DSC 4×03: Choose to Live

Book e Michael observando a floresta de Kwejian holográfica

Novos caminhos de vida e freiras ninjas romulanas se entrelaçam em bela trama sci-fi

Sinopse

Data estelar: Desconhecida

Durante uma missão de entrega de dilítio, a USS Credence é abordada por um grupo liderado por J’Vini, do Qowat Milat. Ela rouba os cristais, mas mata o primeiro oficial da nave. Este foi o quarto roubo de dilítio, mas o primeiro a envolver uma morte. Esperando a crise, a Frota Estelar plantou um rastreador nos cristais. Agora, cabe à capitão Michael Burnham ir atrás de J’Vini. Mas, como o caso envolve uma cidadã de Ni’Var, fica acordado que será uma missão conjunta do Qowat Milat e da Frota Estelar. Gabrielle Burnham representará as freiras.

Enquanto isso, Stamets segue duelando com a anomalia gravitacional. Ele apresenta uma nova hipótese, sugerindo que pode se tratar de um buraco de minhoca primordial. Contudo, não há evidência de táquions, o que parece derrubar a ideia. O cientista irá conferenciar com os especialistas no Instituto de Ciência de Ni’Var e Book pede para ir junto. Stamets relutantemente concorda.

Vance com T'Rina, Rillak e Michael

A bordo da Discovery, Culber termina de construir o corpo sintético para Gray. Em forma de holograma, o guardião Xi aparece a bordo para proceder com a cerimônia zhian’tara. Normalmente usada para que um trill unido interaja com os hospedeiros anteriores do simbionte, aqui ela será usada para transferir a consciência de Gray Tal para seu novo corpo. Mas não há garantias de sucesso.

Michael solicita a Book o uso de sua nave e Saru recomenda que ela leve Tilly na missão – apesar de não ser uma grande combatente, ela tem habilidades diplomáticas intuitivas que podem ajudar. O grupo parte com Gabrielle e outra freira do Qowat Milat. O rastreador as leva a uma lua que parece inabitada. Contudo, detectam o sinal de J’Vini no subsolo. Antes que pudessem se transportar, elas são atacadas – há três mortes do grupo de J’Vini e a assistente de Gabrielle também sucumbe. J’Vini ordena que elas partam. Mas elas não obedecem e vão ao subsolo, onde encontram uma câmara enorme, que mais lembra um mausoléu.

Gabrielle Burnham lutando contra irmãs do Qowat Milat

Analisando os desenhos em pedra e detectando um sinal de ativação de dilítio, Michael conclui que não é uma lua, mas uma nave, que transportava um povo inteiro para aquele planeta após a destruição de seu mundo natal. O grupo descobre a intenção de J’Vini: proteger os alienígenas, chamados abronianos, de saqueadores de túmulos, já que seus corpos são naturalmente ricos em latinum. Tilly é usada como isca para atrair J’Vini, que explica a “causa perdida” a que ela está dedicada. Burnham constata que os abronianos estão em crioestase e a nave falhou em acordá-los ao chegarem a seu destino. Ela é capaz de reparar o problema e J’Vini, vendo sua missão cumprida, se rende. Levada de volta ao Quartel-General da Frota Estelar, ela é extraditada para Ni’Var.

Abronians como a causa perdida de J'Vini

Lá, após longa meditação, os cientistas do instituto concluem que Stamets está errado. T’Rina realiza um elo mental com Book, na tentativa de encontrar nas lembranças dele alguma evidência da presença de táquions na destruição de Kwejian. Não há, mas Book encontra paz ao reviver seu encontro com Leto e ter a certeza de que o menino sabia que ele o amava.
Na Discovery, Gray desperta em seu corpo artificial, pronto para iniciar uma nova vida.

Comentários

“Choose to Live” conduz três tramas separadas, com um arco bem definido, e todas com a mesma temática, sintetizada no título: a necessidade de superar desafios, perceber o fim de um caminho e recomeçar numa nova estrada. O preço desse sucesso não desprezável é pago com alguns atalhos, a despeito dos 56 minutos do episódio, mas nada que cause dano irreparável a qualquer das tramas.

Tem sido uma marca de Discovery nesta quarta temporada o esforço de contar várias histórias paralelas, mergulhando na vida dos personagens, mas unificando cada episódio em um tema. Dos três episódios iniciais, este é o que faz isso melhor, em um trio de tramas claramente hierarquizadas.

Presidente T'Rina iniciando elo mental em Book

O enredo principal é movido pelo assassinato do primeiro oficial da Credence e toda a aventura na busca pela responsável, a freira ninja J’Vini, do Qowat Milat. É especialmente interessante como a série está explorando, desde a temporada anterior, as sementes plantadas por Star Trek: Picard. Chega até ser irônico ver os roteiristas descobrindo as maravilhas de um cânone coeso, depois de algum esforço para fugir dele, com o salto para o futuro ao final da segunda temporada. As seguidoras da franqueza absoluta e defensoras de causas perdidas caem muito bem aqui, como mais uma camada na rica cultura vulcano-romulana, agora reunida em Ni’Var. E o encaixe de Gabrielle Burnham de volta à série, aqui, acontece de forma mais natural, depois de ter sido meio “marretado” em “Unification III”, do terceiro ano.

Aliás, dá para dizer que temos aqui o “episódio Ni’Var” desta quarta temporada, algo que parece ser quase obrigatório para Discovery. Não houve ano em que não tivemos um vislumbre de Vulcano (agora Ni’Var), ainda que em flashbacks. Apesar disso, o foco da trama principal é a personagem Tilly, que está procurando um novo caminho, depois de ter suas convicções pessoais abaladas pelos últimos eventos por que passou. É ela quem aprecia mais as lições de “Choose to Live”, que o roteiro faz questão de colocar em diálogo sem soar “pregação”, evocando bons momentos clássicos de Star Trek.

Tilly e Gabrielle Burnham conversando

A história em si traz um belo conceito de ficção científica, explorado com bons efeitos visuais e um sabor de aventura arqueológica. A premissa lembra um pouco de “For the World Is Hollow and I Have Touched the Sky”, da Série Clássica, mas, em vez de ser um asteroide que é uma nave geracional, como no episódio antigo, aqui temos uma lua que é uma nave de crioestase – elemento que serve como “causa perdida” para J’Vini. Aliás, mostrar que a “vilã” na verdade tem motivações honradas e justificadas é outra assinatura clássica de Jornada, mais uma vez bem utilizada aqui.

Há tropeços pelo caminho, como a meio mal explicada justificativa para J’Vini partir para saques (em vez de tentar explicar melhor à Federação por que ela precisa do dilítio), ou o velho clichê “não podem levar os fêiseres”, mas nada que interrompa a apreciação da história.

J'Vini ameaçando Gabrielle Burnham

Na trama secundária, vemos Stamets e Book visitando o Instituto de Ciência de Ni’Var, antiga Academia de Ciência de Vulcano, em cenas absolutamente estonteantes do planeta visto a partir de uma plataforma suspensa. É o cenário virtual (AR Wall) fazendo a diferença mais uma vez, para elevar os valores de produção da série a um novo patamar. O objetivo da visita é desvendar o mistério da anomalia gravitacional, agora chamada pela sigla AME (anomalia de matéria escura), e Stamets se vê em mais um beco sem saída, precisando escolher outro caminho. De novo, há de se destacar como Discovery está trabalhando bem com ciência esta temporada. A coisa toda de delinear o método científico, mostrar o cientista formulando uma hipótese, colhendo dados e corroborando ou refutando sua ideia original, além de ser intelectualmente interessante, é um serviço social que Star Trek presta, ao usar entretenimento para elucidar ao público como a ciência funciona.

A propósito, a quarta temporada continua sendo campeã da “ciência de verdade” no tecnoblablá. Neste episódio, vemos menção à radiação Cherenkov, que é algo real e surge quando uma partícula carregada passa por um meio dielétrico a uma velocidade maior que a velocidade de fase da luz naquele mesmo meio. Táquions são partículas hipotéticas (provavelmente não existem, mas a ideia vem da Física), que viajariam mais depressa que a luz, o que os tornaria candidatos a produzir radiação Cherenkov. E algumas das equações que Stamets visualiza são da solução de Schwarzschild para a descrição dos buracos negros, baseada na relatividade geral. A consultora Erin Macdonald está trabalhando para valer!

Stamets em Ni'Var, na antiga Academia de Ciência de Vulcano

Dito isso, claro que o peso emocional da sequência em Ni’Var não está em Stamets ou na ciência, mas em Book, que dá outro passo importante na superação do luto pela perda de Kwejian e de sua família. A cena do elo mental com T’Rina e a recuperação da memória perdida é de encher os olhos de água e orna lindamente com o tema do episódio: diante da catástrofe, vemos o momento em que Book começa a colocar de lado sua culpa e “escolhe viver”.

A trama terciária, que arredonda o episódio, é a telegrafadíssima ressurreição de Gray. Talvez o ponto mais fraco do segmento, ele não traz grandes novidades e apenas bate na mesma tecla que tem sido pressionada de levinho, mas sempre, nos episódios anteriores. Quem sabe agora, com a conclusão desse processo, possamos ver algum crescimento para Gray e, sobretudo, para Adira, que até então esteve meio “amarrade” a essa trama em particular. Vale notar que, de novo, o uso do cânone foi muito bem aqui, combinando o lance do golem de Picard com o zhian’tara, visto em Deep Space Nine como uma forma legitimamente trill de desvencilhar hospedeiros anteriores do simbionte de sua atual residência. Bem jogado.

Adira e Culbert observando Grey após a implantação da sua consciência no corpo sintético

As atuações, como sempre, são um ponto forte do episódio (e da série). E vale ressaltar de novo como ter Michael como capitão acaba abrindo espaço para todo mundo. Ela definitivamente não é o centro do episódio, embora tenha um papel de protagonismo na condução da trama principal. Mary Wiseman traz de volta seu lado mais cômico, o que pode causar desconforto em alguns, mas é inegavelmente efetivo. Anthony Rapp segue ótimo com as tiradas de Stamets, Oded Fehr brilha mais uma vez como o almirante Vance e David Ajala, com seu Book, prova a cada episódio que grande adição ele é para Discovery.

Com um tema bem trabalhado, ao longo de três histórias, “Choose to Live” quase nos remete à época em que Star Trek era produzida de forma eminentemente episódica. A ameaça da anomalia gravitacional foi temporariamente colocada de lado e tivemos uma boa aventura de ficção científica que para em pé por conta própria. Mas não se engane, o arco mais amplo da temporada continua…

Avaliação

Citações

“When we say ‘choose to live’, it’s an abbreviated form of a longer saying: ‘The path you are on has come to an end. Choose to live.’ If you find yourself at the wrong end of a Qowat Milat sword, it’s pretty easy to see that particular path is over for you. You either move on to a new path and live, or you stay and die.”
(Quando dizemos ‘escolha viver’, é uma forma abreviada de um ditado maior: ‘O caminho em que você está chegou ao fim. Escolha viver.’ Se você se vê defronte com uma espada do Qowat Milat, é bem fácil ver que aquele caminho em particular acabou para você. Você ou se move para um novo caminho e vive, ou você fica e morre.)
Gabrielle Burnham para Tilly

“It is difficult to ride two vale beasts with only one set of buttocks.”
(É difícil cavalgar duas feras valeferas com um só conjunto de nádegas.)
Saru, citando um adágio kelpiano

Trivia

  • O título do episódio é baseado numa frase rotineiramente dita pelas freiras do Qowat Milat, introduzidas na primeira temporada de Star Trek: Picard.
  • Curiosamente, o roteiro é o primeiro de Terri Hughes Burton para a série. Ela se juntou à produção como coprodutora executiva na quarta temporada, recém-saída de Warrior Nun.
  • A direção é de Christopher J. Byrne, em seu segundo trabalho para a série, depois de alguns anos de ausência. Antes desse, ele havia dirigido o excelente “Into the Forest I Go”, da primeira temporada.
  • Este episódio é o primeiro a mostrar o novo bar da USS Discovery. E veja só: há um alvo para dardos, um atendente ferengi e um tripulante luriano (mesma espécie de Morn), lembrando um certo estabelecimento do promenade da Estação 9 em Deep Space Nine.
  • O cenário do bar foi construído a partir da antiga sala de transporte, que perdeu a razão de ser desde que a Discovery foi para o futuro e a tripulação foi equipada com teletransportes portáteis em suas insígnias.
  • A USS Credence tem um número de registro incomumente baixo para o século 32: NCC 2804. Talvez seja uma nave bastante antiga, o que orna com seu corredor absurdamente similar ao da própria Discovery (numa óbvia redecoração do cenário).
  • T’Rina menciona a disciplina vulcana de supressão das emoções, arie’mnu. Com isso, temos a canonização do termo que apareceu pela primeira vez no romance The Wounded Sky, de Diane Duane, publicado pela Pocket Books em dezembro de 1983.

Ficha Técnica

Escrito por Terri Hughes Burton
Dirigido por Christopher J. Byrne

Exibido em 2 de dezembro de 2021

Título em português: “Escolha Viver”

Elenco

Sonequa Martin-Green como Michael Burnham
Doug Jones como Saru
Anthony Rapp como Paul Stamets
Mary Wiseman como Sylvia Tilly
Wilson Cruz como Hugh Culber
Blu del Barrio as Adira Tal
David Ajala como Cleveland “Book” Booker

Elenco convidado

Oded Fehr como Charles Vance
Ian Alexander como Gray Tal
Chelah Horsdal como Laira Rillak
Ayesha Mansur Gonsalves como J’Vini
Tara Rosling como T’Rina
Sonja Sohn como Gabrielle Burnham
Emily Coutts como Keyla Detmer
Ronnie Rowe Jr. como R.A. Bryce
David Benjamin Tomlinson como Linus
Khalil Abdul-Malik como primeiro oficial da Credence
Andreas Apergis como guardião Xi
Mimi Côté como freira do Qowat Milat
Luca Dougleris como Leto
Ache Hernandez como Kyheem
Giovanni Spina como reitor Sta’Kiar

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Edição de Mariana Gamberger
Revisão de Nívea Doria

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