Jeffrey Hunter: Capitão dos capitães?

Saiba quem foi o homem que interpretou o primeiro capitão da história de Jornada nas Estrelas.

Henry Herman McKinnies Jr. poderia ter sido o maior astro da história de Jornada nas Estrelas. Se você não tem idéia de quem ele é, tente seu nome artístico: Jeffrey Hunter.

Hunter nasceu em 25 de novembro de 1926, em Nova Orleans, Louisiana (EUA), mas logo aos quatro anos mudou-se para Milwalkee. O ator é conhecido dos fãs de Jornada por seu papel central no primeiro piloto da série, interpretando o capitão Christopher Pike, antecessor de James T. Kirk a bordo da USS Enterprise.

Em “The Cage”, Hunter nos oferece um líder com personalidade complexa, cheio de vigor e astúcia, mas também atormentado por culpa e ressentimento, por ter de decidir sobre a vida e a morte de seus tripulantes. O sentimento era mesmo bem familiar ao ator — sua vida, encurtada por uma série de escolhas erradas, também foi cheia de turbulências e ocorrências trágicas.

Hunter fez algum trabalho de palco e de rádio antes de concluir o segundo grau, em 1945. Depois, alistou-se na Marinha dos EUA, servindo aos militares nos dois anos seguintes. Fez faculdade de comunicações na Universidade Northwestern, em Illinois, entre 1946 e 1949 e chegou a fazer pós-graduação em rádio na Universidade da Califórnia em Los Angeles, entre 1949 e 1950.

Na famosa UCLA, Hunter foi descoberto por vários estúdios de Hollywood. Chegou a fazer um teste para a Paramount, mas acabou contratado pela 20th Century-Fox, quando fez uma série de filmes pelo estúdio entre 1950 e 1959.

Com sua boa aparência e jeito de bom moço, Hunter foi conquistando cada vez mais espaço no mundo do cinema. Em 1956, ele atuou lado a lado com John Wayne, em “The Searchers” — o que o ator considerou um marco em sua carreira. “Disseram que eu tinha chegado lá quando, durante as filmagens de ‘The Searchers’, eles me deram quase tanta munição quanto deram ao John Wayne”, ele dizia.

Hunter foi casado com a atriz Barbara Rush entre 1º de dezembro de 1950 a 29 de março de 1955. Eles tiveram um filho, mas a união acabou não dando muito certo.

Foi em 1956, durante as filmagens de “A Kiss Before Dying”, que Hunter conheceu sua segunda esposa, Joan Bartlett. A modelo, que serviu de dublê durante o filme, teve grande influência sobre o futuro da carreira do ator, levando inevitavelmente a seu trágico e prematuro final.

Os dois se casaram em 7 de julho de 1957. Hunter de início estava muito feliz com o casamento (que daria a ele mais dois filhos), chegando até a adotar um dos filhos da modelo em seu casamento anterior, e o rapaz assumiu o nome artístico de Steele Hunter (com ele, passaram a ser quatro as crianças na casa: Christopher, filho do primeiro casamento de Jeffrey, Steele, do primeiro casamento de Bartlett, e Herman e Scott, do casal). A felicidade matrimonial levou o ator ao seu papel mais importante, em 1961: interpretar ninguém menos que o líder da cristandade, em “King of Kings”.

O papel de Jesus Cristo impulsionou o rosto bonito de Hunter definitivamente para a fama. Quem melhor define a situação é Leonard Maltin, em sua Movie Encyclopedia: “Ele pertence à pequena fraternidade de atores que interpretaram Jesus Cristo na tela e, embora possa ou não ser o mais convincente Filho de Deus dos filmes, ele certamente era o mais bonito”.

Depois do papel, entretanto, as coisas começaram a piorar. Bartlett decidiu que seria a responsável pela administração da carreira de seu marido e escolheria quais papéis ele deveria ou não fazer. E a modelo decidiu que ele definitivamente era um astro de cinema — não de televisão.

O resultado foi que Hunter começou a perder as oportunidades nos EUA. Passou alguns anos fazendo filmes de segundo escalão na Europa, e, numa mudança que poderia ter arrebatado sua carreira de novo para o auge, decidiu, em 1964, filmar um piloto que prometia uma revolução na televisão: Jornada nas Estrelas.

Surpreendentemente, Hunter venceu a batalha familiar e decidiu voltar à TV, para um projeto que ele acreditava ter enorme potencial. Em janeiro de 1965, depois de ter filmado o piloto, ele deu uma entrevista (re-publicada anos mais tarde pela revista “Starlog”) em que elogiava o arrojo do programa de Gene Roddenberry.

“Encontramos mundos pré-históricos, sociedades contemporâneas e civilizações muito mais desenvolvidas do que a nossa”, disse. “É um grande formato porque os escritores têm a mão livre — eles podem nos aterrissar num planeta infestado por monstros ou lidar com relações humanas envolvendo o grande número de pessoas que vivem nessa nave gigantesca.”

“Nós vamos saber em algumas semanas se a série foi comprada. Será de uma hora, colorida, com um elenco regular de meia dúzia de pessoas e um astro convidado a cada semana. A coisa que mais me intriga é que ele é na verdade baseado na projeção da Rand Corporation do que vem por aí. Exceto pelos personagens fictícios, será como dar uma olhada no futuro e algumas das predições certamente vão ser verdade ainda durante nossas vidas.”

“Com todas as estranhas redondezas do espaço exterior, o tema básico subjacente à série é uma abordagem filosófica das relações dos homens com as mulheres. Há os dois sexos na tripulação e, na verdade, a primeiro-oficial é uma mulher.”

A série não foi imediatamente comprada pela rede de televisão NBC, mas os executivos tomaram a até então inédita decisão de pedir um segundo piloto. Praticamente toda a tripulação deveria ser trocada — exceto Jeffrey Hunter e seu capitão Pike. Entretanto, parece que num segundo momento Bartlett voltou a reinar.

Os envolvidos na produção de Jornada nas Estrelas na época contam que Bartlett foi até eles com exigências absurdas, sob o pretexto de proteger a carreira de seu marido — mais uma vez ela vinha com aquele papo de que “o meu marido é um astro de cinema”. A situação fez com que Hunter acabasse desistindo de voltar para o segundo piloto, apesar de seu entusiasmo inicial pela série.

O próprio Hunter contou a história de forma um pouco diferente, quando foi entrevistado pelo Milwalkee Journal, em 4 de julho de 1965. “Pediram que eu fizesse”, ele disse, “mas se eu tivesse aceitado, teria ficado preso por muito mais tempo do que gostaria. Eu tenho várias coisas surgindo agora e elas devem virar notícia nas próximas semanas. Eu adoro fazer filmes e espero estar tão ocupado quanto eu gostaria com eles.”

Infelizmente os planos de Hunter não se realizaram. O ator começou a fazer filmes de calibre cada vez menor e seu nome foi desaparecendo da lista dos potenciais astros de Hollywood. Simultaneamente, o plano pessoal parecia cada vez mais insuportável. As pressões da mulher e a crise familiar levaram o ator à bebida. Após várias crises que beiravam casos de polícia, em 28 de fevereiro de 1967, Hunter e Bartlett se separaram.

Hunter ainda se casaria uma terceira vez, com a atriz Emily McLaughlin (famosa por seu papel na série “General Hospital”), em 4 de fevereiro de 1969. Mas já era tarde demais para que algo pudesse ser feito. Antes mesmo de o último episódio de Jornada nas Estrelas ir ao ar, em 27 de maio de 1969 iria falecer, apesar de todos os esforços médicos.

Durante as filmagens de “Viva América!”, na Espanha, Hunter sofreu uma lesão com explosivos. Dali em diante passou a viver com vertigens e dores de cabeça. Meses depois em sua casa, numa dessas crises, caiu da escada e bateu a cabeça. Foi levado às pressas para o hospital, com hemorragia cerebral e traumatismo craniano. Morreu na sala de cirurgia, com 42 anos.

Por todos os relatos, apesar das crises, Hunter sempre foi gentil, cordial e apreciável. Segundo um amigo, “ele é o primeiro ator de boa aparência que conheci que não era desesperançosamente apaixonado por si mesmo”.

Com o episódio duplo “The Menagerie”, que aproveitou as antigas cenas do primeiro piloto de Jornada, todos os fãs tiveram a chance de conhecer o capitão Christopher Pike e o grande ator por trás dele, Jeffrey Hunter. Enquanto os trekkers se preocupam com a inquietante pergunta de qual seria o destino do seriado, caso Hunter não tivesse abandonado o posto de capitão da Enterprise, é impossível não se perturbar com o fato de que o ator poderia ter salvo a própria vida, não tivesse tomado a decisão de abandonar o programa.

Mesmo assim, Jeffrey Hunter está vivo na memória de todos, como o inesquecível capitão Christopher Pike.

Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis em 13 de Janeiro de 2003.