Erica Ortegas faz jornada trágica de sobrevivência e ajuda a humanizar os gorns
Sinopse
Data estelar: 2198.7
A Enterprise investiga uma área peculiar de espaço não mapeado, e Erica Ortegas é enviada sozinha na nave auxiliar Archimedes para colher dados de uma região com ondas gravitacionais anômalas. Ao preparar o lançamento de uma boia subespacial, o veículo acaba encontrando um buraco de minhoca e sai próximo a um planeta gigante gasoso. A despeito dos danos, Ortegas consegue lançar a boia, tentando transmitir um pedido de socorro à Enterprise, e então fazer um pouso forçado em uma das 396 luas do planeta.
As rações de emergência estão contaminadas, e o suporte de vida da nave auxiliar está sem baterias. Ortegas precisa de água, comida e abrigo. Ela desmantela equipamento para construir um condensador, a fim de obter água a partir do ar. Mas, para alimento, precisará procurar recursos na superfície da lua. Abalos sísmicos indicam que a lua está numa órbita excêntrica e periodicamente cruza a termosfera do planeta gigante, tornando o ambiente momentaneamente tóxico. Ela tem pouco tempo para encontrar comida e voltar à nave. Usando uma luneta, ela vê uma luz ao longe – vizinhos. Encontra então um acampamento, de alguém que está há bem mais tempo preso na lua. Mas se choca ao descobrir que é um gorn.
Na Enterprise, depois de dois dias, a tripulação se divide. Não há sinais da nave auxiliar, e a nave tem um encontro marcado com a Constellation para transferir uma vacina urgentemente necessária em Epsilon Indi III. Com muito esforço, Uhura consegue captar uma mensagem de Ortegas, mas Spock aponta que não há como saber se a gravação é de antes ou depois da travessia pelo buraco de minhoca. Uhura defende o envio de sondas para confirmar que o sinal veio do outro lado. O resultado é inconclusivo, e o buraco de minhoca parece estar se fechando. Uhura propõe o uso de uma nave auxiliar e Pike dá a ela quatro horas para apresentar simulações que deem boa chance de sucesso.
Na lua, o gorn retorna a seu acampamento e percebe que Ortegas está por perto. Por um momento, ele parece atacá-la, mas na verdade a está protegendo de uma outra criatura que emerge do solo. O gorn pega o animal, que usará como alimento. Ortegas está convicta de que será o próximo almoço do gorn, mas ele atira um pedaço de carne para ela. Quando o alienígena cai no sono, Ortegas se apropria de um dispositivo de comunicação gorn. Ela vê uma misteriosa luz branca ao fundo, no céu. A nave auxiliar afunda sob o solo. O gorn vai atrás dela e, mais uma vez, em vez de atacar, a protege com um campo de força, contra outros animais do planeta. Está claro que ele quer cooperar. Ao poucos, humana e gorn vão forjando um laço de confiança. O gorn está com a perna ferida e pede ajuda de Ortegas para tratá-la. Conforme a relação evolui, os dois náufragos precisam trabalhar juntos para escapar da lua. Ortegas desenvolve um tradutor universal improvisado que consegue extrair pelo menos “sim” e “não” do gorn. Descobre então que é uma fêmea. As duas ensinam jogos uma à outra e trabalham para reparar o dispositivo de comunicação gorn e tentar fazer contato com a Enterprise.
A bordo da nave, após inúmeros estudos, Uhura conclui que a única forma de tentar resgatar Ortegas é colocar a própria Enterprise, com um campo de dobra ativo, na boca do buraco de minhoca, para mantê-lo aberto. Mas ela manipula as chances de sucesso para convencer Pike a adotar o plano. A nave então constata o que há do outro lado da fenda espacial – um planeta gigante e muitas luas. Começa a busca, lua por lua, com tempo escasso.
Ortegas, ainda “vigiada” por uma misteriosa luz branca ao fundo, é atacada por um dos animais nativos da lua e, ao reagir com um sinalizador, destrói a bateria que poderia manter o comunicador e o campo de força contra as tempestades tóxicas regulares. É praticamente uma condenação à morte. Mas a pilota tem uma ideia radical: esperar o momento da tempestade tóxica e usar um pacote de propulsão gorn para incendiar a atmosfera e chamar a atenção da Enterprise. Para se salvarem, ela e a gorn vão se esconder sob o escudo de calor do módulo de fuga gorn.
A ideia dá certo e a Enterprise vê a explosão, bem na hora em que deveria partir. Um grupo de descida liderado por La’An vai à lua para resgatar Ortegas. Quando ela vê um gorn junto, reage por impulso e dispara contra o alienígena, matando-o. Ortegas fica arrasada e confronta a entidade cintilante que a está supostamente observando. La’An ordena o transporte de volta à Enterprise, e o tempo pára para todos, menos para Ortegas, que encontra uma entidade que se identifica como membro dos métrons, uma civilização antiga e avançada que estava estudando a interação entre duas espécies bárbaras e violentas, humanos e gorns. Tudo não passou de um experimento. O métron apaga a memória de Ortegas sobre eles, mas mantém as lembranças da interação com a gorn.
Uhura reencontra Erica a bordo da Enterprise, que conta sobre os eventos recentes, sem saber como processar isso tudo. De lembrança, Ortegas traz a peça do jogo que a gorn a ensinou a jogar.
Comentários
Num belo e trágico retrato sobre empatia e superação das diferenças, “Terrarium” traz Erica Ortegas pela primeira vez para o protagonismo, em um tour de force para Melissa Navia. A atriz cumpre a missão de forma brilhante, numa jornada que representa mais um passo importante no arco dos gorns em Strange New Worlds e se faz notar, sobretudo, por sua brilhante execução.
A premissa básica que sustenta o episódio não é nova e já foi diversas vezes usada em Star Trek: dois potenciais adversários são reunidos em circunstâncias mortais e precisam trabalhar juntos para superar as adversidades. Dois exemplos que vêm à mente na própria franquia são o muito bem-sucedido “Darmok”, de A Nova Geração, e o não tão brilhante “Dawn”, de Enterprise. São todas tramas que, de um jeito ou de outro, remetem a Inimigo Meu (1985), filme cult de Wolfgang Pertersen, com Dennis Quaid e Louis Gossett Jr.
Para “Terrarium”, as sequências também ganham inspirações mais recentes, como O Náufrago (2000), de Robert Zemeckis, estrelado por Tom Hanks, e Perdido em Marte (2015), de Ridley Scott, com Matt Damon. É difícil ver Ortegas falando sozinha e não pensar no personagem de Hanks, ou notá-la celebrando a construção de um condensador de água improvisado a partir de partes da nave auxiliar e não lembrar o astronauta vivido por Damon.
O episódio, contudo, traz mais do que isso. As referências são mais inspirações que apropriações, e o resultado final é não somente criativo, com o todo sendo mais que a soma das partes, como capaz de envolver a audiência ao longo dos seus 56 minutos – episódio mais longo da temporada.
O passo a passo do roteiro é perfeito para a escalada de ameaças e problemas, ao menos na trama A, que lida com Ortegas tendo de sobreviver naquela lua inóspita, ao se ver às voltas com ninguém menos que uma sobrevivente gorn. Não há cenas gratuitas e os mistérios vão se desenrolando pouco a pouco, com momentos muito efetivos e dramáticos, com uma dose de evisceramento incomum para a franquia (difícil de ver a cena dela comendo um pedaço de carne crua, ou tentando tratar a perna altamente infeccionada da gorn).
Ao mesmo tempo, a transição da relação das duas, do medo e da desconfiança à colaboração e à amizade, é muito efetiva, de forma até surpreendente. Afinal de contas, Navia teve de contracenar o tempo todo com o que era basicamente um boneco, uma cabeça animatrônica em um traje usado por um ator. Por sinal, é muito interessante ver como o diretor Andrew Coutts conseguiu trabalhar o quanto a audiência vê da gorn como forma de refletir os sentimentos de Ortegas: primeiro são visões rápidas, entre obstáculos, relances, denotando desconfiança. Com o passar do tempo, vamos ganhando tomadas mais firmes e uma visão mais estável da criatura. Ortegas passa a olhar nos olhos de sua colega náufraga.
Menos eficaz é a trama B, a bordo da Enterprise, que consiste em Uhura lutar ferozmente contra dificuldades técnicas e incertezas enquanto uma contagem regressiva pressiona a nave para levar vacinas à USS Constellation – uma boa referência pescada da Série Clássica para efeito de coesão de universo, sem exageros. Em contraste com o que se desenrola na lua, aqui temos um pouco de repetição, com a mesma dinâmica reciclada diversas vezes, em que a oficial de comunicações apresenta soluções e o resto da tripulação trabalha para mostrar como tudo tende a dar errado.
Ainda assim, há ótimos momentos para Celia Rose Gooding, que brilha com a determinação de Uhura em trazer a amiga Ortegas para casa – a ponto de falsificar dados de simulações para apresentar uma estimativa de sucesso aceitável para o capitão Pike. Quando ela decide confessar sua artimanha, ele revela já saber e diz que não fez diferença, pois ele tentaria o resgate do mesmo modo. A atitude condescendente do capitão pode soar sábia para uns, mas contrasta com a que Una teve com Ortegas em “Shuttle to Kenfori” – essa sim muito mais realista e compatível com o nível de infração e insubordinação envolvido. Ao longo de quase toda a temporada, Pike não se parece com o protagonista da série, e aqui não é diferente.
Por fim, o clímax do episódio transforma vitória em tragédia, quando La’An, ao liderar o grupo de resgate, atira na gorn sem pensar duas vezes, para o desespero de Ortegas. Impossível não imaginar de antemão que algo assim aconteceria no momento em que Pike a escala para a missão, o que realça o efeito trágico do desfecho, mas cabe a Navia tornar a cena tão poderosa quanto possível, confrontando a estranha e distante luz azulada que vem “espiando” a ação na lua durante todo esse tempo. Temos aí a revelação de que os métrons já estão preocupados com a relação entre humanos e gorns muito antes de “Arena”, episódio da Série Clássica. Por sinal, algumas das coisas que acontecem aqui ajudam a trazer nova luz para o que acontece lá, num movimento que, para além da mera nostalgia, faz o melhor papel que uma prequela pode ter: o de colocar o que vem depois sob uma nova e mais rica perspectiva.
Toda a economia com alguns dos episódios anteriores permite que este aqui traga altíssimos valores de produção, com longas filmagens em ambiente de AR Wall. Os cenários virtuais dão vida à hostil e sinistra superfície da lua, e muito trabalho envolveu ter uma gorn na função equivalente à de uma estrela convidada. Aprendemos aqui que ela é capaz de ler telepaticamente a mente de Ortegas, e o elo de amizade e companheirismo que se forma entre as duas é muito poderoso, apesar das enormes diferenças entre as duas espécies. Enfim, Strange New Worlds faz o que vinha adiando desde a introdução dos gorns na primeira temporada: dá a eles alguma medida de humanidade, abrindo caminho para o desfecho que veremos apenas em “Arena”, da Série Clássica.
Ao costurar uma aventura empolgante a uma mensagem poderosa – o valor da empatia e compreensão para com um adversário, mesmo que a princípio ele pareça monstruoso –, com um desfecho particularmente potente, “Terrarium” traz o que Star Trek costuma ter de melhor, equilibrando na dose certa inspirações, referências e originalidade. É um dos grandes vencedores desta terceira temporada.
Avaliação
Citações
“When you first arrived, this creature didn’t need you to survive. It kept you alive because it was lonely. And you, you managed to work past your pain and trauma. There is hope for your two species.”
“Well, pardon me for saying, but I don’t care what you think.”
(Quando você chegou, essa criatura não precisava de você para sobreviver. Ela a manteve viva porque estava solitária. E você, você conseguiu superar sua dor e seu trauma. Há esperança para suas duas espécies.)
(Bem, lamento dizer, mas não ligo para o que você pensa)
Métron e Erica Ortegas
Trivia
- Famoso por filmes de terror como Halloween 4 (1988) e Spawn (1997), o escritor Alan B. McElroy entrega seu segundo episódio de Strange New Worlds, após ter assinado “What is Starfleet?”. Antes de se envolver com a série, ele também escreveu oito episódios de Discovery, entre a segunda e a quinta temporadas.
- Andrew Coutts faz aqui sua estreia como diretor. Editor de origem, chegou a trabalhar nessa função em Discovery, Picard e Strange New Worlds.
- Evocando seu estilo Right Stuff, Erica Ortegas fala em “acender essa vela”. É uma referência a Alan Shepard, primeiro astronauta americano, antes de seu voo inaugural no programa Mercury, a bordo da cápsula Freedom 7, em 5 de maio de 1961. Enquanto o controle da missão agonizava com problemas técnicos e adiava o início do voo suborbital, Shepard disse: “Estou muito mais tranquilo que vocês, pessoal. Por que vocês não consertam logo seu probleminha e acendem essa vela?”
- Epsilon Indi é um sistema real, composto por uma estrela do tipo K (um pouco menor que o Sol) e um par de anãs marrons (estrelas abortadas, por assim dizer), localizado a 12 anos-luz da Terra. Vários episódios da franquia sugerem que o sistema foi colonizado por humanos. Aqui é Epsilon Indi III que precisa das vacinas. Anteriormente, os planetas Epsilon Indi II e IV foram mencionados em A Nova Geração e Discovery.
- Vemos aqui a nave auxiliar Archimedes, batizada em homenagem ao matemático grego Arquimedes. Também sabemos que, no século 23, houve uma nave estelar USS Archimedes, em que Phillipa Georgiou serviu como tenente e estabeleceu contato clandestinamente com Saru, em Kaminar, como visto em “The Brightest Star”, de Short Treks, e “The Sound of Thunder”, da segunda temporada de Discovery.
- Muitos dos elementos de trama deste episódio figuram em “The Galileo Seven”, da Série Clássica, que também envolvem a perda de uma nave auxiliar e um prazo exíguo para o resgate da tripulação. A ideia de adversários reunidos e tendo de trabalhar juntos, por sua vez, apareceu em vários outros episódios, como “The Enemy” e “Darmok”, de A Nova Geração, além de “Dawn”, de Enterprise.
- Quando a Enterprise entra no buraco de minhoca, Uhura faz uma oração em suaíli. O próprio nome da personagem é derivado de “uhuru”, a palavra para liberdade em suaíli, referência que foi canonizada em fala de Spock no episódio “Is There in Truth No Beauty”, da Série Clássica.
- A Enterprise iria se encontrar com a USS Constellation, nave que seria destruída anos depois, no episódio “The Doomsday Machine”, da Série Clássica. Aqui, seu comandante é o capitão Decker. Na Série Clássica, ele já teria sido promovido a comodoro.
- O dublê Warren Sherer foi o homem por trás da gorn no pesado traje de borracha, trabalho que ele também havia feito em “Hegemony” e “Hegemony, Part II”. Ele também interpretou o humano Ato Kurr em “All In”, da quarta temporada de Discovery.
- Este episódio não tem participações de Jess Bush (Chapel), Babs Olusanmokun (M’Benga) e Martin Quinn (Scott), embora os três sejam creditados.
Ficha Técnica
Escrito por Alan B. McElroy
Dirigido por Andrew Coutts
Exibido em 4 de setembro de 2025
Título em português: “Terrário”
Elenco
Anson Mount como Christopher Pike
Ethan Peck como Spock
Christina Chong como La’An Noonien-Singh
Celia Rose Gooding como Nyota Uhura
Melissa Navia como Erica Ortegas
Rebecca Romijn como Una Chin-Riley
Elenco convidado
Alex Kapp como computador da Enterprise
Warren Scherer como gorn
Dariush Zadeh como métron
TB ao Vivo
Enquete
Edição de Maria Lucia Rácz
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