Jornada V: A segunda vinda de Jerry Goldsmith

Com passagem marcante por Star Trek dez anos antes, veterano compositor retornou à cinessérie e entregou um grande trabalho, talvez o melhor aspecto de uma produção problemática por inteiro.

Produtor dos filmes da cinessérie de Jornada nas Estrelas desde o segundo longa, A Ira de Khan, Harve Bennett definiu a diferença entre as tramas de Jornada nas Estrelas: O Filme, e Jornada nas Estrelas V: A Última Fronteira: “O Filme é um poema, A Última Fronteira é uma aventura.”

Lá em 1979, o compositor Jerry Goldsmith, já um nome de relevância em Hollywood, foi chamado para escrever a trilha sonora de O Filme, e o que ele fez foi uma obra-prima. Criou um novo tema para Star Trek que depois se transformaria na música de abertura de A Nova Geração, e que ressoa até os dias atuais nas novas produções da marca. Nos filmes seguintes, com orçamento menor, outros artistas foram contratados, como um iniciante James Horner, e outro veterano (e amigo do diretor Leonard Nimoy), Leonard Rosenman.

Para Jornada nas Estrelas V, agora com William Shatner na comando, Goldsmith foi convidado a retornar, e aceitou. Desta vez, teria a oportunidade de trabalhar com um fator ausente no “poema” O Filme: as sequência de ação de uma aventura espacial. Porém, além da correria, Goldsmith fez um trabalho também lírico.

Maestro Jerry Goldsmith trabalhou em cinco longas de Jornada nas Estrelas para o cinema e fez os temas de abertura de A Nova
Geração e Voyager.

A trilha fornece personalidade aos personagens, especialmente Sybok, e emoção e fascínio nas cenas da escalada de Kirk ou da caminhada por Sha Ka Ree. O compositor abriu o longa com seu tema para Jornada nas Estrelas escrito em 1979, mas desta vez com a presença da fanfarra de Alexander Courage para a Série Clássica, e um som parecido com uma turbina entrando em funcionamento somado a alguns efeitos eletrônicos na sua introdução, diferenciando um mínimo da música que, graças à série de Picard nas telinhas, tinha se tornado um novo hino de Star Trek.

Na sequência, uma linda melodia emoldurando ainda a sequência dos créditos iniciais do filme, mas que agora saía do espaço e se passava durante a escalada de James T. Kirk no monte El Capitan, no Parque Nacional de Yosemite, na Califórnia do século 23. A música ganhou o nome de “The Mountain” no álbum que foi para as lojas e se tornou uma favorita dos fãs pela sua delicadeza e inspiração.

A variedade de locais e personagens em Jornada nas Estrelas V possibilitou a Jerry criar mais temas do que em O Filme, em que basicamente havia o confronto Enterprise contra V’ger. Na sequência de Kirk e Spock tentando invadir Paradise City em Nimbus III, ele pôde, depois de muitos anos e trabalhos, compor uma música semelhante a sequências de O Canhoneiro do Yang-Tsé (The Sand Pebbles, 1966), com forte presença de percussão.

Com os klingons de volta, o tema para a belicosa raça de O Filme também retornou nas sequências com a ave de rapina comandada pelo jovem capitão Klaa (Todd Bryant), com o apoio de sua primeira oficial Vixis (Spice Williams-Crosby).

Goldsmith fez uma pequena atualização na melodia, com o compasso um pouco diferente e a presença de um shofar, instrumento musical de sopro de origem judaica, feito com chifre de carneiro ou antílope.

Com uma pegada mística e filosofal, segurou bem as cenas com o falso deus de Sha Ka Ree, ou o vislumbre à Grande Barreira num improvável “centro da galáxia”. Mais uma vez o fã de Star Trek conseguiu testemunhar a genialidade de Goldsmith no uso de instrumentos raros e inovadores, bem como uma sólida construção de faixas ao longo da produção.

O artista voltaria a trabalhar nos filmes de Jornada em 1996, com Primeiro Contato, e aí emendaria uma sequência quência até o último longa da chamada Era Berman da franquia, Nêmesis, em 2002. A trilha desse filme final com o elenco de A Nova Geração tem momentos que guardam semelhança com A Última Fronteira nas músicas de ação e, como aqui, também foi um dos pontos altos daquele filme, vendido como “a jornada final de uma geração”.

UMA LUA PARA UHURA

Cena da dança com plumas foi ideia do roteirista David
Loughery, prontamente aceita pelo diretor Shatner.

Enquanto a história de A Última Fronteira era preparada, foi necessário criar uma distração para chamar a atenção da horda de Sybok em determinado ponto da trama. O roteirista David Loughery então brincou que Uhura (Nichelle Nichols) poderia apresentar uma dança sensual no topo de uma montanha, ou algo assim. Shatner, em vez de rir, topou na hora. E a estranha cena estaria no filme.

A sequência que entrou no corte final era de fato com Nichelle, praticamente nua, usando duas enormes plumas numa dança que atrairia o grupo de revolucionários armados de Sybok enquanto Kirk e demais roubariam seus cavalos para partir ao resgate dos diplomatas sequestrados pelo excêntrico vulcano em Paradise City, no planeta Nimbus III. Uhura dança enquanto canta “The Moon’s a Window to Heaven” (“A Lua é uma Janela para o Céu”, em português).

A música foi composta por Jerry Goldsmith, com letras de John Bettis. Apenas como instrumental, já havia sido tocada em parte em outra cena anterior, no bar em Paradise City, onde a romulana Caithlin Dar (Cynthia Gouw) conhece seus colegas humano e klingon.

Porém, para desgosto de Nichelle Nichols, a cena de Uhura foi dublada. A voz De Margaret “Machun” Sasaki-Taylor, então vocalista da banda Hiroshima, é a ouvida no longa. Grupo musical nipo-americano, o Hiroshima contava com muitos fãs de Star Trek em sua formação, e eles eram próximos de George Takei, o Sulu.

AS VERSÕES

Poucas semanas após a estreia de Jornada nas Estrelas V nos cinemas, chegava às lojas nos Estados Unidos o álbum com a trilha do filme. Lançado pela Epic Records, gravadora do grupo CBS, trazia 10 faixas, totalizando 42 minutos de músicas totalmente fora da ordem sequencial mostrada em tela. Entre elas, veio também a versão completa de “The Moon’s a Window to Heaven” interpretada pela banda Hiroshima.

A empresa colocou à disposição dos compradores, nos EUA, versões do álbum em LP, fitas cassete e CD. Por se tratar de uma grande gravadora, com escritórios espalhados pelo mundo, a trilha foi lançada também em outros países e chegou ao Brasil no mesmo ano de 1989, mas apenas como LP.

Em 2010, a La-La Land Records produziu uma nova versão bem mais caprichada do álbum de A Última Fronteira, desta vez em CD duplo. Com a companhia de um livreto de 20 páginas escrito pelos especialistas Jeff Bond e Lukas Kendall, esmiuçando cada uma de suas faixas, a novidade foi limitada a cinco mil cópias e esgotou em apenas quatro meses de vendas. Dois anos depois, em 2012, a Intrada Records fez o relançamento, desta vez para um público amplo.

Essa versão expandida apresentou em seu primeiro CD 26 faixas, com 73 minutos de músicas do filme. O segundo disco do box trouxe a versão lançada em 1989, com suas 10 faixas, e mais seis inéditas. Eram versões alternativas de alguns temas e efeitos sonoros, deixando o disco 2 com 59 minutos. No total, o álbum expandido contou com 131 minutos musicais.

Texto publicado originalmente no volume 24 da Coleção Trek Brasilis, de dezembro de 2021.

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