Jornada animada chega ao DVD

Nos Estados Unidos, era a única série que faltava ser lançada — e havia quem temesse nunca ver a versão animada de Jornada nas Estrelas no formato DVD. O motivo é um certo repúdio que foi gerado em torno da produção após sua conclusão — o próprio criador, Gene Roddenberry, pediu que a Paramount não considerasse os episódios em desenho parte da história “oficial” (ou “canônica”, usando um linguajar ainda mais pesado) do universo de Star Trek.

Natural, portanto, que os fãs não esperassem muito ânimo do estúdio para lançar esse produto. Daí não ter sido surpresa a Paramount aparecer com esse lançamento somente depois que não havia mais nada de Jornada para ser colocado no mercado de DVDs.

Já no Brasil a reação foi oposta — o box-set da Série Animada chegou ao país em tempo recorde (menos de duas semanas depois que foi lançado nos Estados Unidos), mostrando um entusiasmo e um vigor sem precedentes por parte da Paramount Home Entertainment. A pergunta que alguns podem se fazer é: por quê?

Não há uma palavra oficial a esse respeito, mas podemos especular duas razões. Em primeiro lugar, no Brasil não há nada na franquia de Jornada nas Estrelas que seja tão popular quanto a Série Clássica. Natural então que o estúdio se anime mais a trazer um lançamento como a Série Animada, que conta com os personagens mais amados e conhecidos entre os fãs tupiniquins, do que apostar num produto mais voltado para os fãs “die-hard”, como a terceira temporada de A Nova Geração.

A segunda razão é a época do ano — o lançamento ocorreu no período mais forte de compras de Natal, e um produto como o box-set da Série Animada (que possui só quatro discos e, por isso, acaba saindo mais barato) tem muito mais chance de virar um presente do que uma caixa de DVDs da Série Clássica ou de A Nova Geração.

Essa pressa toda para trazer o produto ao mercado nacional tem suas vantagens e desvantagens. O principal ganho é óbvio: podemos colocar mais cedo nossas mãos nessas legítimas raridades, que foram exibidas apenas uma vez na tevê brasileira, pela Globo, no fim dos anos 1970.

Já a perda gira em torno da falta de tempo para adaptar o produto ao mercado nacional. Os discos vieram ao Brasil exatamente iguais aos do mercado americano — com menus somente em inglês. É a primeira vez que a Paramount Home Entertainment lança um DVD de Jornada nas Estrelas no Brasil sem os menus adaptados para o português.

A verdade é que isso não faz muita diferença, porque todos os episódios e extras estão legendados em português (característica, aliás, que está presente nos discos americanos, mostrando como o mercado brasileiro começa a influenciar a política de lançamentos da Paramount em suas raízes — o que é, por si só, uma excelente notícia).

A seguir, uma visão detalhada do que os fãs podem esperar deste lançamento. Lembrando sempre, é claro, que você não vai encontrar aqui uma análise individual de cada um dos 22 episódios da Série Animada. (Para isso, vá ao Guia de Episódios do TB relativo a essa produção.)

Os episódios

A Série Animada só tem uma característica que a separa da Série Clássica — ela é animada. E mal animada, é bom que se diga logo de cara, para não criar muitas expectativas.

Com prazos e orçamentos apertados, a Filmation (companhia responsável pela produção dos episódios) teve de usar de muita criatividade (e muita animação repetida e limitada) para produzir os episódios. Isso, somado às limitações da tecnologia em 1973-74, obrigou a produção a concentrar-se no único elemento que não dependia de fortunas — o roteiro. Graças a isso (e a uma greve de roteiristas que liberou muita gente boa para trabalhar no desenho), a Série Animada tem algumas histórias que facilmente poderiam ter sido episódios do seriado original.

As histórias foram concebidas por veteranos da ficção científica em geral e de Jornada em particular. Tivemos episódios escritos por Larry Niven, Samuel Peeples, Theodore Sturgeon, David Gerrold, D.C. Fontana (que serviu como chefe da equipe de roteiristas da série) e até de Walter Koenig (Chekov), que ficou de fora como ator, mas acabou marcando presença como escritor.

E, para melhorar, temos nesses DVDs a melhor apresentação já obtida para esses episódios. Entretanto, a qualidade da imagem flutua muito de célula para célula (esses são produções antigas e não foram exatamente mantidas no melhor estado de conservação), de modo que o maior destaque fica por conta do áudio — que agora aparece numa remasterização em Dolby 5.1. (Além disso, temos som mono em espanhol e em inglês, mas nada de português.)

Os comentários

Alguns episódios contam com comentários em texto por Michael e Denise Okuda. Já virou tradição para a Paramount incluir esses em seus lançamentos em DVDs, mas claramente os Okudas estão cada vez mais cansados de inventar comentários. No caso da Série Animada, eles comentam os episódios “Yesteryear”, “The Eye of the Beholder” e “The Counter-Clock Incident”. Sem grandes emoções.

Em compensação os comentários em áudio são bem mais interessantes. Nos episódios “More Tribbles, More Troubles” e “Bem”, podemos ouvir as impressões e histórias de David Gerrold — o escritor desses segmentos, assim como do clássico da Série Clássica “The Trouble With Tribbles”. A principal descoberta é a de que ambos os episódios foram pensados para a série original. “More Tribbles, More Troubles” chegou a ser oferecido para a terceira temporada, mas acabou recusado pelo novo produtor da série, Fred Freiberger, sob o argumento de que Jornada não era uma série de comédia. O segundo foi pensado para a quarta temporada, que nunca aconteceu.

Já no episódio “How Sharper Than a Serpent’s Tooth”, podemos ouvir o escritor David Wise, co-roteirista desse segmento. Eu particularmente nunca fui um grande fã desse episódio, mas as informações fornecidas por Wise me fizeram adquirir uma nova apreciação dele. Graças a ele eu descobri que foi por conta desse episódio que Jornada nas Estrelas ganhou o seu único Emmy criativo em toda a história, como melhor série infantil. Segundo Wise, foi esse o episódio escolhido para representar a série junto ao comitê do Emmy que julgaria o mérito. (Um detalhe importante: a trilha de Wise não é mencionada na caixa brasileira, mas está lá — não sofra por antecipação!)

Os comentários em áudio também dão uma boa perspectiva de como os episódios foram pensados para manter um alto grau de fidelidade com a série original — a despeito da flexibilidade maior de roteirização oferecida pela perspectiva da animação.

Os extras

Por um lado, uma quantidade relativamente pequena de extras. Por outro, não tenho do que reclamar — não consigo imaginar mais nada que eles pudessem colocar nesse pacote. Mas vamos a uma análise de cada um dos conteúdos disponíveis.

Galeria de storyboards

Há uma seqüência de storyboards do episódio “The Infinite Vulcan” (segmento que é de autoria de Walter Koenig). A seqüência de imagens em preto-e-branco dá uma boa noção de como esses episódios da Série Animada eram planejados antes que os desenhistas trabalhassem na animação em si. O leitor pode se perguntar: por que não colocar storyboards de outros episódios? Isso não seria necessário. Ele serve mais para aprendizado do que para entretenimento, de modo que ter um só já está bom demais.

Animado até a Fronteira Final

Um documentário que conta com a participação de vários dos envolvidos na Série Animada, com destaque para os produtores da Filmation, que não fazem parte dos “mesmos culpados de sempre” nos documentários de Jornada nas Estrelas. O segmento é divertido e intercala entrevistas com trechos dos desenhos. É uma ótima maneira de conhecer os bastidores do seriado.

Diário de Bordo da Série

O calcanhar-de-aquiles do box-set. Trata-se apenas de uma seqüência de páginas de texto sobre a Série Animada. Sofrível.

A Conexão Jornada nas Estrelas

Uma seqüência interessante (embora não terrivelmente divertida) de imagens que mostram como a tão repudiada Série Animada influenciou a futura história da franquia. É uma forma interessante de ver as ligações entre as diversas séries de Jornada, partindo do que apareceu no desenho.

O frigir dos ovos

A Série Animada certamente não é a coisa mais espetacular que você já viu. Em compensação, é uma forma muito agradável de travar contato com uma parte pouco conhecida da história da franquia, que ainda caminhava para se tornar a gigante que é hoje, e de matar a saudade de Kirk, Spock, McCoy, Sulu, Scott e Uhura, com as vozes dos atores originais, em aventuras que são, para todos os efeitos, inéditas no Brasil.

Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis em 15 de janeiro de 2007.