DSC 4×04: All Is Possible

Presidente T'Rina recebendo a bandeira da Federação da Presidente Rillak

Episódio combina política e aventura, com sabor de spin-off e também de despedida

Sinopse

Data estelar: 865661.2

A USS Discovery segue em órbita de Ni’Var, durante as tratativas finais para a reintegração do planeta à Federação. Enquanto isso, por sugestão do dr. Kovich e de Culber, a tenente Tilly decide participar de um exercício de treinamento da Academia da Frota Estelar, ajudando novos cadetes a aprenderem a trabalhar em equipe. Tilly também leva com ela Adira, que está numa fase de profunda insegurança agora que Gray tem seu próprio corpo.

Partindo do Quartel-General da Federação, Tilly acompanha Adira e três cadetes, Val Sasha (humana), Harral (órion) e Taahz Gorev (telarita), numa missão de reconhecimento destinada a Geryon, uma lua desértica classe M do planeta Theta Helios. Contudo, a nave auxiliar 11 sofre danos, atingida por uma rajada de raios gama, e cai em outra das 46 luas, Kokytos, um mundo gélido classe L (ar respirável, mas hostil à vida senciente). O tenente que pilotava a nave morre, e Tilly precisa fazer a equipe trabalhar em conjunto até que sejam resgatados pela USS Armstrong.

Tilly e Adira indo em missão com cadetes da Frota

Em Ni’Var, a presidente da Federação, Laira Rillak, solicita a presença de Michael Burnham e Saru na cerimônia oficial, em substituição ao almirante Vance, supostamente doente. Durante o evento, T’Rina, presidente de Ni’Var, declara que há ainda um impasse a superar: o planeta só voltará à Federação se houver uma cláusula de saída unilateral que possa ser evocada a qualquer tempo. Burnham e Saru assistem em choque ao acordo colapsar, tão perto de ser concluído. Michael intui que Rillak os trouxe até lá para que eles pudessem atuar nos bastidores para superar o impasse. Com isso, Saru passa a conversar privadamente com T’Rina e Michael tenta “ler” as entrelinhas do que lhe diz Rillak.

Está claro que as duas presidentes devem satisfações a seus grupos de apoio e não podem ceder unilateralmente. Elas precisam que uma terceira parte sugira uma solução a que ambas possam aquiescer. Burnham apresenta a todos a ideia da formação de um comitê independente que avaliará a situação de cada planeta membro, inclusive Ni’Var, de forma periódica. E como cidadã ancestral do planeta e da organização interestelar, ela se oferece para fazer parte desse grupo. T’Rina e Rillak concordam e Ni’Var está oficialmente de volta à Federação.

Cerimônia oficial para a entrada de Ni'Var na Federação

Em Kokytos, a nave auxiliar acidentada é atacada por criaturas gigantes que detectam suas presas por sinais eletromagnéticos. Tilly ordena todos a desligarem todo o equipamento. O grupo terá de caminhar pelo gelo até o alto de uma montanha, para, então, enviar um sinal que possa ser detectado pela Armstrong, viabilizando o resgate. Os cadetes parecem pouco propensos a trabalhar juntos e Adira quase é imobilizade por gelo, até que Tilly mobiliza todos para seu salvamento.

Tilly e cadetes trabalhando juntos para salvar Adira

O grupo consegue chegar ao alto da montanha, mas as criaturas estão à espreita. Tilly, então, se oferece para se afastar e atrair a atenção dos predadores, enquanto o resto do grupo faz contato com a Armstrong. Os teletransportes pessoais sofrem com interferência da tempestade de neve e não podem ser usados. O plano dá certo e o grupo retorna são e salvo ao Quartel-General da Federação. Kovich oferece a Tilly uma posição permanente como professora na Academia e ela aceita. A tenente volta brevemente à Discovery para se despedir de Michael e dos demais, enquanto Culber ainda ajuda Book a lidar com a perda de Kwejian, por meio de terapia.

Comentários

Ao longo de mais de cinco décadas, Star Trek já explorou diversos estilos de histórias. Tramas políticas nunca estiveram longe do foco da saga, em séries como Deep Space Nine, e aventuras cheias de adrenalina são uma marca de alguns episódios da Série Clássica, de Voyager e de Enterprise, além, é claro, de sua versão mais radical e bem acabada nos filmes do universo Kelvin, dirigidos por J.J. Abrams. “All Is Possible” parece ser uma parábola também para o que este episódio faz, mostrando que é possível combinar as duas coisas, em tramas paralelas, de forma bastante coesa e satisfatória.

É possível discutir até mesmo qual delas foi a predominante. São essencialmente duas tramas “A”, uma acompanhando a aventura de Tilly com os cadetes e outra, o processo político que reconduziu Ni’Var à Federação. Aliás, começando por essa última, boa escolha a dos roteiristas de investir um episódio nesse processo. O retorno do antigo planeta Vulcano à organização interestelar é algo de grande importância para o universo da saga, e teria sido péssimo se a reincorporação se desse fora de tela.

Saru e capitão Michael Burnham em cerimônia em Ni'Var

Além disso, a história faz excelente uso de Burnham e Saru como uma dupla, algo que foi visto de forma muito rara e faz muito bem a ambos. Os dois trabalhando para ouvir as palavras não ditas em meio à política de T’Rina e Rillak é muito bem sacado e a solução, ainda que não tenha sido a coisa mais maravilhosa que já se viu, é satisfatória e respeita o espírito de Star Trek, em que entendimento e diplomacia tomam precedência sobre força e violência.

E como não elogiar todas as cenas entre Doug Jones, como Saru, e Tara Rosling, como T’Rina? O flerte sutil dos dois, uma vulcana e uma pessoa sob uma tonelada de silicone na cara, é delicado e, ainda assim, totalmente transparente. Impossível não rir, mas aquela risada de cumplicidade, não de desprezo. Por sinal, acompanhando as expressões de Michael ao ver cada um daqueles lances. Encantador.

Saru e T'Rina

Na outra trama “A”, algo que tem cara, gosto e cheiro de piloto de spin-off. Durante décadas, fãs e produtores especularam sobre as possibilidades de uma série ambientada na Academia da Frota Estelar. Nesse espírito, já tivemos romances, quadrinhos e videogames, bem como incontáveis propostas para televisão e cinema. Nesta terceira era televisiva de Star Trek, desde a estreia de Discovery, a ideia já foi aventada ao menos duas vezes – uma em 2018, associada aos criadores Stephanie Savage e Josh Schwartz, e outra em 2021, durante o Star Trek Day, quando Alex Kurtzman mencionou o interesse no conceito, focado em um público jovem.

Pois bem: se uma trama envolvendo cadetes do século 32 aprendendo a trabalhar juntos em meio a uma aventura emocionante não é o mais perto de um piloto para uma série da Academia que já chegamos, que dirá da decisão de despachar para lá uma das personagens mais queridas de Discovery, a inimitável Sylvia Tilly?

Cadetes e Adira após serem resgatados

Com isso em mente, é importante avaliar essa parte do episódio sob os dois ângulos: como parte da série em que está inserido e como piloto de porta dos fundos para a série da Academia. Cabe adiantar que, em ambos os casos, ele funciona.

Começando pelo básico: é inegável que Discovery é uma série que tende a acumular mais personagens do que consegue lidar. Não há mais 26 episódios por temporada, como Deep Space Nine tinha, para servir um elenco de apoio tão vasto. Deixar gente pelo caminho é quase uma necessidade na evolução da série. Georgiou ficou para trás e agora é a vez de Tilly. Embora ela vá aparecer ainda nesta quarta temporada, fica claro que os roteiristas decidiram que Adira será “a nova Tilly” de Discovery, por assim dizer, e este episódio faz, de forma bastante literal, a passagem do bastão (ou, melhor dizendo, do globinho com a Enterprise NX-01 dentro).

Globo com Enterprise dentro, presente de Grey para Adira

Ao mesmo tempo, nunca a personalidade de Tilly pareceu tão bem encaixada quanto nessa função de professora, que ela exerce ao longo do episódio. A trama com os cadetes é cheia de clichês, verdade, e também tem lá os seus buracos (as regras de funcionamento dos teletransportes portáteis parecem ainda pouco definidas, funcionando ao sabor do roteiro, e aqui eles são dispensados rápido demais com uma frase lá no final, “a tempestade interfere com nossos transportes pessoais”). Mas, num nível emocional (como boa parte dos clichês que existem no mundo), funciona. A história lembra bastante a situação vista em “The Galileo Seven”, da Série Clássica, com Tilly no lugar de Spock, e até os roteiristas admitiram a inspiração.

Ademais, as filmagens em locação, os efeitos visuais estonteantes, a perseguição emocionante – lembrando muito Kirk fugindo de um monstro em Delta Vega no filme Star Trek (2009) – e a interação entre os personagens carrega muito bem a história. O timing cômico de Mary Wiseman nunca pode ser subestimado e, aqui, ele joga a favor da trama, impedindo que a levemos a sério demais.

Tilly fugindo de criatura

A cena final entre Tilly e Michael é igualmente adorável, nos remetendo a tudo pelo qual as duas passaram ao longo dessas quatro temporadas, oferecendo um desfecho satisfatório e emotivo para a despedida.

Agora, pensando em termos de uma futura série derivada, o episódio ajuda bem a vender a ideia. Primeiro, porque a decisão de ambientá-la no não desbravado século 32 oferece campo mais fértil do que as outras eras já bem conhecidas de Star Trek. Segundo, porque o tom a que a trama alude – a importância do trabalho em equipe, da comunicação e da compreensão – parece muito em sintonia com o que uma encarnação da saga teria a oferecer a um público jovem, sobretudo neste começo de século 21 tão esquisito em que nunca nos comunicamos tanto e ao mesmo tempo tão mal.

Por fim, dois dedos de prosa sobre o que seria a trama “C” deste episódio, com as cenas entre Culber e Book. Em resumo, é basicamente o que sobra. Dá para entender o porquê de os roteiristas terem mantido o luto de Book tão em foco na produção da temporada, em meio à pandemia da Covid-19, mas aqui realmente o drama parece um passo atrás, comparado ao que foi feito no episódio anterior, com T’Rina. É realista que a perda de Kwejian ainda o afete muito, mas dramaticamente parece apenas uma repetição. Acaba não agregando, a despeito das boas atuações de Wilson Cruz e David Ajala.

Book fazendo terapia com Culber

Essa é, contudo, uma reclamação menor. “All Is Possible”, de maneira geral, é excelente, um episódio tão completo e com sentido próprio quanto variado, respeitando a lógica de serialização de Discovery.

Avaliação

Citações

“You know, I-I could never figure out how my mother became a diplomat. She was such a hardass at home. No compromise. She had everything planned out. She had my whole life planned out. So when I told her I wanted to join Starfleet instead of the Diplomatic Corps, sh… so I always thought that I was doing this for me. But then, when I got the pips… all of a sudden I realized, like, my mom is 900 years in the past. She’s never gonna see me wear them. And I started wondering if this is what I really wanted, or if I just really wanted to be seen. You know? And that was humbling. But I think it could be a useful perspective for a teacher.”
(Sabe, eu nunca consegui entender como minha mãe se tornou uma diplomata. Ela era tão durona em casa. Sem concessões. Ela tinha tudo planejado. Ela tinha minha vida inteira planejada. Então, quando disse a ela que queria me juntar à Frota Estelar em vez do Corpo Diplomático, ela… então, eu sempre pensei que estivesse fazendo isso por mim. Mas, então, quando eu ganhei a patente… de repente eu percebi, tipo, minha mãe está 900 anos no passado. Ela nunca vai me ver usando-a. Sabe? E isso foi uma lição de humildade. Mas acho que poderia ser útil para uma professora.)
Tilly, explicando a Michael sua escolha de ir à Academia

Trivia

  • Este é o quarto episódio creditado a Alan McElroy, que se juntou a Discovery na temporada 2, e o primeiro de Eric J. Robbins, que chegou à série como assistente dos roteiristas na temporada 3.
  • Mais conhecido como editor e compositor de longas-metragens, John Ottman faz aqui seu primeiro trabalho como diretor em Star Trek.
  • A nomenclatura planetária segue o padrão adotado no Sistema Solar, com a adoção de nomes da mitologia. Helios é o deus grego do Sol, Kokytos é um dos cinco rios que cercam o Hades na mitologia grega, e Geryon é um gigante mitológico. Theta Helios jamais foi mencionado antes em Star Trek.
  • O priossomo tuscadiano de Kokytos parece ser inspirado no priossomo real, que pode ser encontrado no fundo dos oceanos e ter 20 metros de comprimento. Ele também lembra esteticamente a criatura Henrauggi, do filme Star Trek (2009). Em ambos os casos, são criações do designer Neville Page.
  • A câmara do conselho de Ni’Var também lembra a estética arquitetônica vulcana vista em Star Trek (2009).
  • O novo bar da Discovery ganhou um nome, “Forward Lounge”.
  • Vemos dois saurianos neste episódio; um é Linus jogando cartas no bar da Discovery e outro acompanhou Rillak a Ni’Var.
  • A capitão da USS Armstrong se chama Imahara, uma possível homenagem a Grant Imahara, trekker, astro da série Mythbusters e o Sulu da série de fã Star Trek Continues. Ele faleceu em 2020.
  • Culber cita o ritual funeral Muerto Parao, que é real e praticado entre os porto-riquenhos.
  • O globo com a NX-01 que Tilly dá a Adira foi feito sob encomenda para a série, segundo Mario Moreira, responsável pelos objetos de cena de Discovery. Apesar disso, ele lembra muito um dos globos de Star Trek lançados pela Danbury Mint em 2012.
  • O ator e diretor David Cronenberg volta ao papel de Kovich, criado na terceira temporada, e este é o primeiro episódio em que seu nome é dito.

Ficha Técnica

Escrito por Alan McElroy & Eric J. Robbins
Dirigido por John Ottman

Exibido em 9 de dezembro de 2021

Título em português: “Tudo É Possível”

Elenco

Sonequa Martin-Green como Michael Burnham
Doug Jones como Saru
Anthony Rapp como Paul Stamets
Mary Wiseman como Sylvia Tilly
Wilson Cruz como Hugh Culber
Blu del Barrio as Adira Tal
David Ajala como Cleveland “Book” Booker

Elenco convidado

Ian Alexander como Gray Tal
David Cronenberg como Kovich
Chelah Horsdal como Laira Rillak
Tara Rosling como T’Rina
Amanda Arcuri como Val Sasha
Seamus Patterson como Haraal
Adrian Walters como Taahz Gorev
Avaah Blackwell como Ina
Orville Cummings como Christopher
David Benjamin Tomlinson como Linus
Patrick Haye como Ferin
Piotr Michael como computador da nave auxiliar
Nck Name como Callum

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Edição de Mariana Gamberger
Revisão de Nívea Doria

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