Giacchino e a trilha sonora de um novo universo

Fã de Jornada nas Estrelas, músico teve de deixar de lado as composições antigas de Jerry Goldsmith para dar um ar de novidade ao longa-metragem.

Era de se imaginar que J.J. Abrams trouxesse para a produção de Star Trek, filme de 2009 que iria revitalizar a marca nos cinemas, o compositor Michael Giacchino, seu colaborador de tantos trabalhos. As séries Alias (2001), Lost (2004), Six Degrees (2006), Fringe (2008) e o filme Missão: Impossível III (2006) marcaram grandes parcerias entre ambos.

Talentoso compositor estudou na prestigiosa Juilliard School, em Nova York. (Reprodução/CBS)

O músico norte-americano nasceu em 1967 na cidade de Riverside Township, Nova Jersey, e já aos dez anos demonstrava aptidão para música, inventando fundos sonoros para animações stop-motion caseiras. Na escola, foi recomendado que ele ingressasse na Escola de Artes Visuais de Nova York, o que de fato ocorreu.

Lá, Michael se envolveu com produção cinematográfica e história do cinema. Foi trabalhar numa vaga de estágio da Universal Pictures, enquanto concluía sua formação, em 1990, como bacharel em belas artes, ingressando na sequência na prestigiosa Juilliard School, entidade de ensino superior em música, dança e dramaturgia, também em Nova York.

Como autor da trilha sonora do novo filme de Jornada, Giacchino se tornaria o primeiro nome realmente novo ligado à franquia cinematográfica, nesta área, desde que Cliff Eidelman trabalhou na música de Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida (1991). No filme seguinte, Generations (1994), assumiu Dennis McCarthy, veterano de A Nova Geração e Deep Space Nine na televisão, e nos três seguintes (Primeiro Contato, em 1996; Insurreição em 1998; e Nêmesis em 2002) a posição de maestro ficou com o ícone Jerry Goldsmith.

“Quando eu era criança, assistia à Série Clássica e adorava”, disse Michael Giacchino em entrevista para os extras do Blu-ray de Star Trek. “Tinha as action-figures, brincava com elas. Na verdade ainda tenho. Jornada foi uma enorme inspiração para minha carreira, então é quase como uma dádiva que me foi dada, poder revisitar minha infância e expressar meu sentimento pela série por meio deste filme. Mas quando comecei a trabalhar em Star Trek, foi a coisa mais difícil que já tinha feito.”

“Havia toda essa expectativa, muito dela fabricada na minha própria cabeça… expectativas de ‘isto tem de ser grande’ e  ‘tem que soar como Jornada’. James Horner e Jerry Goldsmith, em particular, são dois caras pelos quais tenho um enorme respeito e sou fã deles. Claro que eu ouvi a trilha de Jornada nas Estrelas: O Filme e A Ira de Khan sem parar quando jovem”, completou.

Depois de experimentar mais de 20 temas diferentes, o compositor ainda estava lutando para descobrir como destrinchar esse desafio. “Nós não sabíamos por que estávamos tão presos a tudo que veio antes”, contou.

Giacchino finalmente acertou em cheio quando começou a centrar apenas na relação entre o capitão Kirk e Spock, por sugestão do roteirista Damon Lindelof. Houve muitos debates sobre o que usar e o que não usar. A decisão tomada foi de que o tema do filme deveria ser algo inédito, pois a aproximação dos personagens no roteiro seria também uma coisa ainda não vista nas telas. E no momento em que as notas das músicas de Alexander Courage ou Jerry Goldsmith fossem tocadas, iriam jogar o espectador no passado da série, tirando-o desse momento cheio de novidades. Porém, era fundamental que o tema da série original, composta por Courage nos anos 1960, permanecesse de algum modo. Só não se sabia em que lugar colocá-lo.

 

“Não parecia funcionar no meio do filme, pois ele é sobre a gênese da tripulação da Enterprise”, explicou Giacchino. “É como vieram a se juntar, e isso não acontece até o final do longa. Então toda vez em que tentávamos colocar o tema clássico antes daquele momento soava errado, pois não parecia ainda merecido. Mas logo quando temos a cena na ponte com todos juntos, e nos minutos finais entra a narração clássica ‘o espaço, a fronteira final’ na voz de Leonard Nimoy… ali está. É bem ali que a música que é Jornada em seu cerne deveria aparecer.”

Kirk (Chris Pine) e a Enterprise meio que compartilharam a mesma melodia no filme. Dentro do tema há passagens enérgicas, demonstrando que o personagem e a nave estão correndo para se encontrar e assim selar seus destinos, “tornando-se um, para que possam sobreviver”, de acordo com o compositor. 

Para Spock, vivido por Zachary Quinto, foi dado um tema diferente dos outros. Um instrumento chamado erhu seria utilizado para a música enigmática e melancólica do vulcano. O erhu é basicamente um violino chinês, cujo som tem uma qualidade quase vocal, e que quase sempre soa triste. “Gostei disso, pois Spock é muito lógico, e mesmo assim nunca está bem certo de que mundo veio”, destacou Giacchino.

Com uma forte personalidade, e bem diferente do que pudemos ouvir de 1979 a 2002 nos dez filmes da cinessérie de Jornada, o trabalho feito por Giacchino em Star Trek introduz logo de cara, nas sequências pré-créditos iniciais, um trombone que reapareceria muitas vezes ao longo das duas horas de projeção, se juntando a diversos instrumentos num tema principal de várias camadas, muito empolgante e inspirador – como se espera de histórias envolvendo a tripulação original, mesmo que seja uma versão de um universo paralelo, anos depois nomeado definitivamente como a “linha do tempo Kelvin”.

A esperadíssima primeira visão da USS Enterprise é antecedida por uma melodia que muito lembra filmes de Velho Oeste, fazendo com que os fãs se recordem do termo “caravana para as estrelas”, que era como Gene Roddenberry tentou vender a série lá atrás, em 1964. 

Para os créditos finais, uma bem vinda novidade nas telonas. Como você já sabe, o tema de Alexander Courage foi guardado para o fim e se encaixou perfeitamente na sequência dos letreiros. As inconfundíveis quatro notas de abertura, com a eventual consequência da famosa fanfarra e uma releitura do clássico tema, emoldurado pela narração na voz de Nimoy, deixa até o mais estoico trekker com um nó na garganta e algumas lágrimas no canto do olho.

A gravadora Varèse Sarabande lançou a trilha de Star Trek (em CD e também no formato digital) em 5 de maio de 2009, três dias antes da estreia do filme nos cinemas. Com 42 minutos, o disco trouxe 15 faixas. Esse álbum conseguiu um desempenho bem interessante nas paradas musicais da Billboard nos Estados Unidos, em comparação com as trilhas anteriores de Jornada. Estreou na lista dos 200 mais na 58ª posição, e chegou à 49ª na semana seguinte. Apenas os discos de Jornada nas Estrelas III: À Procura de Spock (1984) e Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida (1991) conseguiram entrar nesta listagem, em seus respectivos anos.

Em 2010, a mesma gravadora colocou nas lojas uma nova edição luxuosa do álbum de Star Trek. Desta vez, eram dois discos com 44 músicas em 98 minutos de duração. Limitado a 5 mil cópias, o CD duplo vinha acompanhado de um livreto de 28 páginas com notas da produção e textos de apoio.

Enterprise e Kirk correm paralelos na trilha, para se encontrar ao final. (Paramount)

Texto publicado originalmente no volume 15 da Coleção Trek Brasilis, de março de 2020. Se você se interessa por conteúdos como este, conheça e assine a Coleção Trek Brasilis em tbshop.org!

Leia sobre as trilhas sonoras de outros filmes de Star Trek clicando aqui.


Descubra mais sobre Trek Brasilis

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.