TOS 2×23: Patterns of Force

Episódio faz estudo de caso do nazismo, e a sutileza vai pela janela

Sinopse

Data estelar: desconhecida

A Enterprise chega a Ekos, planeta que foi o último paradeiro de John Gill, notório historiador da Federação. Para a surpresa do capitão Kirk, a nave é recebida com um míssil. O que é ainda mais estranho dado que aquele sistema planetário, com seus dois mundos habitados, é pacífico.

Disfarçados como ekosianos, Kirk e Spock descem ao planeta para localizar o historiador e ficam pasmos ao descobrir que Ekos se tornou em um planeta nazista. Os ekosianos declararam guerra aos vizinhos de Zeon e os perseguem do mesmo modo que os alemães fizeram com os judeus durante o reinado de Hitler. Só que em Ekos o führer é Gill.

Kirk e Spock tentam se infiltrar na estrutura nazista roubando uniformes da SS, mas acabam sendo identificados, presos e torturados. Mais tarde, na cela, graças a um cristal de rubídio inserido sob a pele de Kirk para permitir sua rápida localização, Spock consegue criar um laser primitivo e libertá-los. Eles também libertam um zeon que se oferece a ajudá-los a contatar Gill.

Após a fuga, o trio vai para um refúgio zeon, e lá Kirk acaba revelando sua verdadeira identidade, bem como a de Gill. Os zeons decidem ajudá-los a se infiltrarem no quartel-general do führer no dia em que ele está prestes a anunciar sua “solução final para o problema zeon”: a ordem de extermínio.

Lá, Kirk e Spock descobrem que Gill está sendo mantido em estado catatônico e o poder real vem de Melakon. McCoy desce ao planeta e tenta injetar um estimulante em Gill, enquanto Kirk implora que o historiador faça um discurso e interrompa a matança.

Gill consegue fazer uma declaração, antes de ser morto por Melakon. Este, por sua vez, é morto por Eneg, um ekosiano simpatizante dos zeons no quartel-general nazista. Sob o comando de Eneg, os ekosianos prometem mudar seus modos, enquanto Kirk se pergunta por que Gill quis implementar uma sociedade nazista, mesmo sabendo de todos os horrores deles na Terra.

Comentários

Um dos muitos motivos pelo qual a Série Clássica se notabilizou ao longo de sua existência foi pela forma como conseguiu permear por vários temas essenciais à humanidade, às vezes de forma sutil e subjetiva, outras vezes nem tanto.

Em “Patterns of Force”, a sutileza é jogada de lado sem pudor num roteiro que nos leva a acompanhar o que poderia ser classificado como um breve estudo de caso sobre o nazismo, suas motivações e consequências, mas de uma forma mais filosófica do que histórica. Como bem disse Spock, quando se referiu ao historiador John Gill, e sua visão de “causas e motivações”.

Jornada, por meio de Gill, propõe um debate sobre a eficiência de um modelo de Estado que se conduzido de forma “benigna” poderia ser um modelo de referência. As consequências desse modelo, todos nós conhecemos, mas o segmento traz o assunto à tona levando a reflexão sobre todas as consequências do Holocausto, para os judeus, para o povo alemão e para o mundo.

Não é preciso recontar a história nazista em detalhes, mas a violência, arbitrariedade, preconceito, xenofobia e falta de valorização da vida são trazidas a telinha, ainda que de forma superficial em função do curto tempo de um episódio de TV, mas ainda assim de forma grave o suficiente para reafirmar a necessidade do compromisso de não permitir que tal história não mais se repita. Infelizmente, como tantas outras, essa mensagem ainda é atual e necessária, mesmo que algumas vezes em menor escala.

John Gill tinha ótimas intenções e acreditava em seu método, mas a concentração de tanto poder nas mãos de uma única pessoa (Melakon) sem o mesmo compromisso moral quase sempre é prenuncio de catástrofe. Mais do que condenar o nazismo per se, ou colocar toda a responsabilidade nas mãos de um “vilão”, “Patterns of Force” reforça um dos principais axiomas de Jornada: “o poder absoluto corrompe absolutamente” (citação literal de McCoy) e reforça de forma intrínseca a importância das instituições democráticas acima de qualquer liderança personalista, por mais nem intencionada que essa possa parecer ser.

Além disso, há uma discreta, porém importante mensagem da não violência como resposta, quando Kirk rejeita a solução de Daras, que pede que a Enterprise ataque a frota de invasão, ou quando Eneg impede que os guardas atirem após Melakon ter sido morto e a imagem de Eneg, Daras e Isak, juntos numa imagem de forte simbolismo utópico, e que propõe uma nova abordagem pacifica para a convivência entre Ekos e Zeon. Esse é seguramente um dos segmentos que faz com que Star Trek seja mais que uma simples série de entretenimento, e que deve dar orgulho aos seus fãs.

Temos ainda passando ao largo uma discussão sobre a primeira diretriz e suas consequências. Aqui ela é debatida de forma direta em vários momentos: Spock lembra Kirk da diretriz quando esse tem o impulso de tentar interferir na prisão de um zeon por um ekosiano, o que a princípio nos leva a questionar a correção de uma lei que permite esse ou qualquer tipo de opressão.

Mas, ao nos aprofundarmos na trama, descobrimos que a população de Zeon, mais avançada, havia tentado “pacificar” os belicosos ekosianos, e que tal ação não deu certo, levando seu planeta a beira da destruição pelas mãos das pessoas a quem eles pensavam estar ajudando.

Esse subtema leva de forma indireta a considerar a diretriz de não interferência como uma forma da Federação prevenir essa (entre outras) consequências de uma eventual tentativa de promover algum tipo do que poderíamos chamar de “evolução forçada” de uma cultura a um estágio para o qual ela não estaria pronta ainda. Uma política necessária, apesar de em alguns momentos, parecer cruel. Certamente esse é um tema de debate em centenas de episódios da franquia, e um debate igualmente necessário no mundo real da atualidade.

De qualquer forma, a Primeira Diretriz sempre será alvo de discussão e polêmica, mas o fato aqui uma vez mais ela nos apresenta pontos de vista que implicam em escolhas, renúncias e consequências, e que nos levam a pensar na correção de tal dogma legitimado pelo próprio Gill em suas últimas palavras.

Mas, nem tudo são flores, e o episódio tem algumas cascas de banana espalhadas aqui ali e vamos a elas: para começar, o recurso, um tanto quanto infame dos roteiros da Clássica (coisa de Roddenberry), é a tal “teoria do desenvolvimento paralelo dos mundos” (“Bread and Circuses“), que, embora aqui tenha sido parcialmente amenizada pelo fato de ter sido a interferência direta de John Girl o vetor que levou a construção de um estado nazista em Ekos, ainda assim pesa um pouco.

Mesmo sabendo que esse é um recurso (necessário na época) para diminuir os custos com maquiagem, encontrar um planeta (nesse caso, dois, no mesmo sistema solar) com alienígenas totalmente humanoides e com uma cultura, ainda que contaminada, muito similar com a da Terra, não é algo lá muito acurado cientificamente (não sei como alguém consegue diferenciar um zeon de um ekosiano), mas enfim, vivamos com isso. Mais tarde, A Nova Geração tentaria consertar esse negócio em “The Chase”, ótimo episódio da sexta temporada.

Outro recurso para baratear o episódio foi a utilização de cenas de arquivo da época (num breve momento vemos o próprio Hitler desfilando em carro aberto) para mostrar a mobilização da força militar zeon. Embora algumas opções criativas da equipe criativa tenham mesmo que ser louvadas, tal opção aqui contribui ainda mais com essa sensação de que nada é tão alienígena como deveria ser.

Seguindo nas cascas de banana, a trama introduz um elemento nunca visto antes, e que não retornaria a ser visto na série, os tais “transponders”, que seriam úteis como elemento de trama, mas descartados em definitivo em episódios futuros. A ironia aqui é que embora o dispositivo não tenha sido usado conforme planejado, bem deveria ser algum tipo de equipamento padrão em missões classificadas como perigosas. Não chega a ser um meteoro no roteiro, mas é mais uma das muitas inconsistências da série original em sua relativamente curta existência.

Voltando às coisas boas, outra das marcas registradas da Série Clássica sempre foi o bom humor e “Patterns of Force” abusa desse elemento todo o tempo. A dupla Kirk/Spock tem vários bons momentos (alguns até exagerados, como quando Spock fica tagarelando em cima das costas machucadas de Kirk na prisão), e uma cereja do bolo é a participação de McCoy tentando calçar uma bota seguindo as instruções de Spock, num momento que deveria ser tenso, mas do qual saímos com algumas risadas arrancadas pelo nosso bem e velho McCoy ao menos nesse momento da sua participação.

Destaque também para dupla de guardas nazistas pelos quais Kirk e Spock passam várias vezes, aparentemente sem ser reconhecidos, mesmo após terem sido presos pelos dois. Hilário.

E mais uma vez Kirk abusa dos seus golpes de kung-fu nesse episódio, apagando guardas com a facilidade de sempre, seguido por Spock e sua pinça vulcana. Também vemos aqui uma tentativa de mostrar o sangue verde de Spock, um tanto quanto não muito bem feita, mas se alguém quiser confirmar que o sangue vulcano é verde, esse é o episódio.

Embora pareça deslocado, esse viés mais cômico do roteiro ajuda sobremaneira a suavizar o peso do tema do extermínio dos judeus pela Alemanha nazista. Sem esse humor, esse certamente seria um episódio bem pesado. Da forma como foi usado, o episódio desce mais redondo, mas sem perder sua força reflexiva para os olhares mais atentos.

E ainda enquanto trama o segmento tem algumas reviravoltas interessantes, como a descoberta de que Daras, mais tarde, Eneg, são membros da resistência. Tal desenvolvimento, além de servir como interessante ponto de virada em dois momentos chave do segmento, também dá profundidade a seus personagens, ao mostrar que entre os ekosianos existem aqueles que não só não compartilham do pensamento das lideranças, mas estão dispostos a se por em risco para defender o que consideram o certo a fazer.

Tanto como por seu poder reflexivo, como pela capacidade de entretenimento, “Patterns of Force” talvez seja o mais didático dos episódios da Série Clássica para quem quer entender como roteiristas em seus melhores momentos conseguiram estruturar boas histórias, que mesmo com fortes doses de bom humor, conseguiam levar a audiência a um nível importante de reflexão. Sem dúvida um belo exemplar da franquia, mesmo com seus pequenos problemas.

Avaliação

Citações

“Our missiles utterly destroyed the enemy.”
“You look quite well for a man who’s been utterly destroyed, Mister Spock.”
(Nossos míssies destruiram completamente o inimigo.)
(Você parece muito bem com um homem que foi totalmente destruído, senhor Spock.)
Jornalista ekosiano e Kirk

“You should make a very convincing Nazi.”
(Você fazeria um nazista muito convincente.)
Spock, comentando o uniforme da Gestapo de Kirk

“I don’t care if you hit the broad side of a barn. Just hurry, please.”
“Captain, why should I aim at such a structure?”
“Never mind, Spock. Just get on with the job.”
(Eu não me importo se você atingir o lado largo de um celeiro. Apenas se apresse, por favor.)
(Capitão, por que devo apontar para uma estrutura dessas?)
(Não importa, Spock. Apenas continue com o trabalho.)
Kirk e Spock

“Gentlemen, we’ve just been through one civil war; let’s not start another.”
(Senhores, acabamos de passar por uma guerra civil; não vamos começar outra.)
Kirk, enquanto Spock e McCoy debatem o erro de Gill

Trivia

  • John Gill foi a terceira pessoa dos tempos da Academia de Kirk que conhecemos. Os outros dois foram Roger Korby (“What Are Little Girls Made Of?”) e Tristan Adams (“Dagger of the Mind“). Todos tiveram fins trágicos.
  • Zeon vem de Zion, ou Sião, originalmente chamado em hebraico de Tzion, Sião significa cume. O nome designava uma fortaleza que era encontrada em uma colina na região a sudeste de Jerusalém de propriedade dos jubuseus. O monte se tornou famoso e repercutiu na história da humanidade ao integrar os textos da Bíblia e passar a ser identificado como a cidade de Davi, o maior rei de Israel. Após sua morte, o monte passou a ser conhecido como Sião, local onde foi construído o Templo de Salomão.
  • Todos os nomes que vemos nos episódios fazem referência a nomes hebreus. Isak: Isaac, Davod: David, Abrom, Abraão, Dara: Sara. A exceção é Eneg, que na verdade é Gene lido ao contrário.
  • Durante a primeira temporada, Paul Schneider escreveu um esboço de uma história chamada “Tomorrow the Universe” sobre a Enterprise encontrar um planeta alienígena adotando a ideologia nazista e formando seu próprio Terceiro Reich. No entanto, quando Meredyth Lucas teve sua ideia muito semelhante para “Patterns of Force“, essa foi considerada muito melhor do que a história de Schneider, que foi descartada.
  • Várias pessoas do elenco deste episódio, principalmente William Shatner e Leonard Nimoy, tinham formação judaica. Em 1º de dezembro de 1967, fotógrafos de jornais e revistas foram convidados para fazer fotos de publicidade no set de gravação. Nimoy relutou quando foi chamado a tirar fotos dele em uniforme nazista nessa ocasião.
  • Esse episódio foi suprimido na transmissão pelas emissoras alemãs que transmitiram em meados de 1970, na rede pública, e na rede privada no final dos 1980 e início dos anos 1990. Somente em 1996 o episódio finalmente foi exibido na TV alemã.

Ficha Técnica

Escrito por John Meredyth Lucas
Dirigido por Vincent McEveety

Exibido em 16 de fevereiro de 1968

Titulo em português: “Padrões de Força”

Elenco

William Shatner como Kirk
Leonard Nimoy como Spock
DeForest Kelley como McCoy
James Doohan como Scott
Nichelle Nichols como Uhura
Walter Koenig como Chekov

Elenco convidado

Richard Evans como Isak
Valora Noland como Daras
Skip Homeier como Melakon
David Brian como John Gill
Patrick Horgan como Eneg
William Wintersole como Abrom

Revisitando

Edição de Ricardo Delfin