Guia de episódios

STAR TREK:
THE MOTION PICTURE

1979



 









 


      
Sinopse comentada
       Comentários
       Citações
       Os novos efeitos
       Trivia
       Ficha Técnica
       O DVD

       A Aventura Humana está
       apenas começando...

 


É seguro dizer que a Edição do Diretor é superior à versão original de 1979. De fato, a versão original contava com uma data-limite não-adiável para a estréia nos cinemas, o que levou praticamente todos os envolvidos à loucura e um filme literalmente inacabado para as telas. A nova versão, entre outras coisas, contém todos os efeitos sonoros que deveriam estar no filme e não ficaram prontos a tempo, remove alguns "bloopers" famosos, refaz e adiciona efeitos visuais de forma moderada e condizente com o visual original do filme e mesmo introduz cenas não-presentes na versão original, que têm o efeito líquido de estabelecer melhor o dilema de vida do personagem Spock (o que sempre foi o ponto principal do filme, em termos de desenvolvimento de personagem, mas aqui atinge de fato uma maior clareza). Muitos vão achar que a versão do diretor trouxe "poucas novidades", mas duvido que consigam "voltar" para a versão de 1979 após se acostumarem com ela.

A nova versão flui (um pouco) melhor do que a original, mas ainda assim não se pode qualificá-la como menos enfadonha ou previsível. Não existe mágica que salve este filme. Ele tem um história pouco original e mal-acabada, um roteiro descaradamente mecânico e literalmente feito junto com as filmagens, uma direção e uma edição bastante frouxas (esta "versão definitiva" continua com algumas "anomalias" em sua edição), péssimas atuações, irreconhecíveis caracterizações e pífios diálogos. 

Um fato sempre curioso é que a produção do filme (exatamente quem foram os responsáveis por isto e os seus motivos, nunca se soube ao certo) resolveu direcioná-lo para um caminho bem diferente do filme de ficção ainda recente na memória do público naquela época, "Star Wars", procurando um tom mais filosófico, cerebral, sóbrio e extremamente contido.

Fato que acabou podando ao mesmo tempo inúmeras (se nao todas) das características da série original (apesar de não descartar a inexperência e a incompetência de muitos dos envolvidos, como fatores determinantes de tal "poda"). Uma das grandes verdades sobre este filme é que temos a impressão de ver os atores certos interpretando os personagens errados.

A história contada no filme, que pode ser resumida como "'The Changeling' em esteróides", é essencialmente uma visão expandida e extrapolada do referido episódio da série original. Ela oferece um mistério e a promessa da extinção da humanidade até dois terços do caminho, seguida por um terço restante composto pela anticlimática revelação da real natureza de V'Ger. A citação (da sonda-Ilia) de que "V'Ger procura por seu criador no terceiro planeta" não deixa nenhuma dúvida sobre o que está por vir. 

O roteiro herda algumas características de série de TV, aparentemente por ter sido derivado da história do que seria o piloto de Jornada nas Estrelas - Fase II, "In Thy Image". Exemplos que suportam essa idéia abundam, no sentido de que elementos do roteiro carecem de uma explicação, que normalmente viria "no decorrer da série". Fica a clara impressão de que idéias (mesmo fragmentos de história) para a Fase II foram aproveitadas no filme, sem muito cuidado e preocupação aparentemente. 

Entretanto, analisando de forma cínica, é preferível pensar que o roteiro do filme só foi terminado durante as filmagens, e a parte além da aparição da sonda-Ilia, principalmente, só foi resolvida em cima da hora. Este "eu-cínico" acredita que as enormes sequências de feitos visuais foram introduzidas para preencher enormes vazios do roteiro e para disfarçar um material sem muita qualidade. O que nós temos de cenas que "não sabem muito bem o que dizer" com relação aos personagens e parecem existir somente como desculpa para mais uma enxurrada de efeitos visuais é uma enormidade. Tal trabalho "cara de pau e nas coxas" pode também explicar o nível dos diálogos deste filme, que está entre os mais baixos de todos os tempos. 

Wise estava em baixa no final dos anos 70 e talvez por isto tenha se submetido ao cronograma maluco da Paramount e aos intermináveis problemas da produção. Senão eu não acho que ele teria encarado filmar um projeto de tal envergadura, sem roteiro pronto e sem muitas garantias (além da garantia de problemas, é claro). Seria fácil colocar toda a culpa no roteiro (ou na falta dele), mas eu acho que Wise tem culpa no cartório em transformar algo ruim em algo pior.

Wise foi incapaz de criar a tensão necessária na primeira parte do filme. Mesmo a cena na ala de recreação em que a tripulação visualiza a "assimilação" da estação Epsilon-9 carece totalmente de impacto. Ele falha em transmitir em termos de execução um misto de mistério/holocausto iminente que poderia ajudar o roteiro capenga na primeira parte do filme. Devido à "vendida" do final do filme através da já citada fala da sonda-Ilia, nao resta muita opção ao diretor, senão seguir mecanicamente o óbvio e anti-climático restante do roteiro.

Em Jornada nas Estrelas, nos acostumamos a esperar diálogos afiados, discussões apaixonadas, boas caracterizações, humor, amizade etc. Neste filme recebemos intermináveis tomadas de efeitos visuais que parecem servir a um único objetivo de mostrar ao espectador que Jornada agora estava "no cinema" e era "um algo maior" do que quando estava na TV. Lamentável.

Wise não foi capaz de arrancar uma atuação decente de ninguém do elenco. Com a rédea aparentemente frouxa, os atores pareciam interpretar seus personagens como eles queriam, não como o diretor gostaria. Inúmeras entreolhadas entre os atores em cenas que teoricamente deveriam ser "focadas", chegam muitas vezes ao nível de comédia involuntária e embaraço. Cenas como a que envolve o já citado "acidente com o wormhole" e a cena da "abdução de Ilia" sao tão saturadas de som e imagem que o único sentimento que fica aos seus respectivos finais é alívio!

Em 1979, com poucos efeitos sonoros terminados, Wise depositou grande responsabilidade nas costas de Jerry Goldsmith, e o compositor não desapontou. Ainda que a trilha de James Horner para "A Ira de Khan" seja mais de acordo com o espírito da Série Clássica, tecnicamente a trilha do primeiro filme é imbatível. As inúmeras variantes do tema principal (uma das quais acabou sendo adotada como tema da Nova Geração), o tema Klingon e o tema de Ilia são extremamente marcantes. Goldsmith utilizou até mesmo um bizarro instrumento (chamado de "The Blaster Beam") para produzir todos os "acentos" que indicavam a presença de V'Ger. Agora com áudio completado e restaurado, fica um deleite só.

As composições de imagens foram refeitas, dando um aspecto melhor ao filme. Os novos efeitos visuais foram acrescidos de forma transparente e sem exageros. As tomadas da nuvem e de V'Ger nunca fizeram nada pelo telespectador, mas sempre fui fã da forma que o modelo da Enterprise foi fotografado aqui, apresentando um padrão de fotografia e estética de modelos que seria seguido através dos demais filmes de Jornada no cinema e que seria adaptado por Robert Legato para a Nova Geração (sem falar que Trumbull trouxe um "quê" de "2001" para este filme). O interior das naves Klingons também é muito legal, juntamente com a nova maquiagem dos Klingons, mais uma vez estabelecendo um padrão para produções futuras. Os demais cenários não são muito interessantes. Uma coisa que pode deixar as pessoas um pouco decepcionadas é que os efeitos visuais e os gráficos dos painéis no interior das naves são exatamente os mesmos, isso não precisava ser necessariamente assim.

Aparentemente os atores levaram a história de atuar para telas azuis muito a sério. Na interação entre os personagens, tem-se a impressão de que os atores estão falando para os outros e não com os outros, o que deixa o filme com um eterno ar de "tem algo errado aqui" (isso também vale para a interação do "grande trio": Kirk, Spock e McCoy). Com o sofrível nível dos diálogos, o problema só aumenta. Tem cenas que realmente não fazem muito sentido. Curiosamente algumas das melhores falas do filme vem dos (quase) monólogos de Spock (só posso imaginar se Nimoy não escreveu algumas falas para o seu personagem). 

Scotty, Uhrura, Sulu e Chekov (pra não falar de Rand e Chapel) têm papéis meramente acessórios no filme, o que não é surpresa. As atuações são uniformemente fracas mas o troféu "Toilete de Ouro"(TM) vai para Walter Koenig, pela sua "sensível e interiorizada manifestação de dor quando do ataque de V'Ger". 

Ilia é uma personagem totalmente indefinida, nos é apresentada de forma apressada e antes que a gente aprenda algo interessante sobre ela, ela é morta e substituída por uma sonda alienígena. O mais incrível é que (a falecida Miss Índia) Persis Khambatta interpreta a Ilia e a sonda-Ilia da mesma forma, um momento único da arte de atuar. Decker é quase tão indefinido quanto Ilia, o romance dos dois idem. A cena final em que Decker diz que "sempre quis aquilo", soa falsa como uma nota de três reais. Collins é notavelmente sem-sal no papel.

McCoy tem papel de coadjuvante (com alguns McCoyismos espalhados) e serve para apontar para a audiência os "possíveis motivos escondidos" de Kirk e Spock nesta empreitada (ambos os tópicos não vão a lugar nenhum, pra dizer a verdade). O falecido DeForest Kelley tem uma atuação fraca no filme e não consegue ir além do trivial material dado ao personagem. Existem algumas estranhas tomadas em que McCoy entra e sai da ponte de comando, aparentemente sem dizer uma palavra. Bizarro!

Kirk é acusado de usar a crise para retomar o posto de comando da Enterprise. O que é desenvolvido como um confronto entre ele e Decker (atual oficial comandante da Enterprise), que o acusa de não estar totalmente familiarizado com a Enterprise reformada (acusação que é forçada nas goelas da audiência, com a péssima escolha do elemento de trama "o acidente com o wormhole", de forma que faz Kirk parecer o maior idiota e irresponsável de todos os tempos).

Talvez uma melhor solução fosse uma trégua entre os dois durante o tempo da crise em nome do "bem maior comum". Ouvir mais dos dois, suas motivações e lembranças do pai de Willard (e grande amigo de Jim), Matthew Decker. Esse tema (motivos pessoais de Kirk) é introduzido de forma capenga, desenvolvido de uma forma discutível e finalmente esquecido sem resolução alguma. É seguro dizer que o filme nada fez pelo personagem Kirk. Shatner também não esteve bem adotando um paradoxal estilo "contido e exagerado" que não contribui em nada. Ele parece claramente desconfortável (ou seria nervoso?) com o papel.

Nimoy é o melhor ator do bando e mesmo ele teve problemas em ressuscitar o seu alter-ego. Inicialmente pareceu tão distante que o personagem ficou irreconhecível, sem a sutil simpatia e sabedoria que lhe são tão peculiares. Mesmo no final, lição aprendida com V'Ger, Terra fora de perigo, Spock continua distante e sem presença. As cenas mais emocionais foram particularmente difíceis, mas nenhuma funcionou realmente. Apesar disso fica algo a se pensar sobre o nosso Vulcano favorito.

Não é difícil imaginar Spock em sua juventude desafiando a vontade de seu pai e declinando da Academia de Ciências de Vulcano em favor da Academia da Frota Estelar. Spock procurava respostas (no próprio Universo) para a condição de sua existência, eternamente divido entre a emoção e a lógica de sua única origem.

Ao final da viagem de cinco anos da Enterprise, apesar de todas as glórias alcançadas, ele ainda não se encontrava em paz consigo mesmo, não havia encontrado as respostas que procurara sua vida inteira (e provavelmente conviver tanto tempo com humanos não deve ter sido particularmente fácil para ele).

Neste momento, Spock toma a decisão de pedir baixa da Frota Estelar e voltar para Vulcano e tentar alcançar o Kolinahr, acreditando (naquele momento) que a lógica absoluta poderia oferecer o que ele sempre procurou. Quando ele sente a presença de V'Ger ele percebe que o seu lugar também não é ali e vai se encontrar com a Enterprise, já em rota de interceptação.

McCoy levanta a possibilidade de que quando um momento decisivo chegasse, Spock poderia colocar seus motivos pessoais à frente do bem-estar comum, o que soa no mínimo como uma falta de respeito ao personagem Spock (veja o filme seguinte, "A Ira de Khan", para uma "resposta" a este absurdo). A descoberta de que V'Ger ,mesmo tendo conhecimento que engloba todo o Universo, ainda busca respostas para as mesmas questões que sempre afligiram o seu espírito, lhe traz finalmente paz. Não respostas fáceis, mas a certeza de que ele, como todas as criaturas vivas, deve procurar seu próprio caminho adequado a sua única natureza.

Apesar dos pesares, o filme foi bem na bilheteria, abrindo toda uma nova perspectiva para Jornada nas Estrelas --foi esse filme que de fato inaugurou o tão falado "Star Trek Franchise". Espero que saia logo uma edição especial do "A Ira de Khan", porque, afinal de contas, "a aventura humana está apenas começando".