Em álbum de episódio, Star Trek conversa com música pop — e dá certo!

Star Trek, a despeito de nunca ter tido um episódio musical, sempre teve íntima relação com a arte mais popular do planeta. Os maravilhosos episódios de Vic Fontaine em Deep Space Nine são a prova de como essa mistura improvável pode dar certo. Porém, essas interseções sempre foram feitas por meio do jazz. Já aqui, com o álbum que acompanha o excelente episódio “Subspace Rhapsody”, temos a primeira vez em que Star Trek conversa com a música pop contemporânea. E deu certo. Não que estejamos diante de uma encarnação do século 21 do Abbey Road, mas o disco é super honesto.

Os atores funcionam muito bem como cantores. Destaque para as vozes de Christina Chong e Celia Rose Gooding, claramente as duas melhores cantoras do álbum. Até por isso as músicas em que elas atuam em solo podem ser mais rebuscadas. Jess Bush e Paul Wesley também têm excelente desempenho. Mas nem tudo são flores. Ethan Peck e Anson Mount, digamos, não nasceram para cantar. E aí é que mora o primeiro problema do álbum: o excesso de efeitos nas vozes. Parece existir um fetiche dos produtores (musicais) hoje em dia de torrar as vozes com efeitos, e esse problema se apresenta aqui. Vozes como as de Babs Olusanmokun e Rebecca Romijn são tão comprimidas (quando a faixa passa pelo compressor, diminuindo a diferença entre sons altos e baixos, “achatando” o sinal) que acabam perdendo toda sua naturalidade.

A artificialidade também se encontra em alguns momentos, como nos timbres de bateria, também, demasiadamente cheios de efeitos. Os instrumentos de percussão de modo geral não vão bem, sobretudo o excesso de ovo (sim, o nome é esse mesmo), que produz um chiado que, usado em excesso, polui a faixa.

Dentro do contexto dos episódios, as músicas funcionam muito bem. As canções operam em sintonia com a trama, servindo climaticamente de forma certeira. E assim é a nossa relação com a música. Se estamos tristes, talvez vamos ouvir algo mais melancólico, como The Smiths, mais eufórico, talvez seja hora de um dance. Apaixonado, sempre cabe um Roberto Carlos ou Roupa Nova. E o episódio apresenta isso muito bem.

Faixa a faixa

“Status Report” cumpre seu papel, apresentando todos os cantores e começando a história. Destaque para o bom uso de batidas tribais nela, junto com as cordas. E um divertido vocal no final, um pouco atrapalhado pelo excesso de repetições. Funciona mais no contexto do episódio que na playlist.

O dueto entre Paul Wesley e Rebecca Romijn em “Connected to Your Truth” é um dos momentos mais divertidos do disco. A opção pela maior naturalidade da voz do talentoso Paul Wesley privilegia seu belo timbre de voz, com menos necessidade de programas como Auto-Tune (que certamente tem na voz de todos, mas aqui em menor escala). Só um destaque negativo, novamente, para o excesso de efeitos na voz de Rebecca Romijn.

Christina Chong nos entrega em “How Would That Feel” um dos melhores números do disco, de arrepiar a alma. O talento da atriz como cantora permite uma música com um tom mais alto, mais corajosa. Com uma melodia linda, sendo conduzida pelo piano e pela sensibilidade do contrabaixo, que empurra a canção pra frente. Destaque para a bateria com menos efeitos que em outras faixas. Recomendo escutar a música “Last Night On Earth”, versão da Broadway, da banda americana Green Day — os arranjos se assemelham um bocado. Essa entrou para a minha playlist!

“A Private Conversation” é provavelmente o número mais engraçado do episódio, mas, como música no disco, é menos que ok. Dois atores que não cantam, com as vozes torradas de efeitos, com um arranjo apenas ok. Dispensável como música, épica no contexto do episódio.

Se “Keeping Secrets” é um segmento mais dispensável do episódio, é um dos mais bonitos do disco. Sensível, com uma melodia linda. Destaque para o looping eletrônico belíssimo escolhido para música, bem diferente dos demais. As vozes de Rebecca Romijn e Christina Chong ornam muito bem entre si. Destaque para o piano, que finalmente foi posto na cara na mixagem, a exemplo de “How Would That Feel”. A sensibilidade de “Keeping Secrets” cria o contraste perfeito com a intensidade da próxima faixa.

Jess Bush simplesmente arrebenta em “I’m Ready”. Se ela não tem a melhor técnica vocal das atrizes, certamente tem o timbre de voz mais bonito. Sua voz mais rouca permite a música mais sensual do disco, com um arranjo completamente diferente dos demais. Com uma linha de contrabaixo que fica grudada na cabeça e um time de sopros simplesmente espetacular. É também a música mais sofisticada do disco, com backing vocals e cordas certeiras. É a melhor música do álbum. Se tivesse mais dez “I’m Ready” estaríamos aqui cogitando Grammy para o disco.

“I’m the X” é, disparada, a pior faixa do álbum. Se aquela gravação de voz do nosso Ethan foi pro ar, imagine o que é esse cidadão cantando ao vivo? Dá pra escutar todos os efeitos presentes pra tentar amenizar a falta de talento vocal dele, inclusive as sobras das frequências do Auto-Tune sobrando na mixagem. Também tem a letra mais boba do disco, ainda mais cantada por um personagem como Spock.

Celia Rose Gooding também arrebenta na linda e emocionante “Keep Us Connected”. Em um arranjo mais inventivo, com a primeira aparição de um violão, e com a bateria sendo tocada no aro da caixa, dá o ar mais música pop do disco. Também tem o melhor refrão de todos, que, se fosse gravado por uma Norah Jones da vida, ornaria bem. Individualmente é a música que mais funciona no álbum, com um refrão que ecoa em nossas mentes. Destaque para bela introdução com um teclado órgão Hammond.

O segmento final, “We Are One”, entrega tudo que a gente espera de um musical. Destacaria os solos de Celia Rose Gooding e de Paul Wesley, que carecem menos de efeitos, privilegiando os seus talentos. Anson Mount também se mostrou melhor cantor que no seu outro segmento. Também é importante elogiar a variação de movimentos da canção, super sofisticada e adequada para o fim de um musical. Destaque negativo apenas para o excesso de efeitos na caixa da bateria novamente, parece ter sido convencionado que esse é o som de bateria do século 21 (ou do 23, sei lá). Não faltará alguém para dizer que o final é muito cafona e brega. E e eu hei de concordar. É muito brega. Mas desde quando brega é sinônimo de ruim? Ficou maravilhosamente brega.

As meninas do elenco claramente se destacam, Christina Chong e Celia Rose Gooding arrebentam em seus números, mas o destaque masculino fica para o sempre talentoso Paul Wesley, que mostrou ser um ótimo cantor. Mas, para o meu gosto pessoal, mesmo para aqueles que têm menos alcance vocal que os anteriores citados, prefereria menos uso de efeitos. Se o disco/episódio faz a união de Star Trek com a música pop contemporânea, comprou junto no pacote seus defeitos.

Subspace Rhapsody é um disco divertidíssimo, que oscila entre momentos maravilhosos e alguns poucos dispensáveis, mas que no frigir dos ovos é um grande vencedor, por unir Star Trek e a música pop de maneira tão orgânica. Palmas para os compositores, Kay Hanley e Tom Polce, por capturar bem as duas atmosferas, sem parecer algo forçado.

Avaliação