Deep Space Nine
Temporada 2

Análise do episódio por
Luiz Castanheira



 









 

MANCHETE DO EPISÓDIO
Show de tecnobaboseira e bom papel
para Dax equilibram desempenho

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Sinopse:

Data Estelar: desconhecida.

Um jovem Trill, de nome Arjin, chega à estação para dar continuidade em seus treinamentos visando uma futura união com um simbionte. Nesta parte de seus estudos ele deve interagir com um instrutor Trill (no caso, Jadzia Dax) já unido, que lhe oferecerá uma perspectiva sobre como é a vida de um Trill unido.

Ao mesmo tempo, tal instrutor deve se assegurar de que o candidato poderá um dia ter a honra também de se unir a um simbionte. Arjin está muito nervoso e inseguro, pois o simbionte Dax (em hospedeiros anteriores, como Lela e Curzon) é famoso por eliminar sumariamente candidatos do programa de seleção. A própria Jadzia foi eliminada por Curzon Dax, porém retornou ao programa e ironicamente acabou ficando com o próprio simbionte Dax, após a morte de Curzon. 

Arjin considera Jadzia um hospedeiro totalmente atípico, que gosta de luta-livre, jogos de azar e bebidas. Os dois acabam, por acidente, retornando de uma missão no quadrante Gama com uma massa de protoplasma em um das naceles do explorador. Tal massa é posta em um campo de contenção no laboratório de ciências para ser analisada no dia seguinte. Interagindo com Arjin, Jadzia descobre que ele não parece ter nenhuma aspiração como pessoa além de se unir a um simbionte. Ben Sisko aconselha que Dax não pode simplesmente "lavar as mãos" sobre a atitude de Arjin pois isto não seria benéfico ao jovem Trill.

Entretanto, quando Jadzia "aperta" Arjin sobre seus reais objetivos na vida, ele não reage bem e critica as atitudes dela como hospedeiro, deixando-a sozinha no laboratório.

Uma praga de voles Cardassianos (uma espécie do roedor) assola a estação e acaba por cortar o suprimento de força para o laboratório. Sem um campo de contenção a tal "massa" começa a se expandir.

Jadzia descobre que tal "massa" é na realidade um "protouniverso" contendo vida. Sisko decide que tal "protouniverso" deve ser devolvido "ao lugar onde ele pertence", no quadrante Gama. Jadzia se encontra com Arjin no bar do Quark e lhe conta com foi o seu próprio processo de seleção, e como após Curzon eliminá-la ela ganhou uma força interior que nunca julgou existir, ingressou novamente no programa e conseguiu finalmente a união.

Arjin aceita a sinceridade dela e reconhece que se ele quiser realmente se unir um dia deve também encontrar o que é realmente importante para ele na vida. Devido às excelente habilidades de piloto de Arjin, Jadzia o convida para o arriscado transporte do "protouniverso" pela Fenda Espacial. Os dois embarcam na missão que, com sucesso, retorna o "protouniverso" a local de origem. Jadzia vai se despedir de Arjin, que diz que agora "sabe o que tem de fazer".

 

Comentários:


Uma das mais absurdas e confusas tramas de sci-fi da série, o infame "protouniverso", e a fraca caracterização de Arjin (e a ainda pior atuação de Geoffrey Blake no papel) jogam por terra este segmento de Deep Space Nine. Existe ainda muito do que se gostar no episódio como um bocado de humor de qualidade, em que podemos rir com os personagens e não dos personagens, e um bocado de caracterização para Jadzia. Infelizmente a interminável sucessão de rescritas pelas quais o episódio passou se mostra claramente, em um produto mal acabado e pouco profissional. Sem querer "bancar Deus" sobre o assunto, vamos aos detalhes. 

A trama principal do episódio junta duas completas "famílias de clichês trekkers". A primeira é aquela em que descobrimos uma "coisa desconhecida" (no nosso caso o "protouniverso"), que depois se mostra um perigo para a sobrevivência de "muita gente" (no presente caso a estação e provavelmente uma significante porção da nossa galáxia), os personagens descobrem uma forma de lidar com a ameaça destruindo tal "coisa", a "coisa" acaba por se revelar mais uma "inocente e inteligente forma de vida" e obviamente os personagens não podem destruí-la e usam alguma solução alternativa para resolver tal ameaça.

Como aplicado neste episódio, devido à fraca execução, tal conceito elimina qualquer suspense, pois sabemos inicialmente, ponto a ponto o que vai acontecer, um verdadeiro exercício de paciência para os espectadores. Outro grande problema é o excesso de "tecnobaboseira" (que faz o infame, e pior uso possível dessa virtual praga dos roteiros de Jornada, serviço de ajudar a levar a trama ponto a ponto) que chega a ser nauseante e tolo. Infinitas questões abundam desta trama, tais como, por que diabos o simples fato de retornar o "protouniverso" para "onde ele pertence" (sendo lá onde isto for) o fará parar de se expandir? 

(O conceito do "protouniverso" em si é interessante, porém é algo "tão grande" que não poderia ser usado em um episódio a menos que muito esforço fosse posto sobre ele. Tomem por exemplo o fato de Sisko decidir, em uma hora, sobre o destino de um Universo inteiro com essencialmente nenhuma informação sobre o funcionamento intrínseco deste. Simplesmente mal escrito.)

A segunda família de clichês é aquela em que dois personagens entram em alguma espécie de "conflito" (no nosso caso, Arjin e Jadzia) e, ao seu final, após viverem juntos algumas cenas de "ação" e "suspense" (obviamente para satisfazer alguma espécie de quota no episódio em questão), colocam suas "diferenças" de lado com extrema facilidade. Arjin tem uma caracterização muito fraca, muito transparente, não faz a audiência simpatizar com ele e também tem pouco valor de entretenimento para o público, um virtual zumbi.

Vamos aos pontos de humor que funcionaram: Sisko inicialmente "mandando" que O'Brien ponha os feisers em tonteio, pois ele queria os voles vivos e depois (após um dos infames roedores Cardassianos cortar um cabo de força no laboratório) ele manda O'Brien colocar os feisers para matar os roedores e diz (como na canção): "...no more mister nice guy"; Quark sendo afetado pelo desruptor sônico de O'Brien foi um barato (e o desgosto de Kira por Quark também estava presente com efeito); a forma como Arjin (e a audiência) confundem o instrutor de luta-livre de Jadzia com um amante dela é brilhante (e com uma sutileza raramente encontrada em nosso típico "humor trekker"), com direito a uma estonteante Terry Farrell "molhadinha e de toalhinha" e o seu recado de despedida ao seu (a ser descoberto mais tarde) instrutor: "Foi divertido. FOI BRUTAL, mas foi divertido"; Bashir mandando a O'Brien a "solução que funcionou em Hamlim" foi também excelente; O'Brien falando com gul Evek (personagem que seria visto novamente em "The Maquis", a seguir, nesta mesma segunda temporada) pelo subespaço e por último Quark tentando animar Arjin com a sua própria história de desgraça existencial.

(A cena dos "traseiros falantes" não foi ruim mas não está no mesmo nível das citadas acima.)

Jadzia recebe uma quantidade mais do que saudável de caracterização: revisitamos os seus jogos de Tongo com os Ferengis (como introduzido em "Rules Of Acquisition"), descobrimos que ela pratica luta-livre (o que é interessante visto os eventos em "Blood Oath", mais tarde nesta mesma segunda temporada), lembramos o seu hobby de colecionar compositores obscuros (como introduzido em "Melora"), descobrimos que ela tem familiaridade com a cultura Klingon (ver mais em "Blood Oath") etc.

Um pequeno problema aqui foi "reduzir" um bocado as habilidades de pilotagem de Jadzia para fazer o episódio funcionar. Apesar de não ser relacionado especificamente com Jadzia, o fato do simbionte Dax ser o "terror dos iniciados Trill" é uma idéia muito interessante. Ainda mais interessante é o fato de que foi Curzon que eliminou Jadzia do programa e que ela é que acabou com o simbionte Dax. 

(Na realidade ainda existe um elemento adicional de história entre Curzon e Jadzia que seria revelado em "Facets", da terceira temporada.)

O relacionamento entre Ben e Jadzia cresceu um bocado nesta temporada e foi muito interessante ser Sisko, o antigo pupilo de Curzon, a apontar que Jadzia estaria prestando um grande desserviço a Arjin por não confrontá-lo sobre as suas inseguranças e mostrar que ser duro com ele, assim como Curzon foi com ela, seria necessário. Vimos também as dúvidas de Jadzia Dax sobre si mesma e mesmo em vários diálogos com Arjin ela se refere a Jadzia (antes de se unir) na terceira pessoa. Bem interessante. 

A direção de David Livingston foi inventiva como sempre. Reparem na tomada pouco antes da cena dos "traseiros falantes", em que a câmera é colocada dentro de um console no OPS e consegue focalizar Ben Sisko deixando o seu escritório. Também é interessante Jadzia entrando no escritório de Ben e retomando uma partida de xadrez com ele, que introduz o diálogo entre os dois, a melhor cena do episódio. Um óbvio calcanhar de Aquiles no trabalho do diretor foi a caracterização de Arjin.

Farrell teve a sua melhor atuação na série até aqui e soou bastante verdadeira na maioria dos pontos. Brooks esteve tão bem ou melhor e o resto do elenco regular mostrou a competência usual.

Geoffrey Blake prejudicou grosseiramente o episódio. Taylor, voltando ao papel do "chefe" Klingon, visto inicialmente em "Melora", e Poe foram hilários. Norris não comprometeu.

O diário de Sisko sobre os Borgs, enquanto decidindo o destino do "protouniverso", foi apropriado. O problema é que, além da decisão ter sido tomada antes do problema surgir, sair de tal diário e entrar na cena posterior com Jake foi um pouco esquizofrênico demais, para dizer o mínimo.

A conversa de Sisko e Jake sobre a namorada de Jake, uma garota Dabo já citada anteriormente na série, funcionou bem, até melhor do que a da semana passada sobre Jake entrar ou não na Academia da Frota Estelar. Mas a gente só irá ver o tal "jantar em família" prometido por Ben em "The Abandoned", da terceira temporada.

"Playing God" teria sido muito melhor sem o nefasto uso do "protouniverso". O humor em geral no episódio e a caracterização dada a Jadzia são bons, mas o produto final é extremamente mal acabado e confuso.




Citações

Sisko - "Phasers on stun, Mr. O'Brien. I want those voles taken alive." 
("Feisers em tonteio, sr. O'Brien. Quero esses voles vivos.")

Arjin - "Serious? No. I just threw my whole life out a porthole. Nothing serious."
("Sério? Não. Eu apenas joguei minha vida inteira pela janela. Nada sério.")



Trivia:

int.jpg (476 bytes) Participação de Richard Poe como Gul Evek (ver mais sobre ele no episódio duplo "The Maquis", mais à frente nesta segunda temporada).

int.jpg (476 bytes) A história original de Jim Trombetta enfatizava muito mais o aspecto envolvendo o "protouniverso" no episódio. Ainda que seja mais ou menos óbvio que Ben Sisko não iria decidir destruir um "protouniverso" contendo vida, Trombetta enfatiza que a versão filmada levou isso a um outro extremo, onde nem mesmo a discussão ética chega a atingir o público em nenhum momento. Foi Michel Piller que acabou escrevendo a versão final do roteiro e foi também de sua responsabilidade a mudança do foco do episódio para a relação entre Jadzia e Arjin. Ira Behr disse que o episódio foi extremamente problemático pois a idéia original do "protouniverso" parecia nascida já como um fracasso.

int.jpg (476 bytes) Foi por insistência do diretor David Livingston que acabamos por ver os voles Cardassiano bem de perto. Michael Westmore é que desenhou o conceito dos roedores.

int.jpg (476 bytes) Foi construído, sob a supervisão do especialista em efeitos visuais Gary Hutzel, um modelo físico adicional para a parte do anel de atracação da estação, para ser utilizado nas cenas em que o "protouniverso" vai abrindo seu caminho através do casco exterior da Deep Space Nine.


Ficha técnica:

História de Jim Trombetta 
Roteiro de Jim Trombetta e Michael Piller
Direção de David Livingston

Exibido em 28/02/1994
Produção: 037

Elenco:

Avery Brooks como Benjamin Lafayette Sisko
René Auberjonois como Odo
Nana Visitor como Kira Nerys
Colm Meaney como Miles Edward O'Brien
Siddig El Fadil como Julian Subatoi Bashir
Armin Shimerman como Quark
Terry Farrell como Jadzia Dax
Cirroc Lofton como Jake Sisko

Elenco convidado:

Geoffrey Blake como Arjin 
Ron Taylor como o chefe Klingon 
Richard Poe como Gul Evek
Chris Nelson Norris como o homem alienígena
Majel Barrett como a voz do computador

 

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