Publicado em
27 de janeiro de 2003


Revisitando "Endgame"
Análise completa do episódio final de Voyager


 









 


por Luiz Castanheira

Sinopse Comentada

Futuro - Estamos na terra do futuro, 33 anos após a Voyager ter se perdido no quadrante Delta. Um noticiário relembra o retorno da intrépida nave, 10 anos antes, enquanto uma envelhecida Janeway toma um pouco de chá, sozinha em seu apartamento. 

Na festa dos 10 anos do retorno da Voyager, vemos o que o futuro reservou para os seus tripulantes. Naomi Wildman (que não aparece no episódio, assim como sua mãe, Samantha) tem uma filha pequena chamada Sabrina. Harry Kim (aparentemente solteiro) é o capitão da nave estelar USS Rhode Island (semelhante à USS Equinox, vista no episódio de mesmo nome). Tom Paris parece ser um civil, escritor de holo-novelas. Tudo indica que B'Elanna Torres também seja uma civil, mas ela é adida ao governo Klingon. O Doutor adotou o nome "Joe", acabou de se casar com uma humana  de nome Lana (leia-se "Barbie"), e tem uma alta posição na Frota Estelar (aparentemente, os direitos dos hologramas foram reconhecidos). O emissor portátil dele não é visto em nenhuma cena no futuro, mas pode ser que estivesse escondido sob a sua roupa holográfica. Barclay, também solteiro, é comandante e professor da Academia da Frota Estelar, assim como a almirante Janeway, que planeja dividir uma disciplina sobre os Borgs com ele, no semestre que se inicia. 

Tuvok está hospitalizado devido a uma doença neurológica degenerativa, que lhe roubou completamente a razão. Os primeiros sintomas de tal doença tinham sido diagnosticados pelo doutor, 26 anos antes. Seven of Nine está morta há 23 anos e Chakotay, o seu marido, morreu de desgosto poucos anos depois. Paris e Torres têm uma filha de 26 anos, uma alferes da Frota Estelar de nome Miral Paris - o mesmo nome da mãe de B'Elanna -, que está em uma missão secreta sob ordens da almirante Janeway. Torres diz que um pedido da almirante, de inclusão da casa de um certo Klingon Korath no grande conselho Klingon, está bem encaminhado. Quando a antiga engenheira-chefe da Voyager pergunta se isto têm algo a ver com a missão de Miral, a almirante se esquiva. 

A almirante Janeway visita Tuvok para se despedir. Ela também pede ao Doutor uma grande quantidade de uma droga experimental que combate o envenenamento por táquions, mas não lhe revela as suas motivações. Barclay deixa à disposição de Janeway uma nave auxiliar entupida de tecnologia anti-Borg. Em seguida, ela vai ao túmulo de Chakotay e diz adeus. 

(Aqui já estamos com aproximadamente 15 minutos de exibição e termina a melhor parte do episódio; a propósito, a Voyager se tornou um museu no pátio do Presidio. Do gabinete da capitã pode-se avistar Alcatraz.) 

Presente - Os repetidos alarmes falsos do nascimento da filha de Torres levam a tripulação a instituir um "bolão do bebê", para apostar na hora em que Miral vai nascer. Chakotay e a capitã Janeway discutem um substituto para Neelix (que deixou a nave episódios antes). Depois, Chakotay e Seven têm o seu terceiro encontro. 

Tuvok já exibe os sintomas iniciais de sua doença neurológica, mas o Doutor mantém a situação entre os dois, a pedido do paciente Vulcano. Enquanto isso, Seven e Neelix jogam pelo subespaço, mas a partida de Kadis-Khot é interrompida quando Seven descobre uma nebulosa aparentemente infestada de fendas espaciais.

Futuro - Tuvok está completamente perturbado após a última visita de Janeway. O Doutor fica desconfiado e pressiona Barclay, que acaba revelando o destino da almirante. O holograma médico partilha tal informação com o capitão Harry Kim. 

A almirante, com a ajuda de Miral Paris (um verdadeiro achado do pessoal de elenco na pessoa de sua atriz), encontrar-se com o Klingon Korath (vivido pelo homem múltiplo de Jornada, Vaughn Armstrong) para obter uma peça de equipamento fundamental para a sua viagem. Mas, depois que Korath se recusa em honrar o acordo original, Janeway rouba o equipamento. Ela segue em sua nave auxiliar com dois cruzadores Klingons em sua cola. Porém, a nave da almirante possui uma espécie de armadura que suporta o poder de fogo combinado das duas naves. 

Presente - A Voyager encontra vários cubos Borgs no interior da nebulosa e bate em retirada, sob o olhar atento da rainha Borg (Alice Kriege, retornando ao papel que interpretou no filme Primeiro Contato). 

Futuro - A nave de Kim intercepta Janeway, mas a almirante convence o capitão da importância de sua missão e ele acaba ajudando-a em seu "desentendimento" com os Klingons. A almirante utiliza o dispositivo de Korath para abrir uma passagem espaço-temporal até a Voyager do presente e se transporta para o quadrante Delta. 

Presente (até o final) - A Voyager fecha a abertura antes que os cruzadores Klingons possam atravessar também. A rainha observa incrédula a transmissão da almirante para Voyager. 

(Aqui já estamos com aproximadamente 45 minutos de exibição e o episódio perde a interessante estrutura narrativa de presente-futuro, o que acaba por prejudica-lo. Este é o ponto em que o episódio foi cortado para ser exibido em duas partes nas reprises.) 

A almirante propõe que a Voyager utilize a tecnologia de defesa que ela trouxe do futuro, passe pelos Borgs e entre em uma das fendas espaciais para voltar para casa. A capitão Janeway aceita a proposta e são iniciados os preparativos para a missão. A rainha avisa a Seven, durante um dos ciclos de regeneração, que se a Voyager retornar à nebulosa ela será destruída. 

A tecnologia da almirante é impressionante. A armadura resiste ao assalto combinado de múltiplos cubos e os novos torpedos explodem cubos inteiros, com extrema facilidade. Porém, a almirante não avisa a tripulação que a nebulosa guarda uma fantástica estrutura que permite que os Borgs posicionem instantaneamente naves nos quatro cantos da galáxia, provavelmente a maior vantagem tática da coletividade - um tipo de "hub transdobra". A capitã então manda dar meia-volta e ordena que seja feito um plano para destruir tal estrutura. A almirante é totalmente contra. 

As duas Janeways discutem e se enfrantam, até a almirante contar sobre o que virá a acontecer a Tuvok, Seven e Chakotay. Preocupada, a capitã vai até Tuvok, que confirma a sua doença e diz que a única cura possível é um elo mental com um dos seus familiares - os quais estão todos no quadrante Alfa. A almirante também conta tudo para Seven, na esperança de que a ex-Borg possa fazer a capitão mudar de idéia, mas a única reação de Seven é romper o relacionamento com Chakotay. 

Um plano arriscado é formulado, só que a capitã quer a aprovação de todos, devido ao enorme risco envolvido. Kim, sempre o mais obcecado em voltar para casa, aprova o plano e propõe um brinde não ao destino, mas sim à jornada da Voyager.

 

A Janeway do futuro se comove com os últimos acontecimentos e articula um plano de apoio com a capitã. A almirante vai ao encontro da rainha Borg em sua cidadela. Quando a majestade dos Borgs assimila a almirante, acaba cometendo um erro fatal. A almirante fora infectada com o agente patogênico apresentado no episódio "Child's Play" e a rainha, a cidadela e a nave auxiliar da almirante são todas destruídas. A almirante dá a vida para levar a sua tripulação para casa.

A Voyager entra em um conduite transdobra, rumando para o quadrante Alfa. Usando os torpedos do futuro, a nave consegue produzir uma reação em cadeia que acaba por destruir totalmente a estrutura do hub. Na reta de chegada para casa, no entanto, a Voyager é surpreendida por uma última esfera Borg. Próxima à abertura do conduite no quadrante alfa está à espera uma frota de naves convocada pelo almirante Paris (presente na sede do projeto "Pathfinder", juntamente com o tenente Barclay).

Quando a esfera abre a sua comporta de assimilação, Tom Paris consegue estacionar a Voyager em seu interior, e Janeway e cia. acabam explodindo a nave Borg por dentro, chegando em uma gloriosa bola de fogo ao quadrante Alfa. Em meio à confusão nasce Miral Paris. Tom desce para Enfermaria e Chakotay assume o leme, não sem antes trocar um "sorrisinho" com Seven. Janeway ordena um curso para casa e a Voyager segue para a Terra escoltada por uma frota de naves da Frota Estelar. 

 

Comentários Principais: 

A coisa mais certa que se pode dizer sobre esse segmento final de Voyager é que a quarta encarnação de Jornada nas Estrelas "morreu como viveu". "Endgame" representa perfeitamente as virtudes e defeitos que marcaram toda a produção da série. Não se encontra no presente artigo uma justificativa formal desta afirmação (o que levaria a um gigantesco texto), mas os comentários sobre o episódio examinam defeitos presentes na série como um todo. 

Provavelmente a primeira coisa que um espectador vai dizer, após a sua primeira experiência com o episódio, é: "- Caramba, eu acho que já vi isto em algum lugar!". A trama principal do episódio é de fato derivada de forma descarada do episódio "Timeless" (da quinta temporada da série, o seu centésimo e mais popular episódio), que por sua vez já era uma variação de um dispositivo de trama utilizado anteriormente em Jornada inúmeras vezes. Porém, o que realmente irrita são as incontáveis similaridades de "Endgame" com o episódio final de a A Nova Geração, "All Good Things" - um dos mais populares daquela série e que deu a Brannon Braga a mais importante força criativa da série Voyager: um prêmio Hugo e uma nominação ao prêmio Emmy. As similaridades são tão numerosas que aparentemente o citado "All Good Things" deve ter sido utilizado como um modelo formal para "Endgame". Isso é algo tão na cara que uma parte específica deste artigo foi reservada só para tratar dessas similaridades. Assumindo a óbvia falta de originalidade, continuemos com a análise do episódio. 

Antes de chegarmos no núcleo do segmento, a figura da almirante Janeway, torna-se necessário colocar uma hipótese básica de trabalho do autor quanto a viagens temporais (de forma bastante resumida é claro), para estabelecer o referencial para a discussão. Tal axioma pode ser resumido como: "Um viajante temporal volta sempre para o passado de um universo paralelo, nunca para o dele próprio". Tal hipótese elimina a maioria dos paradoxos associados a viagens temporais (o "paradoxo do avô" para citar um exemplo óbvio) e também oferece uma maior ressonância dramática, pois os viajantes sempre acham que estão modificando os seus próprios universos, mas no fundo estão modificando um universo paralelo, tornando-as figuras extremamente trágicas. 

Então, sob tal ponto de vista, a almirante Janeway é um elemento de um futuro de um universo paralelo, universo que CONTINUOU a existir, mesmo com todos os eventos narrados no episódio e no qual o seu desaparecimento permanece, como disse "aquele" Tuvok: "um mistério". 

Com base nisto... É cômico (além de ser uma "caixa de vermes" gigantesca) que um figurão da Frota Estelar tenha acesso aos meios para fazer a lambança que a almirante faz no episódio. Onde andará a "polícia temporal" da Federação do século XXIX nestas horas? Além de ser arbitrário a almirante trazer supertorpedos e armadura, mas não algum tipo de propulsão transdobra para simplesmente levar a nave para casa. 

O fato de toda aquela tecnologia do futuro acabar na Terra é simplesmente ridículo. E ainda: a existência do tal "hub" transforma o início do filme "Primeiro Contato" em uma bobagem sem tamanho. De fato, a existência de tal estrutura transforma todas as táticas da coletividade com relação à Terra em um amontoado de idiotices. 

É irônico que Voyager, uma série que produziu um episódio  sobre o quanto é infrutífera uma obsessão em mudar o passado tenha, em seu desfecho, a protagonista tentando e conseguindo fazer exatamente isto (a referência aqui é ao duplo "Year Of Hell", da quarta temporada). Isso é também verdadeiro para "Timeless", na figura de Harry Kim. Mas aquele episódio teve resultados tão mais satisfatórios que o presente "Endgame" que isso acaba não importando tanto. O principal diferencial é a associação da falha de Kim a um evento específico, o famoso "ponto focal", e daí a missão do seu alter-ego mais velho. Construindo uma obsessão através da culpa pelo desastre advindo deste evento específico. Tal "foco" faz de fato a diferença entre os episódios.

É novamente arbitrário, e mesmo arrogante, o fato de a almirante escolher exatamente sete anos da missão da Voyager no quadrante Delta como um "ponto de equilíbrio" entre o estabelecimento dos relacionamentos da tripulação e a sobrevivência dos membros desta mesma tripulação. 

Com os meios e as motivações por trás da missão da almirante Janeway soando de forma tão arbitrária e não sincera, uma apreciação mais afetuosa do episódio se torna difícil. Essencialmente, a história segue com o piloto automático ligado, percorrendo ponto a ponto de uma trama mecânica, derivada e previsível. 

As cenas do futuro (do universo alternativo), especialmente os primeiros 15 minutos do episódio, contêm os seus melhores momentos. Tal futuro é interessante porque nele temos presentes e ausentes, tragédias e redenções, alegria e dor. Um cenário com o qual é possível simpatizar, algo que definitivamente parece com a vida. Isto faz pensar: Será que os eventos em "nosso" universo, que a almirante Janeway desencadeou, irão produzir um futuro similar? Será que existirão outras (ou as mesmas) tragédias pessoais para esta tripulação no "nosso" futuro? 

(Outra coisa que se observa é que os personagens parecem ter nesse futuro um elo muito mais forte entre eles do que no presente. Mais um ponto a favor das citadas cenas.) 

A impressão final é a de que a Voyager voltou para casa não pelos méritos de sua tripulação ou pelos esforços do pessoal do projeto "Pathfinder" mas sim por que uma viajante temporal apareceu na frente da nave e ofereceu "tecnologia mágica" com a qual seus tripulantes puderam "aleijar" os Borgs E voltar ao lar. 

O fato de a tripulação não ter de fato que escolher entre voltar para casa e arrasar os Borgs é lamentável! Este tipo de situação é que produz real drama, mas os roteiristas tomaram, como sempre, o caminho mais fácil.

O mais difícil de engolir é que o único "pagamento dramático" oferecido para a realização de duas tarefas tão hercúleas e simultâneas tenha sido apenas a morte da almirante Janeway, que obviamente era uma clara "comida de verme" desde o momento que partiu em sua missão. Tudo termina "certinho e bonitinho", o espectador se sente enganado por causa disto. 

Estas são as idéias gerais. Não serão comentados detalhes mais finos da trama, pois a dita cuja simplesmente não merece o esforço. (Mais um fato importante é que o episódio perde muito em andamento, quando a almirante Janeway chega ao presente, dissolvendo a estrutura de narrativa presente/futuro.) 

 

Personagens (Onde aparecem os maiores problemas desta série.) 

Os personagens funcionam melhor como suas contrapartes do futuro. É simplesmente inaceitável que suas versões do futuro alternativo representem, em um certo sentido, um fechamento adequado para eles em termos da série como um todo. 

O grande problema da caracterização dos personagens do episódio - mas de forma alguma o único - está no casal Seven/Chakotay. A total e descarada falta de "setup" de tal relacionamento nos faz pensar que perdemos ao menos uma temporada, o que não é, obviamente, o caso. A falta de química entre os dois atores e o absurdo da situação parece ter afetado os próprios Ryan e Beltran. Em certos pontos, temos a clara impressão de que uma "sessão de riso coletiva" está para ocorrer. 

(O mais duro é que tal relacionamento tenha bastante tempo de tela. Depois dessa bobagem é difícil não concordar com as palavras do Robert Beltran: "-Os roteiristas de Voyager são uns idiotas".) 

De fato, se não fosse por essas cenas, Chakotay não teria muito que fazer devido à forma que o episódio é estruturado com duas Janeways. A esquecida perspectiva de um romance de Chakotay com Janeway não é sugerida, mesmo que por sub-texto, em lugar algum. 

O episódio reduz o "setup" do final de "Human Error" (potencialmente trágico para Seven of Nine) a uma "coisa tão simples que um procedimento médico trivial de fim de tarde pode resolver". A partir daí, Seven está pronta para experimentar emoções com o comandante "Comatay". Mais uma reciclagem (via almirante Janeway) do tema da culpa de Seven, pelos seus tempos na coletividade, é simplesmente ridícula. A personagem fica muito mal fechada. 

O Doutor tem uma melhor sorte, pois parte do seu fechamento ficou no bom episódio "Author, Author". Neste veículo, a possibilidade de um relacionamento dele com Seven vai para o "toilete", com direito a AINDA MAIS UMA "cena do Doutor, que, através somente de sub-texto, continua a tentar conquistar Seven em longo prazo" (a cena é simplesmente deprimente, apesar do esforço de Picardo). Deve ser frustrante perder a Seven para um personagem em ETERNO estado de coma. O Doutor se sai bem como alívio cômico. 

Kim continua o eterno "bobo-da-corte". Seu brinde "não ao destino, mas sim à jornada", que vai para o ralo com o final apresentado, beira a comédia involuntária. 

Torres foi usada como alívio cômico, e as cenas funcionam mais pela raça da atriz. Paris tenta assumir ares mais responsáveis (o que ele até certo ponto consegue, dentro da sua rasa caracterização). Foi digno de nota o fato de ambos estarem preparados para criar a sua filha a bordo da Voyager - é uma pena que o final tenha arruinado isto também. 

A participação de Neelix foi ínfima (felizmente). Tuvok saiu com alguma dignidade e a referência a Spock foi simpática. Pena que o nosso primeiro "Afro-Vulcano-Americano" (ou algo parecido) tenha sido tão ridiculamente pouco (e mal) desenvolvido no curso da série. Ele se notabilizou por falas como "Escudos a 50%" e as suas derivadas, "escudos a 40%", "escudos a 30%"... 

A caracterização de Janeway (no presente caso, das duas Janeways) representa talvez o maior desgosto do autor por esta série. Aqui temos a personagem tentando forçar sua patente por pelo menos três vezes, tomando posições rígidas e radicais e depois "dando um 180" (não menos radical) sobre tais posições e violando regras e respeitando outras tantas para fazer o episódio funcionar em seus termos. É dose! 

(Aparentemente a maquiagem da almirante Janeway era a mais leve dentre todas as versões futuras dos personagens? Parece que o capitão Kim é mais velho do que ela.) 

Nem mesmo o Klingon Korath funcionou aqui. Ele era um tipo sem um pingo de honra. Miral Paris foi um prazer de assistir. Barclay foi decente e os demais não comprometeram. Já a rainha Borg passou de um interessante conceito que serviu para viabilizar o filme Primeiro Contato para audiências leigas na franquia, a uma "vilã-padrão" que acabou por tornar bastante indefinida (especialmente pela falta de consistência) a própria coletividade. Aqui ela morre... mais uma vez. 

 

Valores de produção

A direção de Alan Kroeker é segura e confiante, seja com a câmera na mão ou na ponta da grua. As cenas com as duas Janeways são infinitamente bem executadas, sem exageros puramente estéticos. Da maquiagem aos cenários, o episódio é visualmente soberbo. Um grande bônus vai para a equipe de efeitos visuais, pelo "hub transdobra". 

Dentre os atores regulares temos: uma raçuda (como sempre) Dawson, um competente McNeill, um digno Tim Russ, o eterno malabarista de roteiros ruins Picardo, uma irregular Ryan, um (eternamente) comatoso e desmotivado Beltran, um usualmente medíocre Wang e uma pontinha inofensiva de Phillips. O destaque vai para Mulgrew no papel das duas Janeways, especialmente no da almirante. Ela protagonizou com Russ a cena mais tocante do episódio, a da despedida entre a almirante e Tuvok. Apesar de serem estranhas algumas escolhas da atriz (em certas cenas a almirante parece ter mais energia do que a capitão), ela se esforçou um bocado para o episódio funcionar em seus termos propostos. 

Schultz fez o seu bom trabalho usual, talvez só um pouco mais apagado do que de costume. Armstrong deu o seu melhor na pele do Klingon Korath. Kriege definitivamente consegue impor uma aura mais malévola à rainha Borg do que Susana Thompson. Mas a indiferença pessoal do autor com relação à personagem cresceu a tal ponto que isto é essencialmente "irrelevante". Herd, Intiraymi e os demais não comprometeram. O destaque absoluto dentre os atores convidados (especialmente pelo pouco tempo de tela) , vai para Lisa Locicero como Miral Paris. 

 

Outro pontos secundários positivos 

- Tuvok e Kim envolvidos no jogo de Kal-Toh;

- Seven e Neelix jogando Kadis-Khot on-line;

- Chakotay e Janeway discutindo o substituto de Neelix;

- o "bolão do bebê";

- uma breve referência à espécie 8472;

- uma breve referência ao episódio "Unimatrix Zero"

 

Outros Pontos secundários negativos

- Paris e Janeway se abaixando enquanto a Voyager passa por baixo de um cubo Borg; 

- Janeway se apresentando como a especialista definitiva sobre os Borgs, barateando as experiências de Picard com a coletividade;

- inúmeras possibilidades de boa continuidade perdidas, mas a mais descarada é o total esquecimento dos acontecimentos de "Unimatrix Zero", o último "grande" episódio Borg antes de "Endgame"

- falta de fechamento para os personagens (especialmente com relação a questões não triviais envolvendo os Maquis, Tom Paris, Seven e o Doutor). A sugestão de que os acontecimentos das vidas dos personagens se desenrolem de forma similar aos apresentados no futuro alternativo é insatisfatória para dizer o mínimo. 

 

Conclusão

No piloto de Voyager, "Caretaker", foi estabelecida a premissa da série de voltar para casa, mas a realização desta premissa em "Endgame" parece soar totalmente falsa e desprovida do impacto emocional que deveria ter. O fato de a tripulação não ter que escolher entre voltar pra casa e "fazer um bem maior" é totalmente insatisfatório e o brinde "à jornada e não ao destino" só serve para esvaziar ainda mais o final (chega até a ser engraçada a combinação dessas duas situações, mostrando claramente o pouco interesse dos realizadores da série pela sua conclusão). O retorno da Voyager, ainda mais da forma realizada aqui, tira da série o seu único diferencial, deixando um problema para histórias futuras, mesmo para os livros (ou será que este foi justamente o objetivo?). 

O episódio ainda assim recebe uma boa recomendação. A recomendação relativamente alta vai para o seu valor de entretenimento, em grande parte agregado aos excelentes valores de produção apresentados. O episódio é fortemente recomendado aos fãs tradicionais da série, pois "Endgame" é um autêntico exemplar de Voyager, até o último detalhe. Entretanto, qualquer esforço do autor em levar o episódio a sério ou extrair algum impacto ou satisfação emocional dele se mostrou inútil. O que será deste episódio daqui a uns cinco anos - talvez em muito menos tempo, aliás - quando a qualidade dos efeitos visuais desaparecer?

Uma nota final (e bastante cínica) sobre este episódio (e sobre a série Voyager como um todo é que, lembrando os títulos dos segmentos finais das demais séries de Jornada nas Estrelas, Undiscovered Country (Série Clássica), "All Good Things...(A Nova Geração) e "What You Leave Behind" (Deep Space Nine), motivos literários parecem vir à mente. Lembrando do título do episódio final de Voyager, "Endgame", um texto de videogame parece vir a mente. Sinal de tempos mais descartáveis, aos quais, infelizmente, a quarta série da franquia se adaptou, e bem.

 

Recomendação:

 

Apêndice: Similaridades entre "Endgame" e "All Good Things..." (Similaridades associadas - na maior parte - ao futuro alternativo apresentado no episódio.) 

- Uma versão envelhecida da protagonista; 

- os uniformes da Frota Estelar no futuro; 

- cruzadores Klingons futuristas atacando uma nave comandada por uma mulher; 

- uma nave da Federação com camuflagem; 

- Torres como adida ao Império Klingon; 

- Paris como escritor; 

- um único personagem é capitão e um único personagem é almirante; 

- um bizarro casal que ninguém sabe de onde veio e cuja união possui implicações trágicas no futuro alternativo; 

- é apresentada uma "versão upgrade" da nave principal da série;

- um personagem sofrendo de uma doença neurológica degenerativa; 

- pulso de anti-táquions para fechar uma anomalia espaço-temporal; 

- Barclay e Janeway se tornam professores. 

Além da trama principal de "Endgame" ser bastante similar à de "Timeless" - sem contar com um pequeno eco de "Time Squared", da segunda temporada de A Nova Geração - , o que mais salta aos olhos são as similaridades deste com o episódio final da série da turma de Picard e Data. Além das similaridades por si, a interação entre elas só amplia a noção de estarmos assistindo a algo reciclado.)

A estratégia de ataque aos Borgs da almirante Janeway remete claramente à trilogia "camuflagem + supertorpedos + armadura", da Defiant. Também existe uma nave da classe Defiant, dentre as naves que escoltam a Voyager de volta pra casa.