Paulo Maffia relembra O Retorno do Capitão Kirk

Arte: Katia Vignon

Há quase três décadas, a Meia Sete Editora, que já publicava a revista brasileira Sci-Fi News, resolveu que era hora de se arriscar no mercado literário de ficção científica e produziu livros de Jornada nas Estrelas, por meio de seu novo selo dedicado ao projeto, o Sci-Fi Books.

Os fãs nacionais de Star Trek, carentes desse tipo de material desde que a Aleph encerrou a sua coleção, celebraram. Foram três títulos colocados nas livrarias entre 1998 e 1999: o crossover de Jornada e os X-Men, Planeta X; a romantização do longa Jornada nas Estrelas: Insurreição; e aquele que seria o primeiro deles e que mais chamaria a atenção de todos à época, O Retorno do Capitão Kirk, escrito por William Shatner e o casal Reeves-Stevens, parte do que foi chamado de Shatnerverso Literário. Mais alguns foram estudados para serem produzidos, só que por questões econômicas jamais viram a luz do dia.

Paulo Maffia foi o editor desta coleção. Em sua série de memórias nas redes sociais, Contos do Jornalismo Pop de Guerrilha, ele falou um pouco dos bastidores de produção desta obra tão importante aos trekkers de nosso país, e o Trek Brasilis reproduz a seguir.

O Primeiro Livro Publicado a Gente Nunca Esquece ou Mundos que se Encontram na Livraria Cultura

por Paulo Maffia (*)

Desde muito jovem, sempre apreciei quadrinhos, cinema, música e, claro, Star Trek! Havia, contudo, um obstáculo: estávamos no final dos anos 1980 e início dos 1990, anos-luz de distância de um mundo onde internet, canais pagos de seriados, Marvel Studios, Jovem Nerd, Netflix e CCXP são tão comuns quanto um clássico Flamengo x São Paulo no domingo à tarde! O que fazer então? Recorrer aos livros e revistas importadas.

Muito antes de se tornar uma fria e inanimada rede de lojas (com direito a recuperação judicial, questões trabalhistas e, por fim, falência), a Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, nas décadas de 1980 e 1990, pulsava como um vibrante centro cultural na Avenida Paulista.

Era mais que uma livraria, um símbolo da vida cultural paulistana. Lá no fundo, havia uma seção de pocket books, livros de bolso importados de Jornada nas Estrelas e ficção científica, geralmente menores e mais baratos que as edições tradicionais. Comprei tantos desses livros que posso afirmar que eles moldaram o meu caráter.

Corta para 1997, quando eu era o responsável pela Sci-Fi News, uma revista mensal brasileira dedicada ao universo da ficção científica. Decidimos que era hora de ter um selo de livros. Lá fui eu para a Livraria Cultura pesquisar o que poderíamos publicar. E lá estava ele, na mesma seção de pocket books: Star Trek: The Return, de William Shatner. Publicado em 1996 e situado após os eventos de Jornada nas Estrelas: Generations, o livro trazia Kirk ressuscitado. Naquele instante, soube que seria o nosso livro de estreia (e o primeiro que eu produziria).

Após negociações complexas para adquirir os direitos – lembro que as editoras americanas eram bastante burocráticas e exigentes –, realizar a tradução e a revisão, o livro ficou pronto. Mas então surgiram os problemas: como éramos uma editora pequena e tínhamos apenas um título, a maioria das livrarias e distribuidoras hesitou em trabalhar conosco, alegando falta de espaço ou interesse em um único lançamento de uma editora desconhecida. A solução foi divulgar e vender o livro nas páginas da própria Sci-Fi News, uma estratégia que, embora inovadora para a época, tinha um alcance limitado.

Meses se passaram e, em uma sexta-feira à noite, eu havia combinado de ir ao cinema no Conjunto Nacional. Passei quase sem querer em frente à Cultura e levei um baita susto quando, na vitrine, iluminado e em destaque, estava o meu filho… quero dizer, o livro Star Trek: O Retorno do Capitão Kirk. Na década de 1990, marcar presença na vitrine da Livraria Cultura era um feito significativo para um livro, impulsionando sua visibilidade, reconhecimento e potencial de sucesso comercial e cultural.

Até hoje não sei como ele foi parar lá, mas fiquei sentado em um banco em frente à livraria por horas, admirando a vitrine e pensando nas voltas que a vida dá.

(*) Um dos trekkers mais conhecidos do Brasil, o jornalista Paulo Maffia já colaborou várias vezes com o Trek Brasilis, foi um dos nomes por trás do pioneiro fanzine Trekker Report, e fez história como editor de quadrinhos Disney em nosso país.


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