilado como cobaia. Janeway convoca Kovin para o indagar sobre o assunto, mas ele nega veementemente as acusações. Diz que a arma de thoron disparou acidentalmente. Diante das informações contraditórias, a capitã ordena que Tuvok inicie a investigação.

Kovin pede que o oficial de segurança da Voyager retire as acusações. Já que os Entharans dependem do comércio com outras raças, incidentes como aquele, envolvendo relações diplomáticas, são um grave delito - mesmo que se trate apenas de acusação não comprovada. Kovin sabe que, do contrário, sua vida estará arruinada. Com a ajuda de um magistrado Entharan, o Doutor inspeciona o laboratório e encontra uma amostra de nanossondas Borgs sobre uma mesa. Ao ser informado de que aquilo é evidência suficiente para incriminá-lo, Kovin se desespera, imediatamente se transporta para sua nave e foge.

Enquanto a Voyager traça um curso de perseguição, Janeway e Tuvok continuam investigando. Eles simulam uma explosão de thoron perto do braço de Seven e, depois, estudam a amostra de tecido. Descobrem que suas nanossondas se regeneraram da forma como Kovin descreveu que ocorrera no laboratório. Todos percebem que as memórias reprimidas da ex-Borg foram, provavelmente, imagens de suas experiências como zangão.

Janeway abre um canal com Kovin e explica que errou ao acusá-lo, mas ele não acredita. Pensa que tudo é uma cilada para capturá-lo. Nervoso, abre fogo contra a Voyager. A capitã não revida o ataque e tenta transportá-lo a bordo. A nave de Kovin acaba entrando em sobrecarga e explode, matando-o. Seven passa a sentir remorso, assim como o Doutor. Janeway chega à conclusão que o excesso de zelo para com Seven e idéias pré-concebidas sobre Kovin resultaram na tragédia. O médico solicita que todos os seus acréscimos ao programa sejam apagados, mas a capitã nega o pedido.

Comentários:

Um excelente segmento. O que mais chama a atenção em "Retrospect" é que os tripulantes não saem como os "mocinhos". Ainda que bem intencionados na defesa de Seven, eles erram no julgamento... e erram feio. E o melhor: o roteiro não tenta consertar a "mancada" com discursos paliativos. Voyager segue de forma audaciosa nesta que é sua melhor temporada. Deve isso a Seven? Sim e não. Não é como se a nova personagem fosse o melhor que já aconteceu na série. Mas a ex-Borg, além de uma bela "paisagem", trouxe a controvérsia e o conflito que faltavam - papel originalmente atribuído aos Maquis, que, no entanto, nunca o cumpriram. Ela é escrita com seriedade, segurança e coerência. Até aqui, o foco tem sido os dilemas morais e humanos da ex-Borg. Quem perde são os outros personagens, já relegados a participações meramente ilustrativas.

No episódio, a Voyager - ainda em território explorado pelos Hirogens - conhece os Entharans, uma raça amigável de comerciantes. É curioso que Janeway negocie armamentos. Talvez, a capitã esteja se precavendo contra a ameaça que os caçadores representam (e representarão), embora isso não seja dito em tela. Seu contato é com Kovin, um homem aparentemente desprovido de escrúpulos, arrogante e impaciente. Os acordos se complicam quando Seven o ataca na Engenharia, quebrando seu nariz. Pela primeira vez, as emoções da personagem são exploradas no seriado.

A ex-Borg - que sempre se assemelhou a uma Vulvana - demonstra ansiedade exacerbada, claustrofobia e as emoções ficam à flor da pele. É claro que o Doutor se intriga. Acaba atribuindo aquela inquietação a memórias que, por alguma razão, foram bloqueadas. Assim, por meio de uma técnica bastante amadora, induz Seven a uma "regressão", durante a qual a dupla constata que Kovin a atacara na superfície do planeta. Digno de nota: a frase "ele me violou" constava no comercial original para UPN, coberta pela imagem de Seven na mesa. O telespectador, com base naquilo, foi levado a achar que o episódio relataria um caso de estupro.

Mas as lembranças não eram verídicas. Tudo o que acontecera não passou de um acidente. Ninguém duvida das intenções de Seven. Nem mesmo o telespectador. Deduz-se que, provavelmente, as cenas do "ataque" eram remanescentes de assimilações que ela testemunhara quando zangão. As especulações ficam a cargo dos psicólogos. Só que, infelizmente, a conclusão vem tarde demais. Enquanto a investigação se estende, a tripulação tenta comprovar as acusações da colega. Não apenas Janeway queria que Seven se sentisse parte da família, como Kovin deixara uma má impressão. Surge o questionamento: até onde vai a imparcialidade da capitã? E a de Tuvok, suposto investigador lógico? Parece que, com base nas imagens que firmaram do alienígena, lutaram até o final para encontrar evidências de que era culpado.

Kate Mulgrew está cada dia mais desenvolta no papel. Aqui - muito diferente de Picard, que nunca errava -, Janeway enfrenta com humildade seus erros de julgamento. O que a destaca na história é que os roteiristas não tentaram eximi-la de culpa. Já Jeri Ryan, que vem brilhando a cada novo episódio, merece todas as honras. O clímax, para ela, é a cena (muito bem dirigida por Trevino), em que Janeway, Tuvok e o Doutor constatam que Kovin era inocente. Todos os olhares se voltam para ela e a ex-Borg percebe que está sozinha.

Contudo, nem tudo é perfeito em "Retrospect". Pode-se entender, com base nos rigores da cultura Entharan, que Kovin tenha se desesperado diante do veredicto. Mas é meio forçada a idéia de que fugiria em pânico na sua nave, abandonando tudo para trás e sem perspectivas à frente. O desastre que o matou é ainda mais incrível. Por que ele abre fogo contra a Voyager, se a capitã - apoiada pelo magistrado - afirmou que descobrira a sua inocência? Como é que Harry nunca acerta no transporte, sempre impedido por naves tecnologicamente inferiores. O telespectador tem de relevar esses fatos no roteiro, pois são necessários ao desfecho - esse sim, bastante forte.

Os diálogos derradeiros, entre Seven e o Doutor e entre ele e Janeway, finalizam com chave de ouro a história. O fã tem de se segurar para não julgar a ex-Borg, baseando-se na idéia de que ela não conseguia identificar e controlar suas emoções. Não só isso, mas era fomentada pelos colegas, que a queriam proteger. O médico desce do pedestal e, humildemente, reconhece que não é uma enciclopédia ambulante. Pede que seja "resetado" para seu estado original. A capitã, neste momento, extrapola a figura de oficial e atua como "mãe", negando o pleito. Adverte que, se ele apagar todas as memórias do incidente, perderá todo o cerne da questão. O dano está feito. Agora, todos precisam encarar de frente a responsabilidade pela morte de um homem inocente.

No fim das contas, "Retrospect" se destaca pelo foco nos personagens - e não na ação - e exemplifica como Voyager tem potencial. A série não deveria se tratar de exploração espacial ou da viagem para casa, mas dos conflitos humanos que eclodem no percurso. Quiséramos, apenas, que episódios como esse fossem a regra e não a exceção.

Michael Horton interpretou o tenente Daniels em "Jornada nas Estrelas - Primeiro Contato". Também participou de "Insurrection", embora não apareça nos créditos.