TB conversa com Wilson Cruz, o Culber de Discovery

O que os fãs podem esperar do desfecho da quarta temporada de Star Trek: Discovery? Segundo Wilson Cruz, que interpreta o doutor Hugh Culber, a série fará jus ao mote “audaciosamente indo aonde ninguém jamais esteve”. “Uma das reclamações menores que ouvimos das pessoas era que queriam ver a Discovery fazendo mais exploração. Então, apertem os cintos (…), porque vamos explorar coisas e vamos a lugares que nunca imaginamos, isso posso dizer”, disse o ator, em entrevista ao Trek Brasilis, ao lado de veículos de México, Colômbia e Chile, para promover os seis episódios finais do quarto ano da série. “Quando falamos que Star Trek em geral é ir aonde ninguém jamais esteve, isso é a temporada 4. E só vou dizer isso aqui!”

No bate-papo, Cruz também comentou da inspiração que tirou dos profissionais de saúde durante a pandemia para viver o arco de Culber na temporada e de como é atuar com o diretor David Cronenberg, que faz o papel do misterioso Kovich desde o terceiro ano. Confira a seguir os melhores momentos da conversa, feita por teleconferência, com tradução de Ivanildo Pereira.

E não custa lembrar que Star Trek: Discovery é exibida no Brasil pelo serviço de streaming Paramount+, com novos episódios às sextas-feiras.

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Você era fã de Star Trek antes de começar a trabalhar em Discovery?
Eu era muito fã de A Nova Geração de Star Trek. Foi a minha Star Trek, eu tinha a idade certa para ela, e depois fui ver o material mais antigo. Então, sim, eu adorava e era muito fã da doutora Beverly Crusher. Ela era o meu norte.

Nesta temporada em particular, você tem um arco muito interessante como doutor Culber. Parece um comentário ou alegoria sobre o que está se passando com a pandemia, e como os profissionais da saúde suportaram o fardo de trazer esperança a todos, mesmo rodeados de tragédia… Quem cuida deles? Isso estava em sua mente quando estava interpretando o personagem nessa temporada? E vamos ver uma luz para o doutor Culber até o final da temporada? Porque ele está vivendo uma época conturbada no momento.
Com certeza pegamos inspiração dos médicos profissionais de saúde ao redor do mundo, que nos mantiveram vivos. Eu poderia chorar só de pensar nisso… [Emocionado]. Me desculpe. Então, quando estávamos trabalhando em Toronto, víamos as notícias. E temos um elenco grande. Eu provavelmente trabalho 2, 3 dias na semana, e no resto do tempo ficava sozinho em meu apartamento vendo o noticiário. E tudo que eu via eram médicos e enfermeiros implorando a todo mundo para que fizessem o que é certo. Porque eles estavam exaustos. Os hospitais estavam lotados. Estavam transportando corpos em caminhões, guardando em freezers… Eu via a dor deles. E também os via indo para casa, para suas famílias, assustados com o que estavam levando consigo. Então, sim, fui incrivelmente inspirado por eles e ainda sou.
Aqui nos Estados Unidos vimos no 60 Minutes a história de um hospital em St. Louis, Missouri, que ainda está lidando com um número impressionante de pacientes e como ainda existe uma escassez de profissionais médicos no país. Precisamos especialmente de mais enfermeiros. E não estamos lhes dando inspiração o bastante para se alistarem na batalha, porque não fazemos o que é certo. Enfim, tudo isso para dizer que o doutor Culber… Bem, também pensei em terapeutas. As pessoas precisaram muito de terapia, então o doutor Culber olha para seus pacientes holisticamente: saúde mental, física. Ele vê a pessoa e quer curá-la. Mas ele também entende o luto… E família. Acho que ele quer apoiar seus pacientes, mas também tem que entender que precisa apoiar sua família. Tudo isso o sobrecarrega. E acho que a alegoria que queremos explorar por meio do doutor Culber é que você precisa apertar o seu cinto de segurança primeiro, antes de ajudar outra pessoa.
Apesar de não termos cintos de segurança em Star Trek [Risos]. Não me pergunte por que, não entendo. Mas, sim, acho que o veremos continuando a aprender a lição do cuidado com si mesmo, e também a necessidade de pedir ajuda. Vamos ver um pouco disso.

Agora que você é um exemplo a ser seguido, quem inspirou você? Tem alguém que você admira? Fale um pouco sobre isso.
Outra pessoa me perguntou isso há pouco… Quando penso em mim quando criança, quem me inspirou a achar que eu podia fazer a diferença, a provocar mudanças, foi Martin Luther King Jr. Não havia nada na história dele que o fizesse crer que poderia mudar o mundo. Era um menino negro no sul de um país incrivelmente segregado e racista. E ainda assim, ele se focou no espírito, na crença da bondade das pessoas, e acabou liderando um movimento que mudou este país e o mundo.
Não sou Martin Luther King Jr., mas aprendi com ele que mesmo eu, nas minhas circunstâncias, poderia ajudar e inspirar alguém, algumas poucas pessoas, talvez, a acreditarem que não há razão para que se envergonhem do que são, jamais. Que essas pessoas são tão perfeitas quanto deveriam ser. Que merecem ser amadas e não devem ter vergonha de quem são por motivo algum. Se eu puder ajudar alguém a fazer essa conexão, seja por meio de um personagem, uma peça ou por minhas palavras, então meu trabalho aqui estará realizado. E essa é a pura verdade.

Você foi o primeiro ator gay a interpretar um personagem gay na TV norte-americana do horário nobre [na série Minha Vida de Cão/My So Called Life]. Foi há quase 30 anos. Agora você atua com Blu del Barrio e Ian Alexander. Como você vê a experiência para esses dois jovens atores? Você fala com eles? Eles pegam algo da sua experiência e você da deles?
Eu me vejo neles. E já disse isso a eles, porque reconheço neles o desejo de provocar mudanças, por contarem a verdade de suas histórias. E por usarem suas próprias experiências para informar as experiências de seus personagens, o que é algo que compreendo a nível celular. Por causa disso, fui e continuo a ser muito protetor a respeito deles. Me sentei com os dois e lhes disse: “Vocês estão entrando em algo incrível. Vão precisar de apoio, gente ao redor de vocês para ajudar a passar por isso, porque vai haver pessoas que não vão ficar felizes, vai haver uma reação e vocês vão precisar do tio Wilson para lhes guiar”. Então, eu sou o tio Wilson, o “papa”. Eles sabem que minha porta está sempre aberta para eles e que eu os ajudarei a passar por isso. E a propósito, porque eles são incríveis, tudo que precisei fazer é dar um abraço neles quando precisaram. Eles conhecem a parada. Estão me ensinando algumas coisas. Então, eu só precisava que eles entendessem que não estão sozinhos, que Anthony e eu os apoiaríamos e de fato, nós os apoiamos. Mas a habilidade deles de falar de assuntos de gênero, sexualidade, orientação sexual, é infinita, assim como a habilidade deles de se conectar com as pessoas e de contar suas histórias de um modo eficaz. Também acho que o trabalho que [os roteiristas] estão fazendo na série, a alegoria da transição que fizemos no começo da temporada, é poderosa e eles são corajosos de encará-la. Estou 100% à disposição deles, para o que precisarem.

Você disse que já era fã de Star Trek. Contudo, se trata de um universo complexo com diferentes linhas do tempo, diferentes fases… Como você se preparou para entrar nesta franquia, na primeira temporada, e agora com esta nova linha do tempo?
Acho que me preparei… Bem, fui atrás e olhei os médicos anteriores. Queria saber como eles se comparavam entre si, e são todos muito diferentes, então isso me deu confiança. Achei que poderia fazer do meu jeito. Mas também prestei atenção, acredite se quiser, em muita coisa do Spock, do Leonard Nimoy. Porque o Spock tinha algo sobre ele, mesmo ele sendo vulcano, havia algo muito emocional nele, para mim. Num dos episódios – claro, o título me escapou – havia um momento em que uma espécie incorpórea assumia o corpo dele. E ele falava um monólogo na ponte sobre as maravilhas de ser humano, sobre como andamos pelo mundo nessa solidão, buscando conexão a todo o momento. E que a nossa existência, num nível bem básico, é definida pela solidão. E que passamos toda a vida tentando curar essa solidão.
Eu me apeguei a isso bem rápido, e fiz disso parte da história do Hugh porque ele não está no seu próprio corpo. Está num corpo estranho, e foi o espírito dele, sua alma, que tomou conta desse corpo que parece o seu. E para mim, isso deixa claro o quanto nossos corpos são cascas. Apenas caixas nas quais estão contidos nossos diamantes, nossas almas. E eu queria que o Hugh procurasse se tornar o mais perfeitamente humano que pudesse ser. Por humano, quero dizer humanidade: que ele amasse o máximo que pudesse, que se importasse o máximo que pudesse, porque entenderia que, depois do que lhe aconteceu, somos apenas energia existindo no mundo. E que estamos aqui só para sentir essa energia. Sabe, o tanto de Star Trek e de Spock que eu assisti contribuiu para o meu entendimento da série e do lugar do Hugh nela.

Você e o Anthony Rapp têm uma química tão incrível na tela. Como vocês trabalharam para construí-la e como é o relacionamento de vocês fora das câmeras?
Sabe, a coisa mais fácil que já fiz na carreira foi construir a química com Anthony Rapp. Porque eu o conheço há quase 30 anos. Nós nunca conversamos sobre o que eles [Culber e Stamets] são um para o outro. Nós nunca mapeamos o relacionamento, o que poderíamos ter feito e alguns atores acham bastante útil. Acho que nós 2, inconscientemente, entendemos e só viemos a falar sobre anos depois, mas baseamos esse relacionamento no respeito, no amor e na amizade reais que já existiam entre nós. Porque é isso que é um relacionamento, certo? Confio nele totalmente, respeito o trabalho dele, adoro como ele se movimenta pelo mundo, fico maravilhado com o seu relacionamento com seu noivo. E sei que ele me ama do mesmo jeito. Então, foi muito fácil criar isso com ele. Essa ultima temporada foi mais difícil para mim num nível emocional: ficar longe da família, a coisa toda da pandemia… Eu sofri um pouco e busquei ajuda dele. E ele me apoiou por toda temporada, sempre que precisei dele. Sempre que precisei ver outro ser humano, ele se colocou à disposição para mim. Ele é a minha rocha na série, e eu não teria conseguido ir aonde precisava ir, emocionalmente; não teria conseguido contar a história, sem confiar nele completamente. E sei que ele confia em mim completamente. E ele aguenta minhas inseguranças… Ele não me permite não ficar feliz com o bom trabalho que tenho feito. É ele que me diz: “por que não ser você mesmo?” e depois “olha aí, conseguiu”. É assim que ele é.

Nesta temporada você teve uma cena muito forte, intimidadora e honesta com Kovich… David Cronenberg. O quão difícil foi ela, especialmente quando vemos que vocês do elenco principal são tão unidos e amigos. E aí aparece David Cronenberg… Como foi trabalhar com ele e fazer essa cena?
Bem, felizmente eu e ele já tínhamos trabalhado juntos algumas vezes antes na temporada anterior. Ele não é ator nem se vê como um, então aborda o trabalho de modo diferente. Mas adoro o jeito “basicão” com que ele trabalha: Ele está no momento, não planeja nada, está vivendo o momento com você usando as palavras que lhe deram. É um modo muito emocionante de se trabalhar, porque você não sabe o que virá e é meu trabalho reagir de acordo. Ele é um ser humano amável, e essa cena em particular foi difícil para mim porque… Eu estava passando por algo parecido na época. É duro, como ator, atuar acessando e usando emoções que você está sentindo no momento na sua vida pessoal. Fazer isso requer muita confiança, um salto de fé. Eu não sabia se tinha conseguido ou não, para dizer a verdade… Saí de lá e liguei para a Michelle Paradise pedindo desculpas, e ela me mandou sair do telefone [risos]. Acho que com aquela cena aprendi que não consigo avaliar uma cena de um jeito ou outro. Tenho que confiar, viver o momento, não julgar e foi uma grande lição. E só poderia fazer isso com alguém como David Cronenberg, que não aceita nenhuma merda. Ele não é paternalista, chega lá completamente presente e de forma honesta, e é uma pessoa generosa. Posso dizer o mesmo de todos na série: não há um que não seja assim.

Como ativista em termos de gênero, sexualidade e inclusão, você acha que mudamos ou evoluímos? E por que é importante ter personagens como o doutor Culber na TV?
Eu seria maluco se dissesse que não evoluímos, porque evoluímos sim. Quando eu estava em Minha Vida de Cão na rede ABC em 1994, eu era literalmente o único membro da comunidade queer num papel regular na TV da época. Era a primeira pessoa abertamente gay interpretando um personagem gay. E eu era – vejam só – um de dois latinos na TV da época, eram eu e Jimmy Smits, também na ABC. Então, quando olho para isso e para a paisagem televisiva de hoje, claramente houve muitos avanços. Para mim, o trabalho que ainda precisa ser feito e estamos fazendo, mas que precisamos expandir, é o de ver mais diversidade de membros da comunidade LGBTQ representados na TV. Por muito tempo, só vimos homens gays brancos. Sempre que aparecia um cara gay na TV – exceto eu – ou algum membro da comunidade LGBTQ, era um homem gay branco. Hoje, vemos mais e mais de nós, e isso tem que continuar.
E é importante ter personagens assim porque quando não vemos pessoas como nós refletidas na cultura, nos sentimos invisíveis. E sei disso por experiência pessoal. Esse sentimento de invisibilidade faz com que você não se sinta parte valiosa dessa cultura e dessa sociedade. Quando você vê a si mesmo e suas histórias refletidas para você, percebe que não está só. Que há pessoas e comunidades por aí para você. Que a sua história, a sua existência e a sua experiência neste planeta não é algo solitário, elas têm valor e são compreendidas. Quando as pessoas me escrevem e dizem “Rick Vasquez mudou minha vida, porque entendi que não estava sozinho e alguém sentia o mesmo que eu sentia”, digo a elas que entendo completamente. Porque o Rick Vasquez salvou a minha vida. Só de saber que eu ia poder interpretar aquele personagem e compartilhá-lo com o resto do mundo, foi algo terapêutico para mim. Entendi o quão poderoso é se ver refletido. E a permissão que isso te dá para ser você mesmo, tão perfeito quanto você é.

O que podemos esperar para esses episódios finais da temporada?
Preciso pensar no que posso e não posso dizer… Acho que, em primeiro lugar, nessa segunda metade da temporada 4, os riscos são tão altos… Os mais altos, acho que desde a temporada 2. Ou 3. Quando deixamos o passado e fomos para o futuro. Opa, foi no fim da 2… Desculpe, misturo as coisas. Bem, uma das reclamações menores que ouvimos das pessoas era que queriam ver a Discovery fazendo mais exploração. Então, apertem os cintos que não existem [risos], porque vamos explorar umas coisas e vamos a lugares que nunca imaginamos, isso posso dizer. Mas também vamos continuar a ver o doutor Culber lutar e a perceber como gerenciar suas ansiedades e ajudar outros ao mesmo tempo. Mas quando falamos que Star Trek em geral é ir aonde ninguém jamais esteve, isso é a temporada 4. E só vou dizer isso aqui!

Já ouvimos falar de novas temporadas e novas séries no universo de Star Trek. O que você acha dessa expansão e o que você diz a alguém que é novo e quer adentrar esse universo e talvez não saiba como?
Primeiro, acho que é uma grande época para ser “trekker” ou “trekkie”, seja como você quiser se chamar, porque tem mais Star Trek disponível para você do que jamais houve. E a melhor parte, para mim, é que são todas bem diferentes e contam uma variedade de histórias para diferentes públicos, então há algo para cada pessoa. Eu diria para experimentar cada sobremesa e veja de qual você gosta mais. Particularmente, eu mal posso esperar para ver Strange New Worlds, porque meus amigos estão nela e sei do que são capazes. Também sei que contrataram um monte de gente da Broadway e do mundo do teatro, e eles vão explodir nossas cabeças. Estou animado com a possibilidade de uma série da Seção 31, que deve começar a produção logo. Estou apaixonado por Prodigy, obcecado pela série, que assisto com meu sobrinho. Então, realmente acho que se você é fã de Star Trek e busca por algo específico, uma dessas séries vai satisfazer sua necessidade. Pessoalmente, acredito que todo mundo, todo amante de Star Trek vai adorar Discovery, mas é só a minha opinião [risos].