ENT 1×04: Strange New World

Hora do chá de cogumelos para a exausta tripulação da Enterprise… Leia agora a revisão do Trek Brasilis para “Strange New World”, de Jornada nas Estrelas: Enterprise.

Sinopse:

A Enterprise desvia seu curso de uma nebulosa para estudar um planeta que poderia abrigar formas de vida inteligente. Embora ele acabe se mostrando classe Minshara (termo Vulcano para designar ambientes amigáveis a vida humanóide), os sensores não mostram a presença de uma civilização.

Archer decide aproveitar a ocasião e promover um estudo do planeta in loco. T’Pol sugere mais estudos antes de uma visita, mas o capitão não está disposto a esperar os resultados mais conclusivos, que só sairiam em seis ou sete dias. Ele decide seguir em frente e enviar um grupo de pesquisa à superfície em um shuttlepod.

A pedido do capitão, T’Pol seleciona os membros do grupo de descida, que inclui, além de Archer e dela mesma, o engenheiro Tucker, o piloto Mayweather, a alferes Elizabeth Cutler, o alferes Ethan Novakovich e o mascote da turma, o cãozinho Porthos. Tudo transcorre normalmente, e T’Pol coleta alguns dados de potencial interesse. Para poder analisar melhor as informações, ela pede autorização a Archer para permanecer até a manhã seguinte no planeta, acompanhada por Cutler e Novakovich. Embora não tenham sido requisitados, Tucker e Mayweather pedem para ficar também. O capitão autoriza o “acampamento”, mas opta por retornar à nave.

Durante a noite, uma enorme tempestade se aproxima da região em que o grupo está acampando, o que os obriga a buscar abrigo em uma caverna próxima. Ao chegarem ao local, descobrem que esqueceram suas rações no local do acampamento. Travis Mayweather vai até lá para buscar e, no caminho de volta, tem a impressão de ter visto três pessoas.

Ele relata a impressão aos demais, ao retornar à caverna. Enquanto isso, Novakovich começa a ficar mais e mais tenso (ele já estava sentindo dores de cabeça pouco antes da tempestade começar), e acha que há alienígenas no fundo da caverna. Numa explosão inexplicável de raiva, ele conclui que aquele local não é seguro e decide abandoná-lo, contrariando uma ordem de Tucker.

O engenheiro convoca Mayweather para acompanhá-lo na caça ao alferes, enquanto T’Pol e Cutler permanecem na caverna. Os dois saem armados com pistolas de fase, e a Vulcana também decide se armar e investigar para se certificar de que não há de fato ninguém naquele ambiente. Cutler, assustada, também se arma, e fica chocada ao descobrir a Vulcana conversando com outros dois alienígenas. Quando ela se aproxima para falar com T’Pol, a oficial de ciências insiste que não havia ninguém ali.

Tucker e Mayweather continuam à procura de Novakovich, até quase caírem em um penhasco. Ao escaparem por um fio, eles decidem que é perigoso demais continuar a busca e retornam à caverna. Ao voltar, Cutler relata que viu T’Pol falando com alienígenas, o que deixa Tucker ainda mais desconfiado da Vulcana.

Enquanto isso, Archer faz contato e descobre que Novakovich está perdido. Ao contatar o alferes, encontra-o em total estado de pânico e choque. Sem alternativa, decide tentar teleportá-lo a bordo. Entretanto, uma falha do transporte faz com que ele seja materializado misturado a folhas e galhos que estavam ao seu redor.

Phlox imediatamente examina o alferes e constata que poderá curá-lo. Entretanto, também identifica a presença de um pólen alucinógeno que estava afetando seu julgamento. Após quase perder Novakovich, o médico descobre que o único meio de evitar a morte é injetando um agente para contra-atacar os efeitos nocivos do pólen.

Preocupado com o bem-estar de seus outros oficiais, Archer decide fazer uma tentativa de resgate em plena tempestade. Ele desce ao planeta com Malcolm Reed a bordo de um shuttlepod, mas não consegue aterrissá-lo com segurança, o que o obriga a abortar a tentativa. Ele contata Tucker e avisa que o resgate só virá quando a tempestade passar.

O engenheiro, a essa altura, já está extremamente afetado pelo pólen, e acredita que T’Pol esteja envolvida em uma conspiração Vulcana com os alienígenas do planeta para matar a tripulação da Enterprise e pôr fim à sua histórica missão. A tensão atinge níveis críticos quando Tucker ameaça pôr fim à vida de T’Pol caso ela não revele o que está havendo.

Archer contata seu grupo e descobre a situação crítica em que se encontram. Ele tenta explicar a seu engenheiro que eles foram afetados pelo pólen, mas todos, exceto T’Pol, são incapazes de entender isso. A Vulcana, embora afetada, é a que menos sofre com os efeitos do alucinógeno. Archer instrui Tucker a injetar nele e nos demais ampolas do agente desenvolvido por Phlox, teleportadas para dentro da caverna pela Enterprise, mas o engenheiro se recusa a obedecer.

Vendo que a vida de T’Pol está sob séria ameaça, o capitão decide mudar sua estratégia, na tentativa de salvá-la. Ele diz a Tucker que há de fato alienígenas na superfície, e que eles só se comunicam atualmente com Vulcanos, com quem tiveram contato anteriormente. Ele instrui Tucker a baixar sua arma, num gesto de boa vontade, para que os alienígenas concordem em abrir um diálogo.

Ao mesmo tempo, Hoshi Sato se comunica com T’Pol, instruindo-a a tontear Tucker assim que ele baixar a arma, e então injetar o agente nos tripulantes. O engenheiro aceita os termos de seu capitão, e T’Pol age rapidamente para imobilizar o grupo e proceder com o plano.

Na manhã seguinte, um shuttlepod desce à superfície para trazer o grupo de volta à Enterprise.

Comentários:

“Strange New World” tem vários problemas, e o maior deles sem dúvida é a falta de originalidade. Por mais que alguns detalhes específicos da história sejam pertinentes apenas à tripulação da NX-01, já vimos esse enredo em diferentes camuflagens nas séries anteriores do franchise.

A sequência de eventos mais uma vez tenta mostrar o quão precária é a situação desses exploradores pioneiros. Em alguns casos, é bastante feliz, como na falha do teletransporte ou na tentativa malograda de resgate com um shuttlepod.

Entretanto, o capitão Archer já teve momentos mais brilhantes: sua decisão de explorar o planeta passando por cima de protocolos importantes de investigação científica não é uma questão de inexperiência — é uma questão de burrice. Nenhum astronauta dos dias de hoje (que dirá um de daqui a 150 anos) seria capaz de descer com seu grupo em um planeta alienígena antes de avaliar completamente o impacto biológico que as formas de vida locais poderiam ter em seus tripulantes.

Não é uma situação totalmente inesperada, em se tratando de Jornada nas Estrelas. Os outros seriados nunca consideraram que ambientes alienígenas pudessem ser dramaticamente hostis a humanos, mas o que acontece aqui eleva o problema a um patamar superior. Nos outros seriados a questão não era nem levantada — o que nos permitia presumir que deveria ser resolvida com alguma tecnologia miraculosa do século 23 ou 24. Aqui, o perigo é enfatizado por T’Pol, mas prontamente desconsiderado por Archer. No fim, a inconsequência do capitão quase leva à morte de cinco de seus tripulantes.

Esse é um sintoma (e não é o único) de que Enterprise não está se levando tanto a sério quanto deveria, para não exigir muitas suspensões da descrença por parte da audiência. Outro exemplo dessa atitude displicente por parte dos roteiristas com relação ao fato de que a série está falando (ou se propondo a falar) de exploração espacial é o fato de Archer levar seu cachorro (!) para a investigação inicial do planeta. A missão da Enterprise é mesmo séria ou apenas uma desculpa para Archer e sua tripulação se divertirem galáxia afora?

Desse ponto de vista, “Strange New World” é o exato oposto de “Fight or Flight”, em termos de respeito ao conceito e às regras da exploração espacial. Enquanto num temos apresentados e respeitados todos os problemas (mesmo que rapidamente colocados de lado) que envolvem a abordagem de uma nave alienígena, desde “Como vamos entrar?”, até “Não seria melhor usarmos trajes espaciais para não pegarmos nenhum vírus ou infecção por bactéria alienígena?”, no outro não há qualquer respeito pelos procedimentos, e o ato de respirar e tocar um ambiente alienígena passa a ser a coisa mais normal do mundo. É uma coisa para se pensar: qual linha a série deveria adotar como norma?

Com relação ao enredo em si, não é nenhuma novidade. “The Naked Time” (A Série Original) e “The Naked Now” (A Nova Geração) já usaram a combinação contaminação/estado de delírio de forma bastante contundente, e “Dramatis Personae” (Deep Space Nine) já usou até um formato narrativo semelhante, “escondendo” a verdadeira natureza do comportamento estranho dos personagens por algum tempo. Embora não deva nada a nenhum deles (e seja até superior em alguns aspectos), “Strange New World” não é nenhuma obra-prima do gênero que justificasse uma repetição tão intensa de algo que já foi feito no franchise.

De qualquer forma, é preciso ressaltar as qualidades. Em primeiro lugar, o enredo serve bem ao propósito de demonstrar que os tripulantes da Enterprise ainda se sentem inseguros e desconfiados com relação à presença de T’Pol, a Vulcana da tripulação. Em segundo lugar, existe aqui uma chance de desenvolver boas tiradas de humor, além de aspectos interessantes (embora sutis) dos personagens.

Mayweather, o mais negligenciado até aqui, recebeu pelo menos algum tratamento especial, ao contar histórias de fantasmas à la era espacial em volta da fogueira e ao demonstrar seu maior apreço pela vida no espaço do que na superfície de um planeta. Phlox, embora tenha pouco aparecido, tem a chance de uma cena um pouco mais forte, ao relatar que talvez por culpa dele não haja esperança para salvar Novakovich. Também foi bom que o alferes não tenha morrido — já houve “camisas vermelhas” demais na história de Jornada

Mas o que merece o maior elogio é Connor Trinneer — que se sai muito bem ao interpretar um Tucker transtornado, louco para quebrar T’Pol no meio.

Algumas outras cenas também marcam e causam risos inevitáveis (e intencionais), embora caiam um pouco no risco de uma série que não se leva a sério. Uma é a exploração de Phortos pelo planeta, cujo primeiro objetivo é encontrar uma árvore para, provavelmente, satisfazer suas necessidades fisiológicas. “Where no dog has gone before”, diz Tucker, enquanto o cãozinho se encaminhava para o tronco.

Na sequência, Tucker se prepara para tirar uma foto, enquanto Archer faz um gesto no sentido de abraçar T’Pol, pouco antes de perceber que seria extremamente inadequado. Além de engraçada, a cena é interessante por enfatizar as diferenças entre humanos e Vulcanos.

Além disso, fica muito claro que os produtores estão gastando até não poder mais em efeitos especiais — além daqueles essenciais à história, como os “alienígenas de pedra”, temos várias outras sequências que poderiam ter evitado os gastos, mas não o fizeram. Entre elas, mais notáveis são a em que Cutler estuda a fauna do planeta e observa peixes alienígenas em um fio d’água ou a em que Tucker é surpreendido por um escorpião alienígena em seu saco de dormir.

Fica muito claro que o que a equipe de produção quer é fazer com que essa série pareça o mais alienígena possível, de preferência com efeitos especiais que chamem a atenção do telespectador. É uma sequência de lembretes constantes: “essa é uma superprodução… essa é uma superprodução…”

Apesar do deboche em alguns momentos e da falta de originalidade, é mentiroso quem disser que o episódio é péssimo. Na verdade, os diálogos ágeis, a boa caracterização dos personagens e as tiradas cômicas fazem de “Strange New World” uma agradável experiência. Mas é de fato muito melhor assistir ao episódio com o “senso crítico” desligado do que procurando analisar o mérito ou a originalidade da história.

Citações:

Archer – “I’d like you to put together the survey team. I assume that’s not a violation of protocol…”
(“Gostaria que você montasse a equipe de pesquisa. Eu presumo que isso não seja uma violação do protocolo…”)

Tucker – “Where no dog has gone before…”
(“Onde nenhum cão jamais esteve…”)

Archer – “Smile! You should get a copy of that for the Vulcan High Command.”
(“Sorria! Você deveria levar uma cópia disso para o Alto Comando Vulcano.”)

Tucker – “Travis and I would like to stay ourselves.”
(“Travis e eu gostaríamos de ficar também.”)
Mayweather – “Would we?”
(“Gostaríamos?”)

Archer – “Can I talk to him?”
(“Posso falar com ele?”)
Phlox – “Yes. But I doubt it would make much sense.”
(“Sim. Mas duvido que serviria para alguma coisa.”)

Trivia:

  • Kellie Waymire já apareceu em Jornada antes. A atriz participou do episódio “Muse”, de Voyager, interpretando Lanya.
  • O segmento apresenta mais exemplos do estado primitivo da tecnologia da Enterprise. É a primeira vez que vemos um mal-funcionamento do transporte, quando um tripulante é trazido de volta à nave mas tem rochas e folhas fundidas a seu corpo.

Ficha técnica:

História de Rick Berman & Brannon Braga
Roteiro de Mike Sussman & Phyllis Strong
Direção de David Livingston
Exibido em 10/10/2001
Produção: 004

Elenco:

Scott Bakula como Jonathan Archer
Jolene Blalock como T’Pol
John Billingsley como Phlox
Anthony Montgomery como Travis Mayweather
Connor Trinneer como Charlie ‘Trip’ Tucker III
Dominic Keating como Malcolm Reed
Linda Park como Hoshi Sato

Elenco convidado:

Kellie Waymire como Elizabeth Cutler
Henri Lubatti como Ethan Novakovich
Rey Gallegos como tripulante