Enterprise
Temporada 3

Análise do episódio por
Salvador Nogueira



 









 

MANCHETE DO EPISÓDIO
História alternativa é foco do fim da Guerra Fria Temporal

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Sinopse:

Imediatamente após o calor do momento em conseguirem resolver a ameaça Xindi, a tripulação da Enterprise se vê com um novo problema, em duas frentes. Primeiro, o shuttlepod enviado da nave para São Francisco é interceptado por antigos P-51D americanos, e também tiros de artilharia antiaérea, enquanto Archer surge em um hospital de campanha alemão. Enquanto o Capitão da Enterprise era conduzido em um comboio, grupos de resistência atacam, e resgatam o prisioneiro do futuro. Entrementes, Trip, T'pol, Reed, Maywheather e Hoshi deliberam sobre o fato de que eles voltaram no tempo até a década de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial.

Algum tempo depois, dois inusitados oficiais alemães discutem a descoberta e fuga de Archer em uma sala com equipamento avançado demais para os padrões da época. Embora respectivamente com uniformes da Wehrmacht e Gestapo, ambos são claramente aliens e deduzem que Archer deve ser um humano do futuro, dado o equipamento que encontraram com ele.

Mais tarde, enquanto Trip se desculpava com T'pol por sua ríspida reação inicial a nova situação em que se encontram, Reed adiciona importante informação a respeito: segundo consta, há relatórios sobre batalhas entre forças aliadas e alemãs nos estados americanos de Virgínia e Ohio. Enquanto isto, um cambaleante e deformado Daniels entra na enfermaria, para surpresa de Phlox.

Archer acorda sob os cuidados de Alicia, uma garota negra colaboradora da resistência americana, que assume que, pelo patch no uniforme, Archer deva ser um marinheiro sobrevivente do afundamento do Enterprise CV-6, um dos porta-aviões americano da época. Archer ainda está bem confuso, e joga com o que sabe pelo momento, e aprende da garota que o ajuda, que estão em Nova Iorque, em 1944, o que também já serve de alerta para Archer que está envolvido em algo a mais do que uma mera volta no tempo.

Em uma parcialmente danificada Casa Branca, dois oficiais alemães aliens fazem um briefing para um terceiro, humano, sobre avançadas armas de infantaria. Um dos aliens, Vosk, informa o General alemão que o suprimento destas armas adicionais está na dependência de se suprir fontes de energia adequadas para o modelo, e pelo diálogo, aprendemos que os alemães sabem que tais aliens vieram do futuro, pela maneira que ele descreve as necessidades da arma, e além disto, pede uma lista considerável de suprimentos. O humano não gosta de ter que desviar aquela quantidade de material do esforço de guerra, que embora está indo bem, ainda está longe de ser ganha. Demonstra um mapa, que mostra a área ocupada por forças alemãs, todo o nordeste dos EUA, desde o Maine até onde o front está, uma linha que segue por Ohio, as Virgínias e as Carolinas, com unidades convergindo nas cidades de Columbus e Charlotte. O oficial descreve que há concentrações de forças americanas prontas para ofensivas, e que em outras frentes os esforços estão sendo mais exigidos, como com os Russos tentando recapturar Moscou, e até mesmo o Fuhrer está propenso a acreditar que a Alemanha pode ter avançado rápido demais em uma linha longa demais de front. Vosk descreve que a associação entre eles tem sido em benefício mútuo, e que seria tolice negligenciar isto, ao que o oficial alemão acaba aceitando.

Phlox descreve para T'pol que Daniels está com partes do corpo com diferentes idades, desde criança até coisa de centenário, e que nada em particular parece estar causando aquilo – o corpo dele simplesmente está daquela forma. Quando ele recobra consciência, informa T'pol que a Guerra Fria Temporal esquentou, e uma das facções colocou agentes em campo na história da Terra para a alterarem diretamente, e os paradoxos resultantes estão afetando a linha temporal, a ponto de terem interferido na própria viagem dele ali, daí seus ferimentos. Daniels diz para T'pol que precisam deter alguém, mas Daniels desmaia novamente.

No Brooklin, membros da resistência vão até onde Archer está escondido, e informam que a Gestapo colocou um bom esforço em o encontrar. Um deles, Sal, pressiona bastante Archer para saber qual seria a razão de tanto interesse alemão, mas Archer usa o subterfúgio de "top-secret" para se manter irredutível e assim não passar informações sobre a real natureza de sua presença ali. Sal argumenta que com o irmão dele preso, o risco de saberem que estão ali é alto, mas Alicia se recusa a sair do apartamento. Durante um jantar, Archer aprende que o marido de Alicia está servindo em um destróier no Pacífico, onde a guerra também não anda lá estas coisas para o lado aliado, e ela descreve incrédula um pouco de como teria sido o desembarque alemão nos EUA. Archer pergunta para ela se Alicia conhece algo a respeito de um oficial alemão que não parece ser humano, e a hesitação da moça indica para o Capitão de que há mais a respeito disto, e precisa falar com os contatos dela na resistência.

Enquanto conduz mais reparos na ainda danificada Enterprise, Trip se depara com ninguém menos do que Silik. O suliban ordena ao humano entrar em um shuttlepod, e uma briga se inicia, com Silik acabando por tontear o engenheiro. Silik escapa em um dos pods para a atmosfera, antes que a Enterprise conseguisse o interceptar. A tripulação especula que Daniels se referia a ele, e iniciam procedimentos para o localizar.

Voltando de um encontro com um dos membros da resistência, Archer e Alicia se deparam com problemas por alguns soldados alemães invocarem com aquilo que parece ser um casal inter-racial. Apesar disto, conseguem mais tarde encontrar com um informante, que após alguma persuasão por parte de Sal e seu companheiro Carl, gangsters no pré-invasão, os indicam para um encontro com um sujeito que vez e outra o contata. Em um beco escuro, Archer e os demais conseguem render o sujeito, Ghrath, da mesma espécie dos aliens oficiais alemães. Archer e Ghrath dialogam sobre a guerra fria temporal, deixando os Sal e os demais um tanto confusos, mas segundo o alien, estão ajudando os alemães para obterem material para construírem um conduíte para voltarem ao seu tempo, pois estão presos naquela época, e Archer aprende também que a Enterprise está em órbita. A conversa tem que acabar mais cedo por o grupo ouvir sirenes se aproximando, mas não antes de Sal acabar matando Ghrath com três tiros a queima-roupa.

Em um campo fora da cidade, Trip e Maywheater se teleportam na localização que triangularam do pouso de Silik, mas encontram apenas o shuttlepod, danificado demais para levantar vôo no momento. Ambos tem que se esconderem de um destacamento alemão que para na estrada para investigar a estranha nave. Antes de finalmente serem rendidos, Trip consegue ativar a autodestruição do pod.

Enquanto se afastavam do local, Sal e os demais perguntam para Archer do que se tratou a conversa, e Archer apenas confirma que o sujeito era um alien – embora ele mesmo seja do norte do estado de Nova Iorque, ao ser questionado se era também extraterrestre. Mas nisto, o grupo se vê cercado por uma patrulha alemã no meio da escura rua à noite, e um tiroteio se inicia. Sal é derrubado e Carl dá cobertura para Alicia e Archer, que são cercados em um beco. Alicia oferece resistência aos soldados alemães enquanto Archer tenta contatar a Enterprise com um dispositivo que tirou do alien. O destacamento alemão, liderado por Vosk, rende Archer e Alicia, mas não antes de ambos serem teleportados pela Enterprise.

Uma vez na ponte, todos ficam aliviados de verem que Archer esta vivo, pois até então não tinham indícios nenhum de seu Capitão. Archer troca informações com T'pol, e aprende sobre a captura de Maywheater e Trip. Archer encontra Daniels, e aprende que o líder dos aliens é Vosk, um extremista que se opõe a qualquer acordo entre as facções da guerra fria temporal. O grupo de Vosk conseguiu neutralizar o de Daniels, e este arranjou para a Enterprise cair naquela época pois é quando Vosk pode ser detido. Daniels confirma a informação do alien que Vosk precisa construir seu conduíte de volta ali, e com a tecnologia da década de 1940, o equipamento tem que ser enorme e complicado. Antes de finalmente morrer, Daniels reforça a Archer a necessidade de deter Vosk a todo custo naquela época, e assim a Guerra Fria Temporal será completamente erradicada. Encerramos a primeira parte com Vosk enviado Trip e Maywheater para custódia e posterior interrogatório, e depois o alien inspeciona de um balcão uma gigantesca instalação futurista.

 

Comentários:

Se tem um episódio de Enterprise que é difícil de avaliar, ele se chama "Storm Front, Part I". Há pelo menos três modos diferentes de encará-lo. O primeiro, e talvez mais justo, seja pelo que ele é enquanto episódio, ou seja, o que ele apresenta em seus 42 minutos. Por esse ponto de vista, ele é sem dúvida um segmento com uma premissa interessante e bem executada.

Ultimamente, no campo da literatura em especial, tem sido uma moda interessante o desenvolvimento do que se convencionou chamar de "história alternativa". O que teria acontecido se Kennedy não tivesse sido assassinado? O que teria sido da humanidade se os russos tivessem chegado à Lua? E se o Império Romano não tivesse se destroçado? E por aí vai.

Mesmo Jornada nas Estrelas já teve seus momentos de "história alternativa". O exemplo mais memorável é o clássico "The City on the Edge of Forever", em que o fato de McCoy voltar no tempo e salvar Edith Keeler permite que a Alemanha vença a II Guerra Mundial. E, mais uma vez, este período histórico recebe a atenção dos roteiristas em "Storm Front, Part I".

Do ponto de vista da qualidade de "história alternativa", o episódio é bem rico. Não se pode questionar a criatividade de colocar os nazistas com um pé na América, tendo ocupado inclusive a Casa Branca, e, num lance ainda mais surpreendente, converter os gângsters dos anos 1930 em heróis, a "resistência" à ocupação alemã. É fato que, se o contexto é suficientemente rico, a caracterização individual dos elementos não é lá essas coisas -- especialmente dos nazistas, que são apresentados como vilões unidimensionais do pior tipo. Ainda assim, dentro do que a história se propõe, eu não estou entre os que sentem falta de nazistas intelectualmente mais sofisticados do que os apresentados aqui. Então, sob esse primeiro ponto de vista possível, "Storm Front, Part I" é um bom episódio.

O segundo modo pelo qual se pode encarar o segmento é tentar contextualizar esse segmento dentro do universo de Jornada nas Estrelas. Aí, a coisa fica um pouco mais complicada. Não pela premissa em si, mas pela forma de sua execução.

Tomemos de novo o exemplo máximo de "história alternativa" em Jornada: "The City on the Edge of Forever". Neste episódio, a aventura claramente é toda centrada no desafio imposto a Kirk e Spock para evitar que o futuro seja destruído. O contexto histórico é pouco relevante no final das contas, é quase um artefato de roteiro para um drama muito bem caracterizado e vivido pelos personagens. Essa é uma história perfeita de Jornada nas Estrelas, que não se esqueceu de que os protagonistas são os tripulantes da Enterprise.

Em "Storm Front, Part I", isso não acontece. O contexto é tão destacado pelo roteiro e pela produção que os personagens ficam quase esquecidos, sem nada interessante para fazer. As imagens que ficam na cabeça são a da Casa Branca com faixas decoradas com a suástica e os ataques dos aviões B-51 da Força Aérea americana ao shuttlepod de Mayweather e Trip, logo na abertura. Se fosse um episódio da série "Sliders", seria excepcional. Como um de Jornada nas Estrelas, ele deixa a desejar.

Uma terceira perspectiva possível é a de ver "Storm Front, Part I" como uma continuação direta de "Zero Hour", que criou o cliffhanger para esta história. Mas encarar o episódio dessa maneira é ainda pior: não fica claro como Daniels pode ter arrastado a Enterprise, de um lado, para 1944, e Archer, de outro. Também não fica claro porque os agentes temporais precisam dos tripulantes da NX-01 para fazer seu serviço sujo, para começo de conversa. Não seria muito mais saudável à linha temporal evitar envolver gente do século 22 nessa Guerra Fria Temporal que, para todos os efeitos, é travada entre forças de séculos futuros -- ainda que o campo de batalha seja todo o espaço-tempo?

Eu tenho a impressão de que seria mais prático e menos intrusivo enviar dez "Daniels" para o século 20 e tentar impedir Vosk e seus asseclas do que fazer uma tremenda força para envolver Archer e seus comandados? Bem, não tenho a menor pretensão de entender a lógica desses agentes temporais -- para mim, na verdade, está claro que eles não têm uma lógica que seja lógica --, então deixo só o pensamento jogado para o leitor.

Se você quiser, ainda é possível encarar o episódio de um quarto ângulo: como a tão propagandeada conclusão para o "arco" da Guerra Fria Temporal. Uso aspas para "arco" porque a história acabou ficando sem pé nem cabeça, e é bem difícil que sua conclusão possa sair algo melhor do que isso.

De toda maneira, é um julgamento que terá de esperar por "Storm Front, Part II". Silik está na Terra, com propósitos desconhecidos, Archer se enturmou com os gângsters para combater a ocupação nazista na América, Daniels morre na enfermaria dizendo que a forma de acabar com toda a bagunça na linha do tempo é destruir o artefato que Vosk está construindo com ajuda alemã.

A julgar por essa primeira parte, o conselho ao telespectador é tentar não se prender muito aos detalhes do enredo e encarar o segmento como um entretenimento de ação descompromissado, cujo objetivo é colocar um ponto final num conceito que parecia promissor, mas jamais foi trabalhado com seriedade e responsabilidade pelos produtores de Enterprise.

Erga as mãos para o céu: bem ou mal, em mais um episódio, acaba a Guerra Fria Temporal.

 

Citações:

Phlox - "My singing would often drive my children to tears."
("Minha cantoria normalmente faz meus filhos chorar.")

Archer - "Billie Holiday?"
("Billie Holiday?")
Alicia - "It's good to see you remember something."
("Bom saber que você ainda se lembra de algo.")

Vosk - "Imagine a plauge that would only target nonaryians?"
("Imagine uma epidemia que só afetaria não-arianos?")

Informante de Vosk - "I can't shut up and talk at the same time."
("Eu não posso calar a boca e falar ao mesmo tempo.")

Trivia:

int.jpg (476 bytes) O elenco convidado inclui Steve Schirripa, de "Os Sopranos".

int.jpg (476 bytes) É curioso observar que no mapa apresentado pelo General, o Canadá está completamente ignorado pelas forças alemãs, embora ele fosse um ativo país aliado no esforço de guerra, ao lado da Grã-Bretanha e outros.

int.jpg (476 bytes) Alicia acha curioso Archer se referir ao conflito como "Segunda Guerra Mundial"; o termo ainda não havia se tornado corriqueiro como "nome oficial" da guerra.

Ficha técnica:

Escrito por Manny Coto
Direção de Allan Kroeker
Exibido em 08/10/2004
Produção: 077

Elenco:

Scott Bakula como Jonathan Archer
Jolene Blalock como T'Pol
John Billingsley como Phlox
Anthony Montgomery como Travis Mayweather
Connor Trinneer como Charlie 'Trip' Tucker III
Dominic Keating como Malcolm Reed
Linda Park como Hoshi Sato

Elenco convidado:

Golden Brooks como Alicia
Jack Gwaltney
como Vosk
John Fleck
como Silik
Joe Maruzzo
como Sal
Tom Wright
como Ghrath
Matt Winston
como Daniels
Christopher Neame como General Alemã
Steven R. Schirripa
como Carmin
J. Paul Boehmer
como Oficial da SS
John Harnagel
como Joe Prazk
Sonny Surowiec como Soldado Alemão

 

Sinopse, trivias e ficha técnica por Leandro M.Pinto

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