Efeitos especiais na Série Clássica

Há alguns anos a série Deep Space Nine fez uma homenagem à Série Clássica no excelente episódio “Trials and Tribble-ations”. Nesse episódio, Sisko e cia. voltam no tempo e interagem com os personagens da Série Clássica em cenas extraídas do episódio original “The Trouble With Tribbles”. Para as filmagens desse episódio de DS9, a equipe de produção construiu modelos da Enterprise original, da estação K-7 e da nave Klingon.

Muitos fãs reclamaram que o modelo da Enterprise não era uma réplica exata do modelo usado nos anos 60, mas uma cópia mais detalhada. Na verdade, o novo modelo era sim uma réplica absolutamente fiel ao modelo original. O fato é que os métodos de inserção de um efeito especial ao filme nos anos 60 eram mais primitivos e consistiam basicamente em sobreposições de imagens até chegar ao efeito desejado. Em contrapartida, a imagem perdia muita definição a cada sobreposição, dificultando a obtenção de uma imagem de boa qualidade em tomadas com mais de um efeito especial. A imagem do modelo da Enterprise sofria seriamente nesse processo, perdendo traços, cores e detalhes.

Portanto, ao assistirmos “Trials and Tribble-ations”, pudemos ver como o modelo da Enterprise estava realmente muito além de seu próprio tempo e era inovador em relação a qualquer outra nave de qualquer outra série dos anos 60. Faltava apenas a tecnologia e o dinheiro necessários para transportar o modelo com todo o seu esplendor para a película.

Há alguns anos[1][2] todos os episódios da Série Clássica foram remasterizados digitalmente para exibição no canal Sci-Fi nos EUA e posterior lançamento em DVD. O resultado foi uma imagem de excelente nitidez e com cores absolutamente incríveis; isso pelo menos para as cenas envolvendo atores. Já as cenas com efeitos especiais, por serem de baixa definição, se apresentaram excessivamente granuladas e pouco definidas. Tal distorção criou um problema na exibição dos episódios, pois cenas de alta qualidade contrastavam com cenas de baixa qualidade. Os problemas nos efeitos especiais se tornaram ainda mais aparentes.

Antes da remasterização esse problema já existia, mas era disfarçado pela qualidade inferior das cópias disponíveis no mercado. De qualquer forma, é preferível a imagem dos episódios remasterizados do que a dos anteriores, pois em um todo temos uma imagem belíssima como nenhum fã nunca jamais sonhou em ver.

Hoje em dia os efeitos especiais da Série Clássica parecem mesmo muito primitivos e até risíveis, mas temos que considerar que isso é o melhor que uma equipe atuando com baixíssimo orçamento e falta de tecnologia pôde proporcionar nos anos 60.

Sob esse prisma, os efeitos merecem uma reconsideração e a equipe que os produziu merece parabéns por contornar esses problemas tecnológicos e orçamentários com imaginação e improvisação. Alguns episódios até contaram com efeitos que até hoje impressionam. Embora os efeitos das tomadas espaciais sejam muito fracos, os efeitos ópticos que integraram muitos episódios eram muito eficientes, como os efeitos de teletransporte, feisers, entidades de energia etc.

Abaixo veremos uma breve análise de alguns episódios cujos efeitos venceram ou perderam diante das limitações impostas.

The Cage

Sendo um piloto, esse episódio contou com maior orçamento e, portanto, melhor possibilidade de criar bons efeitos. E ele não decepciona.

A maquiagem dos Talosianos é excelente, com aquelas veias pulsando em suas cabeças. De todas as criaturas que habitaram os 79 episódios originais, essas foram as mais criativas quanto à maquiagem.

Os cenários em “matte-paintings” do planeta árido (paisagem desenhada e inserida no filme) são muito bonitos, mas perdem um senso de realidade quando contrastam com o cenário mais do que falso por onde os atores caminham.

Um belíssimo efeito é a cena em que Pike tem a ilusão de estar diante de um castelo em Rigel e Vina corre em sua direção. Hoje em dia esse efeito parece ultrapassado, mas revendo esse episódio no DVD restaurado percebe-se a atenção dos técnicos da produção em vários detalhes, como o reflexo do céu púrpura na água, a cadeia de montanhas ao fundo, umas poucas nuvens ao céu, perto da imensa lua etc.

Where No Man Has Gone Before

Sendo o (segundo) piloto da série, esse episódio também recebeu um orçamento mais generoso do que os episódios seguintes. O valor da produção é adequado e temos alguns efeitos especiais muito bons.

O melhor efeito é sem dúvida a visão das instalações onde pode-se ver os personagens na entrada. É um efeito muito eficaz e mesclou muito bem os efeitos de “matte-painting” com a imagem real dos atores. É um dos melhores, senão o melhor, efeito especial de toda a série.

O primeiro piloto, “The Cage”, usou um efeito semelhante no tomada do Capitão Pike em frente ao castelo, como vimos acima, mas aqui foi um passo a frente e o resultado ficou mais real.

Os efeitos da Enterprise passando pela barreira espacial também ficaram bons, levando-se em conta a tecnologia dos anos 60.

Balance of Terror

Foi um dos melhores episódios da série, ainda na fase em que toda a equipe levava muito a sério o trabalho. Aquele ar debochado, um dos charmes da série, só começaria na segunda metade do primeiro ano.

Os efeitos são muito fracos, mas pelo menos temos uma visão de uma nave Romulana. O modelo é interessante e, assim, como a Enterprise, trouxe mais um exemplo de design inédito no mundo da ficção científica.

The Galileo Seven

Foi o primeiro episódio a mostrar uma nave auxiliar.

Os efeitos especiais foram simples, porém eficazes. Um bom exemplo é a cena em que Spock queima o combustível da nave auxiliar para deixar um rastro visível no espaço.

A Taste of Armageddon

Esse episódio é um ótimo exemplo do fantástico trabalho no desenho de “matte-paintings”. Embora em nenhum momento as imagens da cidade pareçam realmente pertencer às imagens reais, o mérito aqui reside na criatividade do desenho, ao sugerir uma construção futurista.

Tomorrow is Yesterday

Considerado um dos bons episódios do primeiro ano e, por outro lado, com um dos piores efeitos especiais de toda a série. Em muitas cenas pode-se ver claramente que partes da Enterprise estão faltando, principalmente nas famosas tomadas “fly-by”.

Pior ainda é o efeito da Enterprise “sacudindo” no espaço enquanto viaja pelo tempo. Esse foi lamentável.

Salva-se o roteiro do episódio e a forma como é tratado.

The Devil in the Dark

É um dos melhores episódios da série e tem alguns efeitos bem eficazes, como a cidade dos mineradores.

A criatura Horta, por outro lado, mais parece um tapete com fungos e é absolutamente risível. Mas cabe aqui um ‘porém’ de máxima importância; foi absolutamente genial a cena em que Spock faz o elo mental Vulcano com a Horta, pois essa cena serviu para dar vida e presença a essa criatura. Ao final do episódio, a audiência simpatiza com ela e ninguém mais se importa muito se ela parece ou não um tapete. Sem dúvida um dos grandes momentos da série; nenhum fã esquece.

Who Mourns for Adonais?

O único efeito aqui que merece atenção é a sobreposição de imagens para dar sensação de escala e resultar no efeito de Adônis parecendo um gigante em frente à tripulação da Enterprise. Um efeito eficaz, mas inútil, pois não colabora para a história e só serve para distrair.

The Doomsday Machine

Os efeitos especiais são um tanto pobres nesse episódio que justamente depende de muitas tomadas no espaço, já que se trata de um episódio com batalha espacial.

O design de “casquinha de sorvete” da máquina do juízo final não convence ninguém, embora nós fãs já estejamos mais do que acostumados com ela.

Para as tomadas externas da nave de Decker, classe Constitution assim como a Enterprise, não foi possível usar o mesmo modelo da Enterprise, pois a nave tinha de estar muito avariada. O modelo que foi construído para esse episódio também sofreu com o baixo orçamento e mais parece uma nave de papelão.

Temos aqui outro caso de um excelente episódio que sofreu de insuficiência de recursos. Mas isso aqui é absolutamente perdoável, graças ao fantástico clima do episódio, que mescla suspense, aventura e ação na medida certa.

The Immunity Syndrome

Um dos melhores episódios do segundo ano e, felizmente, com um dos melhores efeitos especiais da série.

O efeito animado da “ameba” alienígena ficou excelente e até hoje resiste. Ponto positivo para a produção.

Esse episódio é bom exemplo de perfeição dentro dos padrões da série. Possui aventura, ação, humor, suspense e ótimos efeitos.

Elaan of Troyius

Esse episódio é famoso pelo simples motivo de contar com a primeira aparição de uma nave Klingon na série.

Nunca foi o forte da Série Clássica mostrar as naves inimigas. Essas naves, na maioria das vezes, eram apenas pontos luminosos na tela da ponte, naves invisíveis, modelos mal acabados vistos a muita distância etc. Por esses motivos foi uma grata surpresa aos fãs a aparição da nave Klingon.

O desenho da nave é sensacional e foi mantido nos filmes para o cinema e em alguns episódios das séries posteriores de Jornada, inclusive na nova série Enterprise.

The Enterprise Incident

O episódio apresenta uma das mais complexas combinações de vários modelos em uma cena, ao mostrar a Enterprise cercada por três naves Romulanas (com design Klingon, para justificar o gasto da construção do modelo novo para “Elaan of Troyius”).

Obviamente, só existia um modelo de nave Klingon, obrigando as três aparições simultâneas a serem feitas pela combinação de imagens diferentes. Sem dúvida um belo resultado final.

The Tholian Web

Estamos no meio do terceiro ano, com péssimos (mas divertidos) episódios, orçamento baixíssimo e roteiros sem a mínima inspiração. Eis que surge um autêntico milagre, na forma de “The Tholian Web”.

Mesmo não sendo um bom episódio (no sentido estrito da palavra), contou com excelentes efeitos especiais, a primeira (e última) aparição dos trajes espaciais e a bizarra figura dos seres Tholianos.

É um episódio curioso e bem eficaz, principalmente ao mostrar o atrito entre Spock e McCoy diante da perspectiva de que o Capitão Kirk esteja morto. E rendeu a Jornada nas Estrelas seu primeiro Emmy por efeitos visuais.

The Empath

Curto e grosso: péssimo episódio, ótima maquiagem dos alienígenas, talvez a melhor desde os Talosianos em “The Cage”.

Concluindo:

Antes de torcermos o nariz diante desses efeitos, devemos levar em conta sob que circunstâncias eles foram criados. Nesse caso temos uma série de ficção que sobreviveu três anos no ar com orçamento menor do que o de um programa de rádio (palavra dos próprios produtores), onde a equipe de produção, trabalhando com o material restrito, triunfou e fracassou diversas vezes no decorrer dos 79 episódios.

Era sem dúvida um desafio trazer à tona esses efeitos especiais e o resultado final, diante de uma média, foi absolutamente satisfatório. Além do mais, esses (d)efeitos especiais colaboram para o charme da série e, por pior que possam ser, divertem. Ponto final na questão.

Notas adicionais de republicação:

[1] Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis.

[2] A remasterização aqui descrita ocorreu em meados dos anos 2000. Em 2006 houve uma segunda remasterização que envolvia editar e recriar os efeitos especiais de alguns episódios.