Insurreição: Goldsmith se junta a Gilbert & Sullivan

Veterano músico mais uma vez foi recrutado para um filme da cinessérie, que incorporou a dupla das operetas em momento importante da trama.

Em 1964, Gene Roddenberry procurou o compositor Jerry Goldsmith para fazer a música do episódio piloto de sua nova série para televisão, Star Trek. Porém, como estava sem agenda, Jerry indicou seu colega Alexander Courage para “The Cage”. Anos depois, quando Jornada estreou nos cinemas, Goldsmith era o autor da histórica trilha sonora de Jornada nas Estrelas: O Filme (1979), redefinindo o tema musical da franquia para os anos que viriam a seguir.

Dez anos depois, ele compôs para Jornada nas Estrelas V: A Última Fronteira (1989), quando trouxe faixas vibrantes (talvez o ponto alto daquele filme), e retornaria em Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato (1996), com músicas que ressoariam décadas depois na terceira temporada da série Picard. Isso sem contar o tema de abertura em Voyager (1995), também composto pelo veterano maestro, que por ela foi premiado com um Emmy.

Em Insurreição, Rick Berman resolveu apostar novamente em Goldsmith, que à época estava com 69 anos e agenda lotada. Só em 1998 trabalhou em seis longas, fora o de Jornada nas Estrelas. Não foi empecilho para que criasse algo diferente do que já havia feito para as aventuras da USS Enterprise nos séculos 23 e 24.

“Acho que as subtramas incluem uma história romântica entre Picard e Anij muito adorável. Então, torna tudo um pouco diferente para mim”, destacou Jerry naquele ano. “A coisa toda é uma abordagem muito mais melódica e romântica, em uma escala muito grande. É quase operístico”, completou, resumindo seu trabalho com Insurreição que, na soma de suas partes, mostrou ser mais discreto do que as empreitadas anteriores.

Deixando de lado o tom sombrio do antecessor Primeiro Contato, ele apresentou uma trilha sonora que não abriu mão de instrumentação sintetizada eletronicamente, por baixo da clássica representação orquestral que sempre o acompanhou, traço já incorporado havia alguns anos em suas partituras.

Jerry trouxe Alexander Courage como orquestrador e começou a trabalhar. Para o novo filme de Star Trek nas telonas, criou três temas. Um, pastoral e idílico, aos ba’kus; outro mais vibrante, ilustrando a insurreição do elenco principal; e um com sabor nobre, para ressaltar as virtudes às quais a Federação Unida de Planetas foi criada. Para os son’as, entrava em cena o que interessava no momento da trama, baseado nesses três temas anteriores, com um ou outro penduricalho.

Desta vez, não foi feito um tema para o vilão da vez, o ahdar (título equivalente ao de comandante) Ru’afo, interpretado por F. Murray Abraham. Na sequência do coletor orbital de radiação metafásica do planeta ba’ku, já no clímax da história, Goldsmith trouxe novamente sons exóticos que transmitiam um sentimento de admiração pela grandiosidade da escala em tela, herança de seus temas com V’ger em O Filme. 

Jerry, claro, não iria deixar de lado a consagrada fanfarra da Série Clássica, sempre ouvida em seus trabalhos com Jornada, seguida da música inspiradora que criou para O Filme e que virou o tema de abertura da série A Nova Geração, usada em alguns momentos, mais notadamente para servir de moldura à primeira aparição da USS Enterprise-E em tela, no início, e nos créditos finais.

Sua melodia para os klingons serviu como tema de Worf (Michael Dorn). Deslocado de suas funções em Deep Space Nine, na trama o personagem pareceu ser usado mais para alívio cômico do que por outro motivo.

As diversas sequências de ação, principalmente em seu terço final, permitiram a Goldsmith criar um material com estreitos laços a um de seus trabalhos mais populares na seara da ação/ficção científica, O Vingador do Futuro (Total Recall), de 1990.

Como em O Filme, ao final dos trabalhos a trilha sonora original de Insurreição se encaixou à proposta do longa da mesma forma que ocorreu em 1979, quando da primeira participação do compositor no mundo de Star Trek. Lá, era tudo enorme e espetacular, e as músicas acompanharam bem. Aqui, novamente tudo se encaixa, mesmo que seja num cenário diferente, não sendo uma tradicional mega ameaça à galáxia (ou, como já foi visto em séries posteriores da franquia, ao universo todo). A Terra, pela primeira vez na cinessérie, nem aparece ou é colocada em risco, por exemplo. Organicamente pareada com o roteiro, e mesmo sem a pompa de uma verdadeira ópera espacial, cumpriu bem o seu propósito. 

“Eu frequentei orquestras durante uma parte da minha juventude, e tenho uma certa noção de como funciona, mas trabalhar com Jerry Goldsmith é sempre um dos pontos altos em fazer esses filmes”, declarou o diretor Jonathan Frakes à época da produção de Insurreição. “Eu realmente o admiro, pois não saberia o que fazer. Ele usa as 90 ou 100 peças de uma orquestra como se fosse um único instrumento. Jerry, John Williams e mais uma meia dúzia de compositores estão no topo. E Jerry, além de um mestre, é um grande cavalheiro.” 

GILBERT & SULLIVAN

Dupla de compositores ingleses de operetas bem populares do século 19, William S. Gilbert e Arthur S. Sullivan, ou apenas Gilbert & Sullivan, fizeram mais uma aparição em Jornada nas Estrelas no longa Insurreição. Em “Disaster”, do quinto ano de A Nova Geração, a doutora Crusher havia convencido Geordi La Forge a cantar “I Am the Very Model of a Modern Major-General”, de autoria deles, para a peça teatral The Pirates of Penzance, em que o engenheiro interpretaria o tal major-general.

Dentro da história de Insurreição, Data estava se preparando para uma apresentação da peça H.M.S. Pinafore antes de ser temporariamente designado para a equipe de pesquisa que estudava os ba’kus em seu planeta. Espertamente, Picard lembrou-se de cantar, junto a um relutante Worf, a canção “A British Tar”, também da dupla, para distrair o androide defeituoso por tempo suficiente para que fosse desligado numa manobra do próprio Worf. O que ajudou o colega klingon a se manter no ritmo da música foi uma infame bolinha na tela, pulando sobre os versos, em uma cena cômica.

Décadas depois, a dupla Gilbert & Sullivan retornaria a Jornada, graças à personagem de Rebecca Romijn, Una Chin-Riley (a Número Um), no episódio “Q&A” de Short Treks, e como uma referência em “Ad Astra Per Aspera”, da segunda temporada de Strange New Worlds. A atriz era fã das operetas e frequentemente cantarolava as músicas nos bastidores.

OS ÁLBUNS

Em dezembro de 1998, junto com a estreia do filme nas telonas norte-americanas, chegou nos EUA o CD com a trilha sonora de Insurreição. Apresentando 41 minutos de músicas, o disco da GNP Crescendo Records vinha com 11 faixas, deixando de fora algumas ouvidas nos cinemas. Desta vez não se tratava de um Enhanced CD, como o de Primeiro Contato lançado pela mesma gravadora anos antes, que continha material digital como o trailer do filme ou algum jogo para computador. Eram apenas músicas e um encarte satisfatório de papel.

Quinze anos depois, em 2013, a mesma GNP Crescendo colocou no mercado, de forma limitada, uma novíssima edição de colecionador com a trilha do filme, desta vez voltada ao colecionador. Com 79 minutos, apresentava 25 faixas, trazendo toda a partitura original de Goldsmith e quatro versões alternativas das músicas originais. 

Além dessas novidades, outro chamariz era o encarte: um livreto com 16 páginas, bem ilustrado, com notas dos especialistas Jeff Bond e Lukas Kendall, e uma análise faixa por faixa do CD escrita por John Takis.

Dos dois álbuns, só um deles chegou ao Brasil. Foi o primeiro, lançado aqui junto ao filme, em fevereiro de 1999. Algo raríssimo para os trekkers nacionais, mas estava nas lojas de CDs de nosso país por meio da distribuidora DRB³, licenciada da GNP Crescendo.

Texto publicado originalmente no volume 37 da Coleção Trek Brasilis, de dezembro de 2024. Se você se interessa por conteúdos como este, conheça e assine a Coleção Trek Brasilis em tbshop.org!

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