Luiz Castanheira analisa DSC 1×08 (spoilers!)

O episódio faz um competente trabalho em avançar inercialmente o arco do conflito entre federados e klingons e preparar um inevitável duelo entre os protagonistas de tal embate, sem esquecer de sublinhar a instável e (supomos) cada vez mais deteriorada condição de Stamets como peça chave do sistema de propulsão via esporos. Mas, infelizmente, sequer arranha o pleno potencial do interessante conceito do planeta Pahvo e falha em expandir emocionalmente o nosso prévio entendimento do personagem Saru.

A história caminha no sentido da Discovery jamais receber naves-irmãs com a mesma funcionalidade do motor de esporos, com a frota federada rapidamente sendo subjugada pela crescente armada de naves camufladas de Kol e com a opaca agenda de L’Rell e Voq/Tyler aparentemente trilhando em paralelos tons de cinza que esperamos ver frutificar de alguma forma interessante até o final da temporada. Competente sim, mas muito distante da complexidade prometida para os klingons antes da estreia da atração. Se ocorreu alguma correção de rota quanto a ambição de tais promessas não sabemos, mas o que nos foi apresentado até aqui é bem básico e direto sim. Talvez mais uma decepção com a expectativa do que qualquer outra coisa, mas uma decepção ainda assim.

E por falar em decepção…

O conceito do planeta vivo Pahvo que quer compartilhar com o universo a perfeita harmonia conseguida entre todas as suas partes é interessante como ponto de partida para uma história clássica de jornada nas estrelas mas sofre demais com falta de foco, falta de coesão, falta de tempo de tela e se mostra incapaz de encontrar a forma ideal de extrair pathos do dilema de Saru (e como o tempo utilizado previamente com o personagem Mudd agora parece efetivamente desperdiçado!). E em última instância a informação de que o comandante vive em medo opressivo e excruciante todo o tempo não nos emociona mais do que a informação de todas as suas diversas habilidades sobre-humanas aqui apresentadas. A falta de um investimento mitológico no planeta e a indiferença de Tyler e Burnham para com o mesmo, além da missão, definitivamente também não ajudam (especialmente a sobreposta mentira de Tyler em um momento em que ele parecia se abrir para Saru). Sim, a cena final na enfermaria com Burnham e Saru (e com excelente atuação de Doug Jones) ajudam muito a esclarecer que mesmo em um estado mental alterado ele era guiado pelo seu verdadeiro eu. Ou seja, a história é ultimamente segura sobre o nosso conhecimento prévio do personagem e quanto a continuidade da carreira do Kelpian, mas falha em nos levar em uma jornada emocional tão potencialmente próxima e acessível… Definitivamente frustrante…

(Esperamos que Pahvo não seja ferido ou mesmo destruído no próximo episódio e aproveitado em uma outra oportunidade. Não acreditamos que o planeta tenha papel ativo no conflito vindouro, nem que exiba capacidades de assalto além de compartilhar a sua harmonia e afins.)

(Será que Pahvo tem alguma conexão com os esporos da Discovery?)

(Tudo indica que a detecção de naves camufladas klingon via Pahvo não ira progredir.)

Mais algumas pitadas:

Um problema que tem atingido os episódios de Discovery como um todo é a insistência na quebra de atos (tipicamente quatro atos). Para um público acostumado com serviços de canais fechados premium e de streaming isso soa datado e artisticamente deficiente (uma herança artificial de outros tempos e que acreditamos ser culpa de decisões comerciais relativas ao canal de streaming CBS ALL ACESS). Por outro lado, o formato de recapitulação sem teaser, mais sequência de abertura com os créditos principais do segmento, mais o segmento em si sem créditos em sua pele soa (curiosamente) bastante contemporâneo;

Um problema ainda mais grave da atração é o da insuficiente duração de alguns dos episódios para a história a ser contada (por motivos ainda menos compreensíveis). Nossa percepção é de que, mais do que faltar momentos de reflexão para os aspectos mais dramáticos da série, vez ou outra faltam literais partes da narrativa que afetam toda a apresentação dramática. No presente caso, as cenas de interação entre Cornwell e L’Rell fora da cela perdem completamente o sentido devido a situação como um todo e aos (óbvios) cortes de material entre as duas dentro da cela;

Existem problemas de mise-en-scène e além na nave klingon (para dizer o mínimo!) e nem podemos atribuir a bizarra fuga de L’Rell e Cornwell a alguma encenação como podíamos no caso da fuga de Lorca e Voq/Tyler;

(O efeito líquido de tais cenas na sarcófago é ultimamente até entendível mas a apresentação dramática é bastante deficiente.)

Se o plano de detecção federado tivesse dado certo (e supondo um alcance suficiente e efetivo), teria sido inevitável colocar uma guarnição da Frota Estelar em Pahvo para defender o transmissor;

Curiosamente, a breve interação de Tilly e Stamets é o principal sucesso não qualificado do segmento. As vozes dos dois personagens parecem bem firmes e com caracterizações consistentes desde o início. Interessante como a cadete enxerga facilmente através da rabugice do tenente quase que em uma brincadeira de metalinguagem com a audiência;

O segmento abre com a mais eficiente batalha espacial até o momento na série. Merece ser vista quadro a quadro devido à densidade de informação visual. Surpreendentemente clara, porém sem oferecer muita informação detalhada sobre o formato das naves Klingons. As táticas de Lorca são extremamente ousadas (com direito a um hilário “sim senhor!” em coro da sua tripulação de ponte), principalmente se julgarmos sob o ponto de vista da vulnerabilidade mecânica da seção disco da Discovery. Uma colisão bem-dada ali e ela provavelmente não conseguirá mais saltar.

(Será que Lorca tem um contragolpe se alguma nave camuflada klingon tentar abalroar a Discovery?)

(Dispositivos de camuflagem na franquia em geral e as naves Klingons apresentadas em Discovery serão tratados em um outro momento.)

A série, nesta semana, se equilibrou perigosamente entre o competente e o decepcionante com resultados apenas moderados. Esperamos uma conclusão coerente na segunda parte, com Burnham (e Voq/Tyler?) fazendo um círculo completo de volta à nave sarcófago, Stamets chegando ao seu limite, Lorca sendo extremamente audaz e talvez alguma reviravolta adicional no conflito mestre da temporada, funcionando como uma espécie de cliffhanger suave.

STAR TREK DISCOVERY

EP01x08 “Si Vis Pacem, Para Bellum”

GRAU: B- (3/4)